Inclusão de alunos com deficiência física nas aulas de Educação Física: reflexões sobre a formação continuada de docentes das escolas públicas
Joicilene da Silva Ribeiro[1]
Naiane Rocha Fernando[2]
Kézia dos Santos[3]
RESUMO
A inclusão escolar constitui um dos principais pilares da educação contemporânea e representa um compromisso ético, político e pedagógico com a equidade e a justiça social. No entanto, no contexto das aulas de Educação Física, ainda persistem práticas excludentes que dificultam a efetivação desse princípio. Este artigo tem como objetivo discutir, sob uma perspectiva teórica e reflexiva, a importância da formação continuada de professores da Educação Básica para a inclusão de alunos com deficiência física nas aulas de Educação Física. A análise parte da compreensão de que a formação docente é elemento estruturante para a transformação de práticas, pois possibilita a reconstrução de concepções e atitudes que influenciam diretamente o processo de ensino-aprendizagem. Fundamenta-se em estudos de autores como Imbernón (2016), Aranha (2014), Freitas e Mazzotta (2018) e Mendes (2010), além de legislações e políticas educacionais brasileiras. Os resultados teóricos indicam que a efetiva inclusão depende de um movimento contínuo de reflexão crítica, planejamento e sensibilização docente, em que a diversidade é reconhecida como fonte de aprendizagem e enriquecimento humano. Conclui-se que a formação continuada constitui um espaço privilegiado de diálogo entre teoria e prática, indispensável para o fortalecimento de uma Educação Física escolar que promova o respeito às diferenças e o direito de todos à participação.
Palavras-chave: Educação inclusiva. Deficiência física. Educação Física escolar.
INTRODUÇÃO
A inclusão escolar é uma das expressões mais significativas da luta pela democratização da educação e pela garantia dos direitos humanos. Ela se fundamenta na ideia de que a escola deve acolher e educar a todos, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais ou culturais. No Brasil, esse movimento ganhou força a partir da Constituição Federal de 1988 e consolidou-se por meio de leis e políticas públicas voltadas à educação inclusiva.
Apesar disso, a prática escolar ainda revela contradições entre o discurso da inclusão e a realidade cotidiana das salas de aula. Essa distância torna-se especialmente visível nas aulas de Educação Física, onde alunos com deficiência física, muitas vezes, são privados de participar das atividades, sendo dispensados sob justificativas de falta de estrutura, preparo docente ou segurança.
A Educação Física, entretanto, é um componente curricular que possui uma função social ímpar: propicia o desenvolvimento global do aluno e contribui para a formação da identidade, da autonomia e do senso de pertencimento. Negar a participação de um estudante por causa de sua deficiência física é privá-lo de experiências formativas essenciais, que extrapolam o movimento corporal e alcançam dimensões afetivas, cognitivas e sociais.
Dessa forma, a formação continuada dos professores surge como ferramenta decisiva para o enfrentamento das barreiras à inclusão. É por meio dela que o docente pode repensar suas práticas, desconstruir preconceitos e adquirir instrumentos teórico-metodológicos para criar ambientes de aprendizagem mais justos e acessíveis. Assim, refletir sobre a inclusão na Educação Física é também refletir sobre o papel formativo do professor e sobre a responsabilidade social da escola em garantir a equidade.
Este artigo, portanto, propõe uma análise teórica e reflexiva sobre o papel da formação continuada na promoção da inclusão de alunos com deficiência física nas aulas de Educação Física da rede pública de ensino. O estudo pretende contribuir para o debate acerca da construção de uma prática docente pautada na valorização da diversidade, no respeito às diferenças e na ampliação das oportunidades educativas.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A trajetória da educação inclusiva no Brasil reflete um processo de conquistas graduais, mas também de permanentes desafios. A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/1996) garantem o direito à educação para todos, instituindo a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) reforça esse compromisso ao propor a inclusão dos alunos com deficiência nas classes regulares, com apoio e recursos adequados.
Contudo, como destacam Mendes (2010) e Aranha (2014), a presença física do aluno com deficiência na escola não assegura sua real inclusão. Quando as condições pedagógicas e atitudinais não favorecem a participação plena, a inclusão se transforma em mera formalidade. Nas aulas de Educação Física, essa contradição se manifesta na prática recorrente de dispensar alunos com deficiência física, sob o argumento de proteção, falta de preparo ou inexistência de materiais adaptados.
Freitas e Mazzotta (2018) salientam que a Educação Física não é apenas um espaço de atividade motora, mas de convivência e construção de sentidos sobre o corpo e a diversidade humana. Ao ser privado desse espaço, o aluno perde a oportunidade de desenvolver competências socioemocionais, fortalecer sua autoestima e vivenciar a corporeidade como forma de expressão e integração.
A literatura aponta que a resistência à inclusão decorre, em grande parte, da ausência de formação específica para lidar com a diversidade. Imbernón (2016) defende que a formação continuada deve ser contínua, contextualizada e voltada para a prática reflexiva, possibilitando ao professor compreender o aluno como sujeito singular e ativo no processo educativo. Essa formação, quando efetiva, amplia a sensibilidade pedagógica e transforma o olhar docente sobre o corpo com deficiência, deslocando-o da ideia de limitação para a de potencialidade.
A construção de uma Educação Física inclusiva requer, portanto, uma mudança paradigmática: não se trata apenas de adaptar atividades, mas de repensar a função social da escola e do currículo. Como afirmam Rodrigues e Bittencourt (2021), o corpo é espaço de cultura, identidade e emancipação, e o reconhecimento dessa pluralidade é o primeiro passo para uma prática pedagógica verdadeiramente inclusiva.
METODOLOGIA
Este artigo se insere no campo das pesquisas teóricas, de abordagem qualitativa e caráter descritivo-reflexivo. A investigação fundamenta-se em revisão bibliográfica e análise crítica de obras e documentos que abordam a temática da inclusão e da formação continuada de professores da Educação Física.
A metodologia adotada busca compreender o fenômeno da inclusão a partir de uma perspectiva dialética, analisando as relações entre políticas públicas, práticas pedagógicas e concepções docentes. A análise de conteúdo (BARDIN, 2016) é utilizada como instrumento teórico para organizar as ideias e categorias emergentes, permitindo uma leitura crítica das contribuições dos principais autores e dos documentos oficiais da educação brasileira.
A opção pela pesquisa teórica justifica-se pela necessidade de aprofundar o debate conceitual e propor reflexões que sirvam de base para futuras intervenções práticas e formações docentes. Assim, o artigo não apenas discute os fundamentos da inclusão, mas também busca apontar caminhos possíveis para a construção de uma Educação Física escolar mais equitativa e participativa.
DISCUSSÃO TEÓRICA E REFLEXIVA
A efetivação da inclusão nas aulas de Educação Física exige uma mudança profunda nas concepções de ensino e de aprendizagem. A lógica tradicional, que privilegia o rendimento físico e a padronização de movimentos, precisa ser substituída por uma pedagogia centrada na diversidade e na valorização das singularidades.
Rodrigues e Bittencourt (2021) defendem que o corpo deve ser compreendido em sua dimensão simbólica e cultural, não apenas biológica. Nesse sentido, a deficiência não é uma limitação, mas uma forma distinta de vivenciar o movimento e interagir com o mundo. Essa concepção amplia o papel da Educação Física, transformando-a em espaço de emancipação e construção de identidades.
A formação continuada é o instrumento que possibilita ao docente revisitar suas práticas e ressignificar suas experiências. Como lembra Imbernón (2016), formar-se continuamente é abrir-se ao diálogo, à autocrítica e ao aprendizado coletivo. As formações, entretanto, precisam ir além do cumprimento burocrático de horas: devem promover trocas reais de saberes, estudo de casos, reflexão sobre dilemas éticos e construção colaborativa de estratégias pedagógicas.
Aranha (2014) destaca que muitas formações oferecidas pelos sistemas de ensino ainda são genéricas, descoladas da realidade dos professores de Educação Física, o que limita seu impacto. Uma formação inclusiva deve nascer das necessidades concretas do cotidiano escolar e valorizar a escuta ativa dos docentes.
Além disso, é fundamental que a gestão escolar e as políticas públicas assumam papel ativo na consolidação de uma cultura inclusiva. A escola precisa oferecer condições materiais, tempo de planejamento e apoio técnico para que o professor possa desenvolver práticas diversificadas e seguras.
A Educação Física inclusiva não se limita à adaptação de regras ou materiais; ela implica a construção de uma nova ética escolar, em que todos os corpos sejam reconhecidos como legítimos e plenos de sentido. Quando o professor compreende que a diferença é parte constitutiva da aprendizagem, a inclusão deixa de ser um desafio e passa a ser uma oportunidade de transformação social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre a inclusão de alunos com deficiência física nas aulas de Educação Física é repensar o papel da escola na construção de uma sociedade mais justa, humana e solidária. A Educação Física, quando orientada por princípios inclusivos, tem o poder de romper barreiras históricas, promover o respeito à diversidade e ressignificar a noção de corpo e movimento.
A análise teórica demonstrou que a formação continuada é um eixo estruturante dessa transformação. É por meio dela que o professor adquire consciência crítica, desenvolve competências para planejar aulas inclusivas e fortalece seu compromisso ético com a equidade.
Entretanto, a formação só terá impacto real se for contínua, colaborativa e vinculada à realidade da escola pública. Mais do que ensinar técnicas de adaptação, ela deve estimular o pensamento reflexivo e a capacidade de agir com sensibilidade diante das diferenças.
Conclui-se que a construção de uma Educação Física inclusiva requer um esforço coletivo: professores, gestores, famílias e comunidade escolar devem atuar de forma articulada para assegurar que todos os alunos, com ou sem deficiência, participem plenamente das atividades e sejam reconhecidos como sujeitos de direito.
Assim, a formação continuada deixa de ser uma exigência institucional e passa a ser um compromisso ético com a transformação social — condição indispensável para que a escola avance do discurso à efetiva prática da inclusão.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Salete Fábio. Educação inclusiva: o desafio de uma nova escola. Campinas: Papirus, 2014.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: MEC, 1996.
BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
FREITAS, S. N.; MAZZOTTA, M. J. S. Educação inclusiva e práticas corporais. São Paulo: Cortez, 2018.
IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
MENDES, Enicéia Gonçalves. A educação inclusiva no Brasil: da retórica à prática. Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 45, p. 55-70, 2010.
RODRIGUES, L.; BITTENCOURT, E. Corpo, inclusão e práticas pedagógicas. Curitiba: CRV, 2021.
[1] Docente Pedagoga em Município de Sinop. Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia – FAI, Graduada em Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa – Centro Universitário ETEP. Especialista em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) -FAVENI, Especialista em Docência no Ensino Superior – FAVENI. Pós-graduanda no Curso Especialização em Atendimento Educacional Especializado com ênfase em educação especial e inclusiva - Centro Universitário ETEP. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
[2] Docente Pedagoga em Município de Sinop. Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia – FAI, Especialista em Gestão e Planejamento da Educação – UFPA Campus Cametá. Pós-Graduanda no Curso de Especialização em Educação Especial e Inclusiva – IFPA Campus Itaituba. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
[3] Docente Pedagoga em Município de Sinop. Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia – Universidade Anhanguera – Uniderp. Pós-graduada no Curso Antropologia e História dos Povos Indígenas Atendimento Educacional - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Pós-graduada no Curso Da Docência no Ensino Superior - Faculdade Play. Pós-graduada no Curso Alfabetização e Letramento na Educação Infantil - Faculdade Play. Pós-graduada no Curso Educação Especial com Ênfase em Transtornos Globais de Desenvolvimento ( TGD ) e Altas Habilidades - Faculdade Play. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

