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O papel da educação infantil no desenvolvimento da personalidade da criança

Camila Francatto de Castro[1]

 

DOI: 10.5281/zenodo.17155808

 

 

RESUMO

Este artigo constitui-se como um estudo de caráter teórico-bibliográfico, cujo objetivo é discutir a relação entre a prática pedagógica desenvolvida na educação infantil e a formação da personalidade da criança. Fundamenta-se nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, ressaltando a relevância do ambiente social e cultural no processo de aprendizagem e desenvolvimento, e defendendo que a educação, para ser eficaz, deve assumir caráter contextualizado e interativo. Nesse sentido, busca-se refletir sobre princípios que favorecem a criação de um ambiente educativo que, além de preparar as crianças para os desafios futuros, contribua para que se tornem indivíduos íntegros, críticos, colaborativos e capazes de se adaptar a diferentes situações. Parte-se do entendimento de que a consolidação de práticas pedagógicas, ao mediar as relações entre as crianças e a cultura, não apenas promove o desenvolvimento integral, mas também colabora para a formação de cidadãos mais conscientes, respeitosos e engajados com a diversidade cultural.

 

Palavras-chave: Educação Infantil. Personalidade da criança. Desenvolvimento.

 

 

ABSTRACT

This article is a theoretical and bibliographic study that aims to discuss the relationship between pedagogical practices developed in early childhood education and the formation of children’s personality. It is based on the assumptions of Historical-Cultural Theory, emphasizing the relevance of the social and cultural environment in the learning and development process, and arguing that education, in order to be effective, must be contextualized and interactive. In this sense, it seeks to reflect on principles that foster the creation of an educational environment that, in addition to preparing children for future challenges, also contributes to their becoming whole individuals, critical thinkers, collaborative, and capable of adapting to different situations. It is understood that the consolidation of pedagogical practices, by mediating the relationships between children and culture, not only promotes integral development but also supports the formation of citizens who are more conscious, respectful, and engaged with cultural diversity.

 

Keywords: Early Childhood Education. Child personality. Development

 

 

INTRODUÇÃO

 

Para compreender a importância da educação no processo de desenvolvimento da personalidade, inicia-se pela discussão do que significa, para a Teoria Histórico-Cultural, teoria desenvolvida por Vygotsky, refere-se a uma abordagem psicológica e pedagógica que enfatiza a importância das influências sociais e culturais no desenvolvimento humano.

Para essa teoria, o conceito de desenvolvimento não é apenas biológico ou individual, mas é profundamente moldado pelo contexto histórico e social em que o desenvolvimento não é visto como um processo linear ou exclusivamente individual, mas como uma preocupação profundamente marcada pela história, pela sociedade e pela cultura.

O Papel do Professor na Formação da Personalidade Infantil dentro da perspectiva histórico-cultural*, o desenvolvimento da criança é um processo dinâmico e relacional, mediado por outros e pela cultura.

Reconhece-se, entretanto, que, devido à complexidade do tema, não é possível esgotá-lo em um único artigo. Dessa forma, busca-se apresentar alguns princípios considerados essenciais para a compreensão do desenvolvimento da personalidade das crianças pequenas, tomando como referência os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural.

Compreende-se que ao focar na importância da interação social e do contexto cultural para o desenvolvimento cognitivo, abre caminho para práticas pedagógicas mais colaborativas e centradas no aluno.

De acordo com Davídov (1988) esse trabalho pode se expandir para outras metodologias de ensino, como a aprendizagem cooperativa, a educação inclusiva e o uso de tecnologias no ensino, mesmo que muitas vezes os educadores não percebam, suas práticas pedagógicas, suas interações e a forma como organizar o ambiente escolar têm um efeito direto no desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos alunos.

A compreensão desses processos pode transformar a atuação docente, tornando-a mais desenvolvida e sensível às necessidades das crianças, uma discussão sobre o desenvolvimento da personalidade e a influência do processo educativo é fundamental na formação de professores e professoras, especialmente para aqueles que trabalham em creches e pré-escolas. Nesta fase inicial da vida, as crianças estão em um período de grandes transformações cognitivas, emocionais e sociais, o que torna o papel do educador ainda mais relevante.

Na educação infantil não se deve apenas limitar-se ao ensino de conteúdos acadêmicos, mas trabalhar a formação do caráter, a construção da autoestima, a socialização e o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais. As interações que a criança tem com os educadores e com os colegas desempenham um papel fundamental nesse processo, influenciando diretamente a maneira como ela se vê e se relaciona com o mundo ao seu redor.

Fundamentando-se em Carvalho, 2011 entende-se ser fundamental, o aprofundamento das leituras, dos estudos e debates protagonizados pelos professores e professoras, esses profissionais estão envolvidos diretamente na criação de práticas pedagógicas que atendem às necessidades e características das crianças, considerando suas dimensões cognitivas, emocionais, o que lhes permite contribuir para a ampliação e a qualificação positiva da forma como meninos e meninas se relacionam com o mundo ao seu redor e com as pessoas, construindo, nesse processo, uma compreensão progressiva de si mesmos.

Para Vigotski (1931), os “chamados” planos de desenvolvimento, tanto o natural quanto o cultural, coincidem e se entrelaçam um ao outro, esses dois planos não são processos isolados, mas se influenciam mutuamente. Por exemplo, uma criança pode ter um desenvolvimento biológico que lhe permita aprender rapidamente, mas esse desenvolvimento será moldado, orientado e expandido por experiências culturais e sociais. As transformações que ocorrem em ambos os planos se inter-relacionam e configuram, na verdade, um processo único de formação biológico-social da personalidade infantil.

Percebe-se, portanto, que à medida em que o desenvolvimento orgânico acontece em um meio cultural, este passa a considerado um processo biológico condicionado historicamente, destacando que o desenvolvimento da criança não é apenas um reflexo de suas características biológicas inatas, mas também de um contexto cultural e histórico no qual ela está inserida. Em outras palavras, o ambiente cultural, com suas normas, valores, práticas e interações sociais, influencia diretamente o desenvolvimento biológico e cognitivo da criança (VIGOTSKI,1931).

Sendo assim, o desenvolvimento cultural adquire um caráter muito peculiar que não pode comparar-se com nenhum outro tipo de desenvolvimento, ou seja, enquanto uma criança cresce e se desenvolve biologicamente, ela também passa por um processo contínuo de aprendizagem e socialização que é condicionado, a criança não se desenvolve apenas de acordo com seu genoma ou suas capacidades biológicas inatas, mas também com base nas interações que ela tem com seu ambiente social e cultural.

Quando se aplica ao desenvolvimento cultural a capacidade de interferir na formação das "capacidades específicas humanas", está-se falando da ideia de que o ambiente social e cultural tem um impacto profundo e transformador nas habilidades, aptidões e cognitivas, emocionais, que Vigotski (1931) denomina funções psíquicas superiores, referindo às capacidades cognitivas e psicológicas que são exclusivas dos seres humanos, como a memória, a atenção, o pensamento abstrato, a linguagem, a percepção complexa, e a resolução de problemas têm implicações diretas no modo de vislumbrar o trabalho pedagógico.

De acordo com Carvalho (2011) e Duarte (1993), entende-se que, como professores e professoras, proporcionando diferentes ambientes, como áreas de leitura, atividades manuais, espaços para brincadeiras simbólicas, ambientes ao ar livre, entre outros. Cada um desses espaços permite que a criança explore diferentes dimensões do conhecimento e da experiência cultural.

À medida que a atividade se torna mais complexa, desenvolvem-se as capacidades intelectuais e a personalidade, visto que ambas se constituem na e pela própria atividade. (BISSOLI, 2005).

Este conceito de atividade possibilita perceber que cognição e afetividade são indissociáveis no processo de desenvolvimento da personalidade, que, para Leontiev (2010, refere-se ao processo de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, sugerindo que uma pessoa, ao se tornar consciente das razões que orientam suas ações, pode gradualmente aprimorar suas habilidades e essa tomada de consciência é essencial para o crescimento, permitindo que o indivíduo compreenda seus próprios comportamentos e motivações.

De acordo com Leontiev (2010) uma pessoa pode desenvolver seu potencial de maneira completa para se tornar mais consciente de seus próprios comportamentos, ações e dos motivos que os guiam. Esse processo de conscientização é gradual e contínuo, e permite uma maior compreensão de si mesma, favorecendo o aprimoramento pessoal e a tomada de decisões mais conscientes.

Ao permitir que a criança participe das decisões sobre como expressar o que aprendeu em uma experiência, como uma visita ao zoológico, o adulto promove não apenas a construção de conhecimento, mas também a autonomia e o desenvolvimento emocional da criança. Quando uma criança tem a liberdade de escolher a forma como deseja representar o aprendizado (seja por meio de um painel, dramatização ou ficha), ela se torna mais envolvida, o que torna a experiência mais significativa. O envolvimento emocional nesse processo ajuda a consolidar o que foi aprendido e a promover o desenvolvimento de diversas capacidades (LEONTIEV, 2010).

Sendo assim, a memória, a atenção, a linguagem — seja oral, escrita ou plástica — e o autocontrole constituem algumas das funções psíquicas superiores que se fortalecem, exercendo influência direta sobre o desenvolvimento da personalidade.

Cada uma dessas funções contribui de maneira específica para o crescimento e a maturação das crianças, e sua interação influencia diretamente na construção do caráter, das habilidades sociais, cognitivas e emocionais.

Baseando-se nos estudos de Vigotski, Duarte (2013), destaca que a personalidade dos indivíduos está condicionado pelo desenvolvimento já alcançado pela sociedade da qual ele faz parte, uma vez que o psiquismo humano é histórico e social, alinhada com teorias psicológicas e sociológicas que enfatizam a interdependência entre o ser humano e o ambiente em que ele vive.

A apropriação ativa da cultura pelo sujeito, mediada pelo processo educativo, não só amplia seu capital cultural, como também transforma sua consciência, possibilitando uma evolução qualitativa na maneira como ele compreende a sociedade e a si mesmo. Esse processo, que começa no ambiente escolar, tem impactos profundos no desenvolvimento das capacidades psíquicas e na formação da personalidade (DUARTE, 2013).

O papel fundamental da educação intencional e sistematizada no desenvolvimento da criança, especialmente dentro da escola, vale destacar a mediação pedagógica feita pelos educadores, aliada a um aprimoramento teórico contínuo, respeitando a formação integral da criança, suas singularidades e promovendo o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, emocionais e sociais.

 

 

Aspectos do desenvolvimento da personalidade na infância

 

Desde o nascimento, o bebê depende inteiramente dos adultos para suas necessidades básicas, como alimentação, conforto e segurança. Esse momento de interação intensa é fundamental para o estabelecimento de relações sociais que influenciam o desenvolvimento emocional e psicológico da criança. O carinho, a atenção e a fala constante com a criança desempenham um papel crucial no seu desenvolvimento emocional, cognitivo e social. Esses estímulos são essenciais para criar uma base segura e saudável para a criança explorar o mundo ao seu redor. (BOZHOVICH, 1981).

De acordo com Bozhovich, 1981, é importante lembrar que, no bebê, os aparatos visuais e auditivos não estão ainda completamente desenvolvidos, é essencial que o ambiente ao redor do bebê seja enriquecido, proporcionando-lhe experiências variadas e consistentes, para que o desenvolvimento sensorial e, consequentemente, o desenvolvimento global da criança, aconteçam de forma saudável.

Por isso, quanto mais ricas forem as vivências da criança com o adulto, cada interação entre o adulto e o bebê — seja por meio da fala, do toque, da expressão facial ou dos estímulos visuais e auditivos — fornece ao bebê informações essenciais para o seu desenvolvimento neurológico e afetivo.

De acordo com Elkopnin (1987), no primeiro período do desenvolvimento psíquico, a comunicação emocional é fundamental. Essa interação com as pessoas ao redor não apenas ajuda o bebê a se conectar emocionalmente, mas também é crucial para o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e práticas, além de moldar sua personalidade. É um momento mágico em que as relações e as emoções desempenham um papel central no crescimento da criança.

Fundamentando-se em Elkopnin (1987), nos primeiros meses de vida, embora o bebê não consiga se expressar por meio da fala convencional, ele se comunica de outras maneiras. Isso pode incluir expressões faciais, choros, gestos e até mesmo o contato visual. Essas formas de comunicação são essenciais para que o bebê estabeleça vínculos com as pessoas ao seu redor e comece a entender o mundo. Essa interação é fundamental para o seu desenvolvimento emocional e social.

Os comportamentos do bebê são profundamente influenciados por suas experiências emocionais, essas emoções não apenas motivam o bebê a buscar novas experiências, mas também são essenciais para o seu desenvolvimento emocional e social. Essa troca afetiva é fundamental para que o bebê construa vínculos e compreenda melhor o mundo ao seu redor (ELKOPNIN, 1987).

Fundamentando-se em Elkopnin (1987), o fato de conversar, mostrar objetos e pessoas, bem como proporcionar toques carinhosos não apenas enriquecem as experiências sensoriais do bebê, mas também ajudam a construir uma base sólida para a percepção e compreensão do mundo ao seu redor. Essas experiências são essenciais para que o bebê comece a fazer suas primeiras generalizações sensoriais, que são importantes para o aprendizado e a formação de conexões cognitivas. Esse tipo de comunicação afetuosa é um pilar no desenvolvimento emocional e intelectual da criança.

Segundo Bozhovich, 1987, à medida que a memória da criança se desenvolve, ela começa a mostrar preferências mais específicas e a agir de maneira mais intencional, Em vez de se contentar com qualquer objeto, ela busca aquele que realmente a atrai e que tem um significado para ela. Isso é um sinal claro de que sua personalidade está começando a se formar, refletindo suas experiências e emoções. Essa capacidade de lembrar e escolher objetos com base em suas preferências é um passo importante no desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.

Fundamentando-se em Bozhovich (1987), têm-se então as representações motivadoras,      essas representações       mentais são também essenciais para a linguagem e o pensamento simbólico, permitindo que a criança desenvolva uma compreensão mais complexa da realidade e possa utilizar a linguagem de maneira mais sofisticada à medida que cresce. Assim, quanto mais o professor conversar com os bebês sobre os objetos que manipula e reconhece – que devem ser variados e atrativos –, mais estará contribuindo para incrementar o seu pensamento. Quando se diz que a percepção da criança se torna "semântica", isso significa que ela começa a atribuir significados mais profundos e compreensíveis aos estímulos e ações ao seu redor, passa a perceber não apenas o que está acontecendo, mas também o porquê e como aquilo se relaciona com ela mesma e com o mundo. Isso indica que a percepção deixa de ser meramente sensorial (baseada nos sentidos imediatos) e se torna mais abstrata e simbólica, o que é um

passo importante para a construção do pensamento mais avançado.

No início do desenvolvimento infantil, o adulto tem um papel muito ativo e central na motivação e orientação do comportamento da criança, especialmente nos primeiros anos, quando a criança depende do adulto para a exploração e compreensão do mundo.

Entretanto, à medida que a criança começa a perceber-se como sujeito das próprias ações e a formar representações mais complexas do mundo ao seu redor, o papel do adulto começa a mudar. O adulto não deixa de ser um motivador, mas sua posição se transforma. Ele passa a ser mais um companheiro nas ações empreendidas pela criança, especialmente nas interações com objetos sociais (como outros indivíduos, brinquedos ou atividades de aprendizado).

Se, à primeira vista, a atividade realizada parece ser apenas um faz-de-conta, na realidade a criança não cria uma situação fictícia — pressuposto fundamental do jogo de papéis —, pois ainda não possui a capacidade de representar simbolicamente um papel, embora a criança esteja em uma fase de exploração e representação, ela ainda não tem a habilidade completa de fazer uso de símbolos de maneira flexível e abstrata, como será possível em estágios posteriores do desenvolvimento.

Quando a criança nina a boneca, ela está imitando um comportamento que observou nos adultos, mas a boneca ainda é vista como uma boneca, e não como um "filho" ou "filha" dentro de uma situação imaginária. A criança pode fazer os movimentos de "ninar" de forma mecânica e externa, sem realmente se colocar no lugar de quem está cuidando ou criando uma relação simbólica com o objeto. Isso reflete a ideia de que a criança ainda não internalizou completamente o conceito de que a boneca pode representar uma outra figura ou papel. Ela imita a ação, mas sem realmente adotar o papel ou a perspectiva do adulto.

Ainda antes dos três anos consolida-se uma primeira forma de autoconsciência na criança: a afetiva, essa fase representa um marco na formação da identidade e da autonomia emocional da criança. A criança começa a desenvolver a capacidade de expressar suas próprias necessidades e sentimentos, o que é um pré-requisito para o desenvolvimento de uma personalidade independente.

Essa transformação da personalidade está ligada ao amadurecimento do sistema emocional e cognitivo, que vai permitir à criança entender que ela é um ser único, com suas próprias emoções, preferências e intenções, embora ainda não tenha uma concepção totalmente desenvolvida de si mesma como pessoa.

A ideia central, segundo Vygotski (1934/2001, é que à medida que a criança interage fisicamente com o mundo ao seu redor, ela começa a desenvolver uma capacidade cognitiva essencial, que é a linguagem. A manipulação de objetos não só auxilia na exploração e aprendizado sobre o mundo físico, mas também se conecta com o processo de aquisição de palavras. Nesse momento, a criança começa a perceber que, além de manipular fisicamente os objetos, ela pode nomeá-los e comunicar suas descobertas.

A criança começa a pensar não apenas sobre o que está diretamente à sua volta, mas também sobre conceitos mais amplos e ideias abstratas, facilitadas pela linguagem (VYGOTSKI, 1934/2001).

Com a linguagem, a criança passa a ser capaz de pensar além do imediato, ou seja, ela já não precisa mais estar em contato direto com um objeto ou situação para refletir sobre ele. Por exemplo, uma criança pode aprender o conceito de "cachorro" e depois ser capaz de generalizar essa palavra para todos os cachorros, mesmo aqueles que ela nunca tenha visto antes. Isso ocorre porque ela já internalizou a ideia de que a palavra "cachorro" se refere a uma categoria de animais com determinadas características, e não a um único exemplar específico.

Assim, Vygotski (1931/2013a), frequentemente associado a essas ideias, enfatizou que a linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas também uma ferramenta essencial para o pensamento. Quando a linguagem e o pensamento se unem, formam um único processo cognitivo, no qual as palavras não apenas nomeiam as coisas ou situações, mas também organizam e estruturam o modo como percebemos o mundo. Em outras palavras, as palavras se tornam significados que ajudam a construir nossa visão do mundo e da realidade.

Isso tem implicações profundas para a formação da personalidade. À medida que a criança começa a usar a linguagem para expressar seus pensamentos e para compreender o que acontece ao seu redor, ela também está construindo sua identidade.

Por volta dos três anos de idade inicia-se um novo momento no desenvolvimento da personalidade infantil, esse é um período em que a criança passa a vivenciar uma nova fase de desenvolvimento da sua personalidade, marcada pelo início de um momento de jogos e atividades lúdicas. Essa etapa vai até cerca dos seis anos, e nela, a criança começa a explorar uma nova forma de interação com o mundo e com os outros, o que contribui significativamente para a formação de sua identidade e de suas habilidades sociais e cognitivas (BISSOLI, 2005).

A atividade lúdica, mencionada anteriormente, desempenha um papel fundamental nesse processo, pois as brincadeiras e jogos de faz-de-conta oferecem à criança a oportunidade de explorar papeis, testar comportamentos e experimentar diferentes aspectos de sua própria identidade, ou, nas palavras de Bozhovich (1987, p. 261), do “sistema eu”.

Assim, a autonomia que a criança desenvolve entre os três e seis anos — como sujeito ativo, com suas próprias vontades e identidade — é um reflexo das experiências que ela acumulou ao longo de seu desenvolvimento. Primeiramente, ao mencionar a fala, o andar, a memória, as percepções em geral e a percepção de si mesma, o texto aponta para os marcos cognitivos e motores que são fundamentais para o crescimento da criança. Cada uma dessas habilidades contribui para a construção de sua autonomia e identidade de forma complementar.

De acordo com Leontiev (2010), a capacidade de compreender os fatos e a si mesma de maneira inteiramente nova significa que a criança não apenas entende o mundo de maneira mais abstrata e complexa, mas também começa a ver-se como um agente ativo dentro desse mundo. Ela começa a perceber que suas ações têm consequências, e que ela pode influenciar o que acontece ao seu redor. Esse é um momento crucial no desenvolvimento da sua identidade e autonomia.

Vale ressaltar a importância fundamental do adulto no processo de enriquecimento das experiências infantis, especialmente no que diz respeito à ampliação do potencial de desenvolvimento da criança. A interação do adulto com a criança, tanto no contexto cotidiano quanto em atividades mais estruturadas, desempenha um papel essencial na expansão das experiências da criança e no estímulo à sua autonomia, criatividade e pensamento simbólico.

Segundo Zaporóshetz (1987), isso decorre da necessidade de que a criança esteja envolvida em atividades, quando o adulto oferece à criança experiências diversificadas e estimulantes, a criança tem a oportunidade de expandir seus horizontes cognitivos, emocionais e sociais. Essas experiências são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades mentais mais complexas, como o pensamento abstrato, a memória, a atenção, a linguagem e a capacidade de resolução de problemas.

Ainda para Zaporóshetz (1987), o papel do professor no desenvolvimento da personalidade infantil, destacando a sua função não apenas como transmissor de conhecimento, mas também como alguém que cria condições para que a criança possa expandir suas necessidades de conhecer e se expressar. O trabalho do professor vai além de simplesmente ensinar conteúdos; ele envolve o planejamento de experiências e situações que permitam à criança explorar, interagir e refletir, o que é fundamental para o crescimento de sua identidade, autonomia e pensamento crítico.

Os jogos e atividades lúdicas preparam o terreno para um novo estágio no desenvolvimento da personalidade da criança: o momento da escolarização. Durante as brincadeiras e interações sociais, a criança começa a imitar os papeis sociais dos adultos, o que é uma forma importante de aprender sobre o mundo e entender seu lugar nele. Ao mesmo tempo, esse processo de imitação também abre caminho para o reconhecimento de que ela ainda não domina todos os conhecimentos que os adultos possuem, o que gera curiosidade e desejo de aprender.

O papel dos professores no processo de desenvolvimento infantil é, sem dúvida, imprescindível e desempenha uma função social fundamental e inalienável. Eles são mais do que apenas mediadores de conteúdo acadêmico; são facilitadores do crescimento cognitivo, emocional, social e até mesmo ético das crianças. Ao longo de sua jornada escolar, as crianças interagem com os professores de maneiras que moldam seu pensamento, comportamento e até identidade.

 

 

Considerações finais

 

A educação é essencial para o desenvolvimento integral da criança, não apenas no aspecto intelectual, mas também emocional, social e cultural. Educar é, de fato, um processo de humanização, pois vai além da transmissão de conhecimentos. Ela ajuda a formar cidadãos conscientes, críticos e responsáveis, capazes de compreender o mundo ao seu redor e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, depositando em cada homem toda a obra humana que o antecede, tornando-o efetivamente humano.

A atividade educativa é um processo compartilhado entre vários agentes e espaços, e não está restrita apenas ao ambiente escolar. A família e a sociedade têm um papel fundamental nesse processo, ajudando a formar a base para o desenvolvimento.

Ao promover a aprendizagem dos conteúdos da cultura construída ao longo da História, a escola permite que os alunos se conectem com as diversas contribuições e legados das gerações passadas. Isso fornece uma base sólida para a compreensão do mundo e para a construção de uma identidade cultural. O aprendizado desses conteúdos não se dá de forma isolada, mas é contextualizado dentro de uma visão crítica e reflexiva sobre a sociedade

Para isso, uma prática pedagógica eficaz deve ser fundamentada não apenas no conhecimento dos conteúdos curriculares, mas também em uma compreensão profunda do desenvolvimento humano, o que possibilita uma atuação mais empática, contextualizada e centrada no aluno. Cabe ao professor compreender que não é apenas um transmissor de conteúdos, mas um facilitador desse processo de apropriação cultural, a tarefa da escola, portanto, é ser um espaço que propicie esse tipo de experiência enriquecedora, criando pontes.

Esses momentos de aprendizagem efetiva e ativa constituem a base para que a criança se sinta motivada e engajada em dar continuidade ao processo de aprender. Quando a criança vivencia experiências significativas, desperta nela o desejo de explorar, descobrir e compreender o mundo que a cerca, criando condições para o fortalecimento de sua curiosidade e autonomia intelectual. Nesse sentido, a pré-escola e a creche assumem um papel fundamental, pois não se limitam a ser espaços de cuidado, mas também de socialização, de construção de vínculos e de acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Nesses ambientes, as crianças estabelecem relações não apenas entre si, mas também com as objetivações genéricas — como a arte, as ciências, a moral, a política e a filosofia —, ainda que de forma mediada e adaptada às características da pequena infância. Dessa forma, respeitando-se as especificidades que marcam a aprendizagem e o desenvolvimento nesse período da vida, a educação infantil torna-se um campo privilegiado para a formação integral da criança, proporcionando experiências que a ajudam a construir uma base sólida para etapas futuras de escolarização e para a vida em sociedade.

O papel do professor, fundamental nesse processo, é o artifício da construção de uma nova humanidade. Isso reflete a magnitude do seu trabalho, como formador de cidadãos, intencionalidade e reflexão pedagógica.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Bissoli, M. F. (2005). Educação e desenvolvimento da personalidade da criança: contribuições da Teoria Histórico-Cultural. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP.

 

Bozhovich, L. I. (1981). La personalidad y su formación en la edad infantil: investigaciones psicológicas. La Habana, Cuba: Pueblo y Educación.

 

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Carvalho, R. N. S. (2011). A construção do currículo da e na creche: um olhar sobre o cotidiano. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas, Manaus.

Davídov, V. (1988). La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Moscou: Editorial Progresso.

 

Duarte, N. (1993). A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-social da formação do indivíduo. Campinas, SP: Autores Associados.

 

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Leontiev, A. (2010). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: L. S. Vigotskii, A. R. Luria, & A. N. Leontiev. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem (12a. ed.) (pp. 59-83). São Paulo: Ícone.

 

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           (2007). A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, 8 (abr.), 23-36.

 

           (2010). Quarta aula: o problema do meio na pedologia. Psicologia USP, 21(4), 681-701. (Original publicado em 1935).

 

          (2001). Obras Escogidas II. Madrid: Visor. (Original publicado em 1934).

 

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          (2013b). Obras Escogidas IV. Madrid: Visor. (Original publicado em 1932).

 

Zaporóshetz, A. (1987). Importancia de los períodos iniciales de la vida em la formación de la personalidad infantil. In V. Davídov, & M. Shuare. (Orgs.), La Psicologia Evolutiva y Pedagógica em la URSS (pp. 228-248). Moscou: Editorial Progresso.

 

[1] Prof. Educação Básica I - Prefeitura Municipal de Araras O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.