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A importância do ensino da Língua Portuguesa na Alfabetização e Letramento

Erison Ricardo Marchi
Ivete Fernandes Gomes
Everaldo Oliveira de Souza
Sheila Oliveira do Nascimento Pinatti
Danielle da Silva Muniz

 

DOI: 10.5281/zenodo.17407228

 

 

Resumo

O presente artigo tem como objetivo discutir a importância do ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental, com ênfase nos processos de alfabetização e letramento. A aprendizagem da língua é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, social e cultural das crianças, constituindo-se como eixo estruturante de todas as áreas do conhecimento. Partindo de uma revisão bibliográfica baseada em autores como Paulo Freire, Magda Soares, Geraldi, Antunes, Saviani e Bakhtin, o estudo analisa as concepções teóricas e práticas que orientam o ensino da língua materna no contexto atual. Defende-se que alfabetizar e letrar são processos interdependentes, nos quais o domínio do sistema alfabético deve ocorrer simultaneamente à inserção do aluno nas práticas sociais de leitura e escrita. Conclui-se que o ensino da Língua Portuguesa deve ser pautado em uma abordagem dialógica, crítica e significativa, que valorize o texto como unidade de sentido e o estudante como sujeito ativo na construção do conhecimento linguístico e discursivo.

 

Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Língua Portuguesa. Ensino Fundamental. Práticas pedagógicas.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A língua é um dos mais poderosos instrumentos de comunicação e construção de identidade humana. Através dela, o indivíduo interage, expressa pensamentos, sentimentos, constrói conhecimentos e se insere na cultura e na sociedade. Nesse contexto, o ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental assume papel essencial na formação do sujeito leitor e escritor, crítico e participativo.

O ensino da língua materna, no entanto, tem enfrentado desafios ao longo da história educacional brasileira. Durante muito tempo, prevaleceram práticas pedagógicas centradas na gramática normativa e na memorização de regras, desconsiderando o caráter social e comunicativo da linguagem. Essa visão reducionista, segundo Antunes (2003), desvirtua o verdadeiro sentido da língua, que é o de possibilitar a interação e a produção de sentidos.

Com a emergência dos estudos sobre alfabetização e letramento, a partir das décadas de 1980 e 1990, a educação linguística ganhou novos contornos teóricos e metodológicos. Autoras como Magda Soares (2003; 2016) e Emilia Ferreiro (1999) contribuíram para ampliar a compreensão sobre os processos de apropriação da escrita, destacando a importância das práticas sociais e cognitivas envolvidas na aprendizagem da leitura e da escrita. Dessa forma, o presente artigo tem como propósito discutir a importância do ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais, considerando a indissociabilidade entre alfabetização e letramento. Fundamentado em revisão bibliográfica, o texto propõe reflexões sobre as concepções de linguagem, o papel do professor e as metodologias que favorecem o desenvolvimento das competências linguísticas e discursivas dos alunos.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

 

  1. O ensino da Língua Portuguesa e sua função social

 

A Língua Portuguesa, como disciplina escolar, não deve ser vista apenas como um conjunto de normas e convenções gramaticais, mas como um instrumento de interação social e de expressão do pensamento. Segundo Bakhtin (1997), toda linguagem é dialógica, isto é, nasce da relação entre sujeitos, mediada por contextos históricos e culturais. Assim, ensinar a língua significa ensinar a dialogar com o mundo.

Freire (1996) destaca que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, enfatizando que o ato de ler e escrever está intimamente ligado à compreensão da realidade. O ensino da língua, portanto, deve partir das experiências e saberes do aluno, promovendo a reflexão crítica sobre o uso da linguagem nas diferentes práticas sociais.

Saviani (2008) acrescenta que a educação tem como função social garantir o acesso aos conhecimentos sistematizados e historicamente construídos, possibilitando que o aluno compreenda o mundo e atue de forma consciente na sociedade. Assim, o ensino da Língua Portuguesa deve contribuir para a formação integral do indivíduo, permitindo-lhe compreender e transformar sua realidade.

A BNCC (2017) reforça essa perspectiva ao definir a área de Linguagens como eixo que articula o desenvolvimento da oralidade, leitura, escrita e análise linguística. Nos anos iniciais, o ensino da língua deve propiciar ao aluno o domínio da linguagem oral e escrita, compreendida como prática de interação e produção de sentidos.

 

 

  1. Alfabetização e letramento: dimensões complementares da aprendizagem linguística

 

A alfabetização, em seu sentido mais restrito, refere-se ao processo de aquisição do sistema de escrita alfabética, isto é, ao aprendizado das correspondências entre grafemas e fonemas. O letramento, por sua vez, diz respeito às práticas sociais de leitura e escrita, ao uso funcional da língua em diferentes contextos. No entanto, conforme Magda Soares (2016), alfabetizar e letrar não são processos distintos, mas dimensões que se articulam e se completam.

Para Soares (2003), “alfabetizar letrando” significa ensinar a ler e escrever de modo que o aluno compreenda as funções sociais da língua e utilize a escrita como instrumento de comunicação, expressão e aprendizagem. Essa concepção rompe com as práticas tradicionais de ensino, baseadas na cópia, na repetição e no treino mecânico de letras e sílabas.

Ferreiro e Teberosky (1999) mostraram que a criança, antes mesmo de ser alfabetizada, elabora hipóteses sobre o funcionamento da escrita, construindo ativamente seu conhecimento. Essa descoberta transformou a visão do processo de alfabetização, colocando o aluno como sujeito ativo na construção da linguagem escrita.

Geraldi (1997) enfatiza que o ensino da língua deve partir do texto, e não da frase ou da palavra isolada. O texto é o espaço onde a linguagem se realiza, onde o sentido é construído em contextos de comunicação reais. Trabalhar com textos significativos, de diferentes gêneros e portadores, contribui para o desenvolvimento das competências leitora e escritora.

Dessa forma, alfabetizar e letrar é preparar o aluno para atuar socialmente de modo crítico e reflexivo, utilizando a língua como meio de inserção cultural, participação cidadã e construção de conhecimento.

 

 

  1. Concepções de linguagem e implicações pedagógicas

 

As concepções de linguagem que orientam o ensino da Língua Portuguesa influenciam diretamente as práticas pedagógicas. Antunes (2003) identifica três concepções predominantes: a linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de interação. Esta última, fundamentada em Bakhtin, é a que melhor corresponde à perspectiva contemporânea de ensino.

A concepção interacionista considera que a linguagem é uma atividade social e cognitiva, por meio da qual os sujeitos constroem sentidos e se constituem como interlocutores. Assim, o ensino da língua deve priorizar situações reais de comunicação, nas quais o aluno possa produzir textos com finalidade e destinatário definidos.

Freire (1987) defende que a aprendizagem da leitura e da escrita deve ser um ato de criação, e não de memorização. A escola precisa oferecer oportunidades para que os estudantes se expressem, questionem e interpretem o mundo. Nesse sentido, o trabalho com gêneros textuais é uma ferramenta poderosa, pois permite o contato com diferentes formas de uso da linguagem, promovendo o desenvolvimento da competência discursiva.

A BNCC (2017) propõe que o ensino da Língua Portuguesa seja organizado em eixos — oralidade, leitura, escrita, análise linguística e semiótica —, articulados entre si e orientados por práticas de linguagem socialmente significativas. Essa abordagem contribui para que o aluno desenvolva a capacidade de compreender e produzir textos em múltiplas situações comunicativas.

Assim, cabe ao professor planejar práticas pedagógicas que integrem leitura, produção de textos e reflexão sobre a língua, promovendo um ensino contextualizado e interdisciplinar.

 

 

  1. O papel do professor no processo de alfabetização e letramento

 

O professor é figura central no processo de ensino-aprendizagem. Freire (1996) afirma que ensinar exige pesquisa, ética, respeito à autonomia e alegria. O docente dos anos iniciais precisa compreender a complexidade do processo de alfabetização e letramento, reconhecendo que cada aluno possui ritmos e trajetórias próprias.

Segundo Solé (1998), a leitura é uma atividade de construção de significados, e o professor deve atuar como mediador, ajudando o aluno a desenvolver estratégias de compreensão. A prática docente, portanto, deve estimular o questionamento, a inferência, a antecipação e a reflexão sobre o texto.

Magda Soares (2016) ressalta que o professor alfabetizador deve compreender o funcionamento do sistema de escrita, mas também o contexto social em que a língua se manifesta. A formação docente deve, portanto, articular conhecimentos linguísticos, psicológicos, pedagógicos e culturais.

Saviani (2008) argumenta que a formação do professor deve basear-se em uma concepção crítica da educação, que o prepare para compreender os determinantes sociais da escola e atuar de modo transformador. O ensino da Língua Portuguesa, sob essa ótica, é também um ato político, comprometido com a emancipação humana.

Lorenzato (2006), ao tratar do ensino, afirma que o professor deve provocar o pensamento e a curiosidade, não se limitando à transmissão de conteúdo. Essa ideia também se aplica à área de linguagem: o educador precisa criar situações de aprendizagem que despertem o prazer de ler e escrever, integrando a língua à vida dos alunos.

 

 

  1. Metodologias e práticas pedagógicas no ensino da língua

 

As práticas de ensino da Língua Portuguesa devem priorizar o texto como unidade de ensino e aprendizagem. Antunes (2003) destaca que trabalhar com textos reais e significativos permite que o aluno compreenda o funcionamento da língua em contextos comunicativos. Isso inclui o uso de gêneros diversos — narrativas, poemas, bilhetes, reportagens, propagandas — que ampliam o repertório linguístico e cultural.

Para Solé (1998), a leitura precisa ser ensinada como prática ativa, em que o aluno faz previsões, busca informações, interpreta e reconstrói sentidos. Assim, as atividades de leitura devem ser diversificadas, incluindo leitura compartilhada, silenciosa, em voz alta, dramatizada e com diferentes propósitos.

Na escrita, o trabalho deve envolver a produção de textos autênticos, com interlocutores reais ou simulados, respeitando as etapas de planejamento, escrita, revisão e reescrita. Geraldi (1997) afirma que “aprende-se a escrever escrevendo”, o que reforça a necessidade de criar situações em que os alunos escrevam para comunicar algo de forma significativa.

Além disso, a reflexão sobre a língua — gramática e ortografia — deve ser feita de modo contextualizado, a partir dos textos produzidos e lidos. Isso contribui para a compreensão das regularidades e variações da língua, evitando o ensino mecânico e descontextualizado das regras gramaticais.

O uso das tecnologias digitais também pode enriquecer o ensino da língua. Plataformas de leitura interativa, produção de textos colaborativos e jogos educativos podem ampliar as formas de expressão e de construção do conhecimento linguístico.

 

 

  1. Desafios e perspectivas para o ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais

 

O ensino da Língua Portuguesa enfrenta desafios relacionados à formação docente, às condições de trabalho e às desigualdades sociais e culturais. Muitos professores ainda reproduzem práticas tradicionais, centradas na repetição e na avaliação classificatória, o que limita o desenvolvimento das competências linguísticas dos alunos.

Freire (1987) critica o modelo “bancário” de educação, no qual o aluno é visto como recipiente de informações. No ensino da língua, isso se manifesta na ênfase em regras e na correção de erros, em detrimento da construção de sentido. É necessário adotar uma pedagogia da escuta e do diálogo, que valorize as experiências linguísticas e culturais dos estudantes.

Magda Soares (2016) destaca a importância de políticas públicas que garantam a formação continuada dos professores e o acesso a materiais de qualidade. O ensino da língua requer constante atualização, especialmente diante das transformações tecnológicas e dos novos letramentos.

Dessa forma, as perspectivas para o ensino da Língua Portuguesa apontam para a necessidade de uma abordagem interdisciplinar, crítica e humanizadora, que reconheça o aluno como sujeito histórico, produtor de sentidos e participante ativo da cultura escrita.

 

 

Conclusão

 

O ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais é um dos pilares da formação escolar. Por meio da alfabetização e do letramento, as crianças desenvolvem não apenas habilidades linguísticas, mas também cognitivas, sociais e culturais. Ensinar a língua é ensinar a pensar, compreender, comunicar-se e interagir com o mundo.

Com base nos estudos de Freire, Soares, Bakhtin, Antunes e outros, compreende-se que o ensino da língua deve ser pautado em uma concepção dialógica e significativa, que articule alfabetização e letramento como processos inseparáveis. A leitura e a escrita, entendidas como práticas sociais, devem estar presentes em todas as atividades escolares, permeando o currículo e promovendo a formação de leitores e escritores críticos.

Conclui-se que o ensino da Língua Portuguesa exige do professor sensibilidade, reflexão e compromisso com a aprendizagem dos alunos. Cabe à escola promover espaços de leitura, escrita e oralidade que respeitem a diversidade linguística e cultural, favorecendo o desenvolvimento pleno das capacidades comunicativas.

Assim, alfabetizar letrando é contribuir para a emancipação do sujeito e para a construção de uma sociedade mais justa, participativa e democrática.

 

 

Referências Bibliográficas

 

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de língua sem pedantismo. São Paulo: Parábola, 2003.

 

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2017.

 

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

 

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.

 

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.

 

SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

 

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2016.

 

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.