As principais causas do esgotamento docente no contexto contemporâneo
Valquíria Mariano Tavares Barroso
DOI: 10.5281/zenodo.17630258
RESUMO
O esgotamento docente, também denominado burnout, caracteriza-se por exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização profissional. Estudos atuais apontam o aumento significativo desse fenômeno entre professores, influenciado por sobrecarga de trabalho, falta de apoio institucional, desafios comportamentais em sala e pressões burocráticas. Este artigo, estruturado como revisão narrativa, analisa as principais causas do esgotamento docente à luz de autores como Maslach, Tardif, Esteve, Codo e Freire.
Palavras-chave: Esgotamento docente. Saúde mental. Burnout. Trabalho docente.
INTRODUÇÃO
O trabalho docente tem sido marcado por intensas transformações sociais, pedagógicas e emocionais, gerando desafios crescentes para os profissionais da educação. Em meio a esse contexto, o fenômeno do esgotamento docente tem se mostrado cada vez mais presente, afetando o bem-estar e a saúde mental dos professores. Ao longo da minha trajetória na educação, encontrei professores que, mesmo apaixonados pela docência, carregavam nos olhos o peso da exaustão e no corpo o cansaço acumulado de longos anos de sobrecarrega. Em muitos momentos, eu mesma vivi esse desgaste, percebendo como a rotina escolar, quando não amparada por condições dignas e apoio institucional, pode adoecer lentamente quem se dedica ao ensinar. Essas vivências reforçam a urgência de compreender esse fenômeno de maneira profunda e humanizada.
Autores como Esteve (1999) e Maslach e Leiter (2016) explicam que o burnout não é fruto da fragilidade do professor, mas das condições de trabalho que frequentemente ultrapassam sua capacidade emocional. No Brasil, estudos de Codo (2006) apontam que o sofrimento docente emerge de um conjunto de fatores estruturais, como sobrecarga, violência escolar, falta de apoio e desvalorização profissional.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O burnout foi inicialmente descrito por Freudenberger (1974) e aprofundado por Maslach e Jackson (1981), que o definem como um fenômeno composto por exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional. Tardif (2010) complementa afirmando que o trabalho docente envolve dimensões cognitivas, afetivas e éticas que tornam o professor vulnerável ao desgaste. Esteve (1999) argumenta que as mudanças sociais ampliaram as expectativas e pressões sobre o docente, sem a devida melhoria das condições de trabalho. Assim, o burnout docente é um fenômeno multifatorial.
CAUSAS DO ESGOTAMENTO DOCENTE
Sobrecarga de trabalho e múltiplas funções
Esse acúmulo de tarefas não apenas reduz o tempo destinado ao planejamento pedagógico de qualidade, mas também compromete o descanso e o equilíbrio emocional do professor. Muitas vezes, o profissional leva atividades para casa, prolongando sua jornada de trabalho para além do previsto.
Tardif e Lessard (2005) afirmam que o professor tornou-se multitarefa, responsável por planejamento, correções, relatórios, reuniões, plataformas, atendimento às famílias e mediação de conflitos. Essa intensificação leva à sensação de trabalho infinito e esgotamento.
Situações de conflito frequentes desgastam o ambiente escolar e levam o docente a um estado constante de vigilância emocional. Isso pode gerar insegurança, ansiedade e sensação de impotência diante das demandas comportamentais dos estudantes.
Indisciplina e conflitos em sala de aula
Esteve (1999) aponta que lidar com comportamentos agressivos ou desrespeitosos é uma das principais fontes de estresse docente. Freire (1996) reforça que a relação pedagógica depende do diálogo; quando essa relação se desgasta, o sentido do trabalho também se perde.
A pressão por resultados transforma a sala de aula em um ambiente de cobranças constantes. Professores sentem-se obrigados a priorizar indicadores em detrimento da aprendizagem significativa, o que aumenta o estresse e reduz o prazer em ensinar.
Falta de apoio da gestão e das famílias
A desvalorização profissional repercute diretamente no adoecimento emocional, pois o professor sente que sua dedicação não é reconhecida. Isso gera frustração, queda de motivação e um desgaste progressivo ao longo da carreira.
Codo (2006) afirma que o professor precisa de suporte institucional para manter sua saúde mental. Paro (2018) explica que a falta de parceria com as famílias intensifica o sentimento de sobrecarga e solidão na docência, agravando o burnout.
Pressão por resultados e burocratização
Nóvoa (1992) explica que a escola contemporânea está submetida à lógica da prestação de contas. A pressão por índices e metas retira o foco do pedagógico e aumenta a carga emocional do professor.
Sem tempo para autocuidado, o docente acumula cansaço físico e mental. A ausência de lazer, descanso e pausas regulares agrava o desgaste diário e acelera o surgimento de sintomas ligados ao burnout.
Desvalorização profissional e remuneração insuficiente
Gatti (2019) destaca que a desvalorização social e salarial impacta diretamente a autoestima docente, reduzindo o engajamento e ampliando o risco de burnout.
A desvalorização profissional também afeta a identidade docente, fragilizando a percepção de pertencimento e de importância social da profissão. Quando o professor percebe que sua dedicação não recebe o devido reconhecimento, instala-se um sentimento de frustração profunda. Além disso, a necessidade de assumir múltiplos vínculos empregatícios, devido à baixa remuneração, intensifica a carga de trabalho, reduz o tempo de descanso e acentua o adoecimento emocional.
Falta de recursos e turmas numerosas
Tardif e Lessard (2005) afirmam que salas superlotadas dificultam o acompanhamento pedagógico e geram cansaço físico e mental, especialmente em escolas com infraestrutura precária. A falta de recursos e as turmas numerosas intensificam desafios pedagógicos e emocionais. Ensinar em ambientes com infraestrutura inadequada prejudica não apenas o planejamento, mas também a capacidade de engajar os estudantes. Aos professores recai a responsabilidade de ‘fazer muito com pouco’, o que gera sensação de impotência e desgaste contínuo. Essa realidade, comum em muitas escolas públicas, compromete a qualidade do ensino e agrava o estresse docente.
Exigências emocionais elevadas
Maslach (2001) explica que profissões baseadas em cuidado humano carregam grande desgaste afetivo. Professores lidam com sofrimento estudantil, vulnerabilidade social e conflitos familiares diariamente. As exigências emocionais elevadas fazem do professor não apenas um educador, mas um cuidador afetivo. Diariamente, o docente se depara com situações de vulnerabilidade social, comportamentos desafiadores e conflitos familiares que exigem sensibilidade e equilíbrio emocional. Esse acúmulo de demandas emocionais, sem suporte adequado, contribui significativamente para o adoecimento mental e para a sensação de esgotamento permanente.
Falta de tempo para autocuidado
Esteve (1999) aponta que a intensificação do trabalho dissolveu a fronteira entre vida pessoal e profissional, tornando o desgaste docente contínuo. A falta de tempo para autocuidado reflete um ciclo de trabalho contínuo, no qual
o professor raramente dispõe de momentos de descanso real. A sobrecarga impede práticas de lazer, convívio familiar e atividades que promovem bem-estar. Ao negligenciar o autocuidado por falta de tempo e energia, o docente acumula desgaste físico e mental, aumentando o risco de desenvolver sintomas relacionados ao burnout.
DISCUSSÃO
A literatura contemporânea revela que o burnout docente não é apenas um fenômeno individual, mas um reflexo de condições sistêmicas que estruturam as escolas e impactam diretamente a saúde mental dos professores. Maslach e Leiter (2016) enfatizam que o esgotamento está profundamente relacionado a ambientes de trabalho que não oferecem apoio psicológico, organização funcional, reconhecimento profissional e condições adequadas para o exercício da docência. Assim, torna-se evidente que o burnout emerge não da fragilidade do professor, mas da fragilidade do sistema educacional.
Além disso, estudos recentes apontam que a intensificação do trabalho, a padronização das práticas pedagógicas e a pressão por resultados elevam significativamente o estresse ocupacional. Nóvoa (1995) destaca que a profissão docente foi historicamente negligenciada, e que ainda hoje os professores enfrentam desafios que ultrapassam suas atribuições originais, assumindo funções sociais, emocionais e assistenciais para as quais muitas vezes não recebem formação adequada.
Outro aspecto fundamental envolve o impacto emocional causado pela convivência com a vulnerabilidade social dos estudantes. Professores frequentemente desempenham o papel de mediadores afetivos, lidando com problemas familiares, violência doméstica, insegurança alimentar e questões comportamentais complexas. Esse conjunto de fatores aumenta a carga emocional diária e contribui para o desgaste psicológico, reforçando a necessidade de políticas públicas que garantam suporte emocional e psicossocial aos profissionais da educação.
Somado a isso, a ausência de políticas efetivas de valorização profissional contribui para a sensação de invisibilidade e desmotivação. Gatti (2019) argumenta que a valorização docente vai muito além da remuneração: envolve respeito, condições materiais, autonomia pedagógica e reconhecimento social. Quando esses elementos faltam, o professor passa a vivenciar um processo de adoecimento silencioso, que se intensifica gradualmente.
Diante dessa realidade, a discussão sobre o burnout docente precisa ser tratada como uma questão de responsabilidade coletiva. Não se trata apenas de estratégias individuais de enfrentamento, mas de ações articuladas entre gestores, redes de ensino e políticas públicas que promovam saúde mental, ambientes escolares humanizados e estruturas organizacionais que valorizem o professor como sujeito central no processo educativo.
CONCLUSÃO
O conjunto de elementos analisados ao longo deste estudo evidencia que o esgotamento docente não é resultado de fragilidades individuais, mas consequência direta da forma como o trabalho pedagógico tem sido organizado, exigido e vivenciado nas escolas brasileiras. As múltiplas funções atribuídas ao professor, a sobrecarga emocional constante, a falta de apoio institucional, a indisciplina, a pressão por resultados e a desvalorização profissional configuram um cenário que ultrapassa a capacidade humana de sustentação contínua. O burnout, portanto, não é um problema isolado, mas um sinal de alerta sobre a urgente necessidade de repensar as condições estruturais da educação.
Neste sentido, torna-se indispensável fortalecer políticas públicas que garantam ambientes escolares mais humanos e acolhedores, nos quais o professor possa exercer sua função com dignidade, autonomia e segurança emocional. Investir no bem-estar docente implica assegurar espaços de escuta, redes de apoio, formação continuada de qualidade e condições adequadas de trabalho. Nenhuma transformação educacional será sustentável enquanto o professor permanecer adoecendo silenciosamente dentro da escola.
A saúde emocional do educador constitui o solo fértil onde se desenvolvem aprendizagens significativas, relações pedagógicas saudáveis e experiências que transformam vidas. O professor precisa ser visto como pessoa antes de profissional — alguém que sente, se desgasta, se emociona e necessita de suporte para continuar desempenhando seu papel com entusiasmo e propósito.
Assim, reafirma-se que fortalecer o professor é fortalecer o futuro. Uma escola que acolhe, respeita e valoriza seus educadores torna-se capaz de promover uma educação verdadeiramente humana, ética e transformadora. Que o olhar para o bem-estar docente deixe de ser uma necessidade invisível e passe a ser prioridade no planejamento educacional, garantindo que nenhum professor adoeça sozinho e que todos possam exercer sua missão com saúde, alegria e esperança.
REFERÊNCIAS
CODO, W. Educação, carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 2006.
ESTEVE, J. M. O mal-estar docente. Bauru: EDUSC, 1999.
FREUDENBERGER, H. J. Staff Burn-Out. Journal of Social Issues, v. 30, n. 1,
- 159-165, 1974.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GATTI, B. Profissão Professor no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2019.
MASLACH, C.; JACKSON, S. The Measurement of Experienced Burnout. Journal of Occupational Behavior, 1981.
MASLACH, C.; LEITER, M. Burnout at Work. New York: Psychology Press, 2016.
NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
NÓVOA, A. (Org.). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1995.
PARO, V. H. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 2018.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2010.
TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente. Petrópolis: Vozes, 2005.

