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Documentação estético-participativa como eixo integrador: quando o atelier, a aprendizagem em grupo e a escuta viram avaliação formativa na Educação Infantil

Letícia Carvalho Silva Marques

Sâmela Siqueira Oliveira

 

DOI: 10.5281/zenodo.17603455

 

 

RESUMO

Este artigo identifica um ponto de convergência entre três referenciais inspirados na experiência de Reggio Emilia: a documentação pedagógica, o espaço/atelier como “terceiro educador” e a aprendizagem em grupo. Deste modo transformando estes três em um método aplicável de avaliação formativa na Educação Infantil. Argumentamos que a documentação estético-participativa é o elo que articula escuta, ambiente e colaboração infantil, convertendo vestígios em decisões pedagógicas públicas. Propomos o método PAREDE (Planejar com as crianças; Ateliê em ação; Registros multimodais; Edições curatoriais; devolutivas públicas; Encaminhamentos do espaço) e indicadores de qualidade alinháveis à BNCC. Dialogamos com produções brasileiras sobre planejamento centrado na criança e sobre lacunas entre discurso de escuta e prática, reforçando participação efetiva. Ao final, descrevemos ganhos curriculares, de transparência e de justiça avaliativa.

 

Palavras-chave: Reggio Emilia; documentação pedagógica; atelier; participação das crianças; avaliação formativa; BNCC.

 

 

Introdução

 

No campo da Educação Infantil, cresce o consenso de que a avaliação deve ser formativa, processual e pública, com foco na criança como sujeito de direitos e produtora de cultura. Experiências brasileiras enfatizam planejamento com a criança em foco e compromisso com qualidade, deslocando o olhar do procedimento para a autoria infantil.

Também se reconhece que a potência dessa virada depende de escuta e participação realmente efetivadas a partir de oportunizar previamente as crianças suas descobertas e vivências, um ponto onde práticas ainda tropeçam, mantendo a escuta na oralidade e pouca acolhida em outras linguagens das crianças.

Nas escolas inspiradas por Reggio Emilia, três ideias se interpenetram:
a) Documentação pedagógica como interpretação pública de processos, distinta do mero registro;

  1. b) Ambiente/atelier como terceiro educador;
  2. c) Aprendizagem em grupo como construção distribuída.

Tais princípios sustentam que documentar é educar, e que o fazer avaliativo acontece quando os percursos se tornam visíveis e debatíveis por crianças, docentes e famílias.

Deste modo sustentamos que a documentação estético-participativa é o ponto específico de diálogo entre os três eixos (documentação, ambiente/atelier e grupo): é ela que transforma o espaço em linguagem avaliativa, o grupo em autor coletivo e a escuta em decisões curriculares.

 

 

Documentação ≠ registro: curadoria de processos

 

Na perspectiva reggiana, o registro é matéria-prima; a documentação emerge quando há interpretação articulando vestígios, perguntas e decisões possibilitando “ver” a aprendizagem para além de provas e tarefas e reconhecendo a criança como potente, criativa e criadora.

Como prática, ela fornece critérios espaciais (flexibilidade, intenção pedagógica, legibilidade pública) para que o próprio ambiente documente.

 

 

Espaço/atelier como terceiro educador

 

Os tempos e espaços materializam concepções de infância e de educação; não são neutros. Por isso, repensá-los, desnaturalizando a sala, é condição para pôr a criança no centro das decisões e para criar rotinas flexíveis que respeitem investigações longas e autônomas, essa é a ideia sintetizada na imagem do “terceiro educador”.

 

 

Aprender em grupo, tornar público

 

O trabalho com grupos visa produtos públicos (murais, portfólios, instalações) e depende de planejamento como atitude relacional, mais do que roteiro fechado: mergulhar com as crianças na aventura de perguntar, criar e ler o mundo, em lugar de “atividades burocráticas”, seguir a liderança da criança, não ser refém, mas pensar na curiosidade das crianças, pensar em seus interesses próprios de aprendizagens.

Esse horizonte brasileiro converge com o chamado a projetos coletivos e com a centralidade do encontro e do encantamento no cotidiano da Educação Infantil.

 

 

Método PAREDE: documentação estético-participativa como avaliação formativa

 

Propomos um método aplicável em turmas de 2–4 anos que integra os três eixos. Cada ciclo dura 2–4 semanas e se ancora em uma pergunta geradora emergente das crianças.

P — Planejar com as crianças

Levantamento de interesses por múltiplas linguagens (conversa, desenho, gesto, som). Planejamento aberto ao imprevisível, com objetivos de experiência, não de conteúdos seriados (planejamento como atitude)

A — Ateliê em ação

Organização do espaço como terceiro educador: materiais variados, acessíveis e esteticamente dispostos; rotinas flexíveis para sustentar investigações longas; adultos como pesquisadores e “escribas”.

R — Registros multimodais

Fotos, vídeos curtos, transcrições de falas, mapas de ação, recolha de traços (Diferenciar registro de documentação, guardando contexto, hipóteses, decisões).

E — Edições curatoriais

Docentes e crianças editam painéis com sequência: contexto → pergunta → hipóteses infantis → vestígios → interpretações → próximos passos. Os painéis obedecem a critérios de legibilidade, intenção pedagógica e atualização contínua.

D — Devolutivas públicas

Rodas de leitura das documentações com crianças e famílias; crianças releem e acrescentam camadas (desenhos, legendas,) fortalecendo participação para além da linguagem oral dominante apontada nas pesquisas.

E — Encaminhamentos do espaço

O ambiente muda: o que se aprendeu reorganiza cantos, tempos e materiais evidenciando que espaço e avaliação são uma só ecologia

Indicadores de qualidade

Centralidade infantil: decisões visíveis que nasceram de hipóteses das crianças;

Coerência documentação-espaço: painéis legíveis, não decorativos, com propósito pedagógico

Participação plural: presença de múltiplas linguagens (imagem, gesto, som, escrita);

Temporalidade viva: rotinas flexíveis que não interrompem experiências significativas.

Produto público: portfólios/painéis próximos a porta de sala, boletim informativo digital nos grupos de whatssap que sustentam diálogo com famílias e a comunidade.

 

 

Discussão e resultados

 

Com a documentação, a avaliação deixa de medir resultados finais e passa a negociar sentidos articulando vestígios a interpretações e a decisões curriculares abertas.

Com o atelier e o espaço, a documentação ganha suporte estético-material: paredes, mesas e cantos “falam” e tornam a aprendizagem legível ao coletivo que é a condição do “terceiro educador”.

Com o grupo, a própria curadoria vira tarefa compartilhada e o planejamento se torna atitude relacional e investigativa, não uma sequência burocrática, ou currículo a se cumprir.

Esse trio dialoga ainda com a necessidade brasileira de planejamento com a criança no centro e com a superação da distância entre discurso de escuta e participação efetiva, identificada em investigações em creches públicas.

A proposta reafirma que não se copia Reggio: inspira-se, contextualiza-se e produz-se práxis situada, em diálogo com a BNCC e com a história da Educação Infantil no Brasil.

 

 

Alinhamentos à BNCC (síntese operativa)

 

Direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar, conhecer-se todos atravessados pela documentação pública dos percursos.

Campos de experiências: “Traços, sons, cores e formas” e “O eu, o outro e o nós” se materializam nos produtos coletivos (instalações, painéis) e nas devolutivas comentadas com crianças e famílias.

Avaliação: contínua, qualitativa e participativa; a documentação substitui checklists fechados por narrativas de aprendizagem (percurso, hipóteses, decisões).

Limitações e pesquisas futuras

 

A adoção coerente do método exige tempo de estudo docente e condições de trabalho para curadoria e requer também formação inicial/continuada que integre cuidado e educação e supere o foco excessivo de escolarizar as crianças principalmente da fase creche, um desafio destacado na literatura nacional.

 

Conclusão

 

Quando documentação, atelier e grupo se encontram sob a lógica da estética participativa, a avaliação vira ato público de cuidado e justiça: a escola passa a se explicar para as crianças e com elas. O método PAREDE oferece um caminho simples e potente para começar amanhã não como cópia, mas como inspiração situada. Isso é pedagógico, é político e é belo.

 

 

Referências

 

OLIVEIRA, Carla de. Abordagem Reggio Emilia na Educação Infantil. Curitiba: IESDE Brasil, 2023. (usada para fundamentos sobre documentação, espaço e BNCC).

 

REGGIO CHILDREN; PROJECT ZERO. Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. São Paulo: Phorte, 2014. (usada para participação e cultura da infância).

 

GRUPO EDUCACIONAL FAVENI. A cultura da infância em Reggio Emilia. FAVENI, 2021. (usada para referencias sobre atelier e poéticas da aprendizagem).

 

OSTETTO, Luciana E. (org.). Encontros e encantamentos na Educação Infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas: Papirus, 1997. (usada para planejamento centrado na criança e compromisso com qualidade).

 

FROTA, A. M. M. C.; MORAES, R. R. A.; CYSNE, J. B. (org.). Infâncias, crianças, Educação Infantil: diferentes olhares. Fortaleza: EdUECE, 2020. (usada para escuta/participação e panorama teórico).