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A dinâmica da urbanização e seus impactos no desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras

Andréa Bezerra Ferreira

Dayane Ferreira Amaral Côrtes

Flávia Michelle Ferreira Oliveira

Lígia Mara Ormond Pereira

Maria José Nunes Mota

 

DOI: 10.5281/zenodo.17162109

 

 

RESUMO

O processo de urbanização no Brasil, intensificado no século XX pelo êxodo rural e pelo crescimento industrial, resultou em cidades marcadas pela desigualdade social, precariedade habitacional e segregação espacial, refletindo um modelo de desenvolvimento centrado nos interesses privados. O conceito de direito à cidade, proposto por Lefebvre e incorporado pela legislação brasileira, busca ressignificar o espaço urbano como bem coletivo, promovendo habitação, mobilidade e infraestrutura dignas para todos. Contudo, a implementação de políticas urbanas enfrenta desafios como limitações financeiras, resistências políticas e fragmentação institucional. A sustentabilidade urbana, enfatizada por relatórios internacionais, exige planejamento integrado, participação social e políticas inclusivas que promovam resiliência, equidade e função social da propriedade, especialmente diante de crises como a pandemia da COVID-19.

 

Palavras-chave: Urbanização. Função social da propriedade. Sustentabilidade urbana. Planejamento urbano. Participação social.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O fenômeno da urbanização, observado de maneira global e particularmente expressivo no Brasil, emerge como uma das forças motrizes da transformação espacial e social das cidades. O século XX, período marcado pela intensificação do êxodo rural e pela concentração demográfica nos centros urbanos, consolidou uma reorganização do espaço que, embora propiciasse avanços econômicos e tecnológicos, exacerbou desigualdades estruturais e impactos ambientais significativos. Dentro da literatura, autores como Harvey (2014), evidenciam que a urbanização, enquanto processo intrinsecamente vinculado à lógica capitalista, tende a priorizar a reprodução do capital em detrimento da satisfação equitativa das necessidades humanas.

Esse contexto de expansão urbana desordenada no Brasil produziu um cenário marcado por segregação espacial, precarização das condições habitacionais e degradação ecológica. Tais condições suscitam o questionamento acerca dos caminhos possíveis para reverter o ciclo de exclusão e marginalização que historicamente acompanha o crescimento urbano: como promover a integração entre a sustentabilidade ambiental, a inclusão social e a democratização do acesso ao espaço urbano? Essa problemática, profundamente enraizada nas contradições do modelo de desenvolvimento capitalista, demanda uma análise que articule os fundamentos teóricos do direito à cidade, defendido por Lefebvre (2001), com as possibilidades práticas oferecidas por marcos legais como o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001).

O presente trabalho tem como objetivo principal investigar os impactos multifacetados da urbanização sobre as cidades brasileiras, com ênfase na identificação de estratégias que alinhem o desenvolvimento urbano aos princípios da sustentabilidade. De maneira específica, propõe-se a analisar o histórico do processo de urbanização no Brasil, mapear os principais desafios enfrentados pelas cidades no âmbito social, econômico e ambiental, e avaliar a eficácia de instrumentos de planejamento urbano, como os Planos Diretores, na promoção de cidades mais inclusivas e resilientes.

A relevância desta discussão não se limita à compreensão acadêmica da urbanização, mas também se projeta sobre o campo das políticas públicas. Como destaca o Relatório Mundial das Cidades (UN-HABITAT, 2020), o planejamento urbano eficiente é uma ferramenta indispensável para a mitigação de desigualdades e para a potencialização do papel das cidades como promotoras do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, este estudo almeja contribuir com reflexões que dialoguem com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o ODS 11, que visa tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

Dessa forma, a pesquisa se estrutura em torno de uma análise que articula os referenciais teóricos e práticos sobre urbanização, considerando as especificidades do contexto brasileiro e os desafios contemporâneos. Ao adotar uma abordagem metodológica científica, espera-se oferecer subsídios para a discussão de políticas públicas que enfrentem os entraves históricos da urbanização no Brasil, possibilitando uma possível transformação urbana que efetivamente contemple a pluralidade das demandas sociais e ambientais.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

 

HISTÓRICO DA URBANIZAÇÃO NO BRASIL

 

A urbanização brasileira, enquanto processo socioespacial, intensificou-se no século XX, impulsionada por fatores econômicos e demográficos. O êxodo rural e o crescimento industrial configuraram um cenário de rápida expansão das cidades, porém, frequentemente desvinculado de um planejamento urbano efetivo. Como afirma Harvey (2014, p. 27), “as cidades se tornaram os epicentros das contradições do capitalismo, concentrando desigualdades e polarizações sociais”. Esse contexto evidenciou a segregação espacial e a precariedade habitacional como marcas estruturais do processo urbano brasileiro.

A ausência de uma política integrada e democrática de urbanização contribuiu para o agravamento das desigualdades regionais e a formação de metrópoles desequilibradas. Segundo Maricato (2011, p.26), “a crise urbana está no centro do conflito social no Brasil, só não a enxerga aquele que não quer ver”. O modelo de urbanização predominante priorizou interesses do capital privado, relegando as demandas sociais a segundo plano. Essa dinâmica foi intensificada pela especulação imobiliária, que consolidou um espaço urbano excludente. Maricato (2011, p. 176) reforça que “a propriedade da terra continua a ser o nó rural ou urbano brasileiro, e a reforma fundiária representa o coração da agenda da reforma urbana”.

 

 

O DIREITO À CIDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

 

O conceito de direito à cidade, introduzido por Lefebvre (2001), propõe uma ressignificação do espaço urbano como bem coletivo e não como mercadoria. Trata- se de um direito coletivo à produção e ao uso democrático das cidades, garantindo a todos os habitantes condições dignas de habitação, mobilidade e lazer. Lefebvre (2001, p. 46) descreve a cidade como “uma mediação ativa entre a ordem próxima e a ordem distante, capaz de expressar os conflitos e demandas sociais em sua complexidade”.

A legislação brasileira incorporou esses princípios por meio do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001. De acordo com o artigo 2º, a política urbana deve garantir “o direito a cidades sustentáveis, entendidas como o direito à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos” (BRASIL, 2001). O Plano Diretor, instrumento essencial dessa política, estabelece as diretrizes para que a propriedade urbana cumpra sua função social, conforme estipulado no artigo 182 da Constituição Federal.

Entretanto, a implementação prática dessas diretrizes enfrenta obstáculos significativos. Harvey (2014, p. 143) observa que “a luta pelo direito à cidade envolve a reapropriação dos espaços urbanos como locais comuns, contestando a lógica privatista e mercantilista”. No Brasil, os Planos Diretores ainda enfrentam resistências políticas e limitações financeiras, que dificultam sua execução em larga escala.

 

 

DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A SUSTENTABILIDADE URBANA

 

O desenvolvimento sustentável das cidades requer uma abordagem integrada que contemple aspectos sociais, econômicos e ambientais. Segundo o Relatório Mundial das Cidades (UN-HABITAT, 2020, p. 4), “a urbanização continuará a ser a força motriz do crescimento global, mas exige planejamento, gestão e governança eficazes para que seu valor possa ser plenamente realizado”. No Brasil, isso implica superar a fragmentação das políticas públicas e promover a gestão participativa.

A pandemia da COVID-19 evidenciou fragilidades urbanas, mas também trouxe oportunidades para “reconstruir melhor”. O Relatório Mundial das Cidades (UN- HABITAT, 2020, p. 25) aponta que “as cidades podem transformar a crise da COVID- 19 numa oportunidade de eliminar a pobreza urbana e melhorar a habitação e as infraestruturas”.

Soluções como infraestrutura verde, transporte sustentável e políticas habitacionais inclusivas são fundamentais para promover a resiliência urbana. Contudo, como afirma Maricato (2011, p. 92), “melhorias nas condições de vida dependem não apenas de melhores salários, mas da ampla acessibilidade às políticas públicas”. A construção de cidades resilientes exige articulação entre diferentes níveis de governo e a participação ativa da sociedade civil, ampliando o debate sobre a função social da propriedade e o direito ao espaço urbano.

 

 

CONCLUSÃO

 

O processo de urbanização no Brasil revelou-se uma força transformadora, mas também carregada de contradições que afetam diretamente as condições de vida nas cidades. Marcado por desigualdades sociais, segregação espacial e impactos ambientais, o crescimento urbano evidencia a prevalência de interesses privados sobre demandas coletivas, conforme destacado por Harvey (2014). Embora instrumentos legais como o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores tenham sido criados para orientar o desenvolvimento urbano, sua aplicação enfrenta barreiras políticas, econômicas e institucionais que limitam sua eficácia. Nesse contexto, o conceito de direito à cidade, proposto por Lefebvre (2001), surge como um referencial central para reimaginar o espaço urbano como um bem coletivo, onde prevaleçam a inclusão social e a sustentabilidade.

Para que as cidades brasileiras alcancem um modelo de desenvolvimento sustentável, é imprescindível uma articulação mais efetiva entre governos, sociedade civil e setor privado. Investimentos em infraestrutura inclusiva, transporte público eficiente e soluções ambientais, como infraestrutura verde, devem ser acompanhados pela ampliação da participação popular nas decisões urbanas. A urbanização sustentável, como apontado pelo Relatório Mundial das Cidades (UN-HABITAT, 2020), requer governança integrada e ações que priorizem os grupos mais vulneráveis. Assim, este trabalho reforça a importância do planejamento urbano como ferramenta para transformar as cidades brasileiras em espaços mais equitativos, resilientes e capazes de atender às demandas de todos os seus habitantes.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Estatuto da Cidade: Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 jan. 2025.

 

DECARLI, Nairane; FERRAREZE FILHO, Paulo. Plano Diretor no Estatuto da Cidade: uma forma de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos. Senatus, Brasília, v. 6, n. 1, p. 35-43, maio 2008.

 

HARVEY, David. Cidades Rebeldes: Do Direito à Cidade à Revolução Urbana.

Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

 

LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.

 

MARICATO, Ermínia. O Impasse da Política Urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.

 

UN-HABITAT. Relatório Mundial das Cidades 2020: O Valor da Urbanização Sustentável. Nairobi: United Nations Human Settlements Programme, 2020.

 

ULTRAMARI, Clovis; SILVA, Roberto Carlos Evencio de Oliveira da. Planos Diretores na Linha do Tempo: Cidade Brasileira 1960-2015. Curitiba: PUCPR, 2015.