Deficiências múltiplas no processo de desenvolvimento da reflexão do estudo
Silvana Toniazzo[1]
RESUMO
Este trabalho analisa a importância e as características das deficiências múltiplas, explorando sua complexidade e o impacto que exercem sobre o indivíduo e seu contexto social. Por meio de uma revisão bibliográfica, o estudo discute a diversidade de fatores que podem levar à ocorrência dessas deficiências, definidas como a coexistência de duas ou mais deficiências—sejam elas físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais—que podem restringir as capacidades do indivíduo de forma parcial ou total. Como está previsto na Lei Federal nº 13.146/2015, o texto conceitua a deficiência como um impedimento de longo prazo que, em conjunto com barreiras sociais, pode dificultar a plena participação da pessoa na sociedade. A pesquisa enfatiza a importância de pesquisas empíricas, em âmbito nacional e internacional, que investiguem os processos de ensino e aprendizagem desses indivíduos. O trabalho, finalmente, sublinha a relevância de intervenções especializadas e personalizadas para promover a qualidade de vida e a inclusão social, assegurando que as pessoas com deficiências múltiplas tenham seus direitos e suas singularidades reconhecidos.
PALAVRAS–CHAVE: Deficiência múltipla. Qualidade de vida. Intervenção.
INTRODUÇÃO
O estudo das deficiências múltiplas constitui um campo de extrema relevância no contexto da educação inclusiva, pois possibilita compreender de forma mais ampla as demandas e os desafios enfrentados por indivíduos que apresentam a combinação de duas ou mais deficiências, sejam elas de ordem física, intelectual, sensorial ou decorrentes de transtornos neurológicos. Trata-se de uma condição complexa, que influencia diretamente os processos de desenvolvimento, aprendizagem e interação social, repercutindo na autonomia do sujeito e em sua inserção cultural.
Partindo dessa perspectiva, este trabalho tem como propósito analisar o fenômeno das deficiências múltiplas em suas diversas dimensões, refletindo tanto sobre suas reflexões no âmbito educacional quanto sobre os obstáculos que incidem na prática pedagógica e nas políticas públicas voltadas à inclusão. O objetivo principal é investigar de que maneira ocorre a inserção de estudantes com necessidades especiais específicas no espaço escolar visando as barreiras enfrentadas e as estratégias que garantir a busca da permanência e a aprendizagem.
Segundo a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC), o atendimento a esse público requer recursos pedagógicos diversificados, metodologias adequadas e adaptações curriculares capazes de favorecer a comunicação, a interação social e a participação ativa nos processos educativos. Esse direcionamento evidencia a necessidade de uma prática docente fundamentada no reconhecimento das singularidades de cada aluno e amparada em referenciais teóricos consistentes.
Assim, o presente estudo propõe-se a problematizar a inclusão escolar de pessoas com deficiências múltiplas, buscando identificar desafios e possibilidades inerentes a esse processo. Ao mesmo tempo, pretende discutir metodologias e práticas pedagógicas que contribuam para a efetivação de uma educação mais justa, equitativa e comprometida com os princípios da diversidade e da qualidade social.
- DESENVOLVIMENTO
Este trabalho evidencia a importância de avaliar as necessidades educacionais especiais a partir de uma perspectiva social ampla, em que a escola, a família e a comunidade atuem de forma articulada na promoção de práticas inclusivas. A deficiência múltipla, por envolver a combinação de duas ou mais limitações – físicas, sensoriais, intelectuais ou psíquicas – exige atenção especial no planejamento pedagógico, com estratégias que considerem a complexidade do desenvolvimento infantil e a diversidade de ritmos de aprendizagem.
A construção de políticas públicas eficazes e de projetos pedagógicos consistentes é fundamental para que as ações voltadas à inclusão estejam alinhadas ao compromisso de garantir acesso, permanência e sucesso escolar aos estudantes com deficiência múltipla. Não basta apenas adaptar o currículo; é preciso repensar o processo de ensino-aprendizagem de forma crítica, garantindo metodologias diferenciadas e ambientes acessíveis que favoreçam a participação ativa do aluno.
Segundo Mantoan (2007), o desenvolvimento da autonomia em estudantes com deficiências motoras ou sensoriais está ligado à aquisição de habilidades alternativas, que permitam uma adaptação conveniente às tarefas essenciais do dia a dia. Já no caso da deficiência intelectual e múltipla, essa autonomia requer significações mais amplas, envolvendo não apenas o desenvolvimento cognitivo, mas também aspectos afetivos, sociais e culturais.
Para Vygotsky (1997), o desenvolvimento das crianças com deficiência ocorre por meio de processos compensatórios, em que o sistema nervoso central e as funções psíquicas assumem novas formas de organização para superar as limitações impostas pela lesão ou deficiência.
O autor afirma que “todo defeito cria os estímulos para elaborar uma compensação” (VYGOTSKY, 1997, p. 14), destacando que a aprendizagem, quando mediada de forma adequada, é capaz de potencializar as funções preservadas e promover avanços significativos.
Carvalho (2000) ressalta que, embora a deficiência múltipla tenha sido reconhecida oficialmente pelo Ministério da Educação nos anos 1980, muitas ações previstas nos documentos técnicos não foram efetivamente concretizadas. Persistia, na época, a crença equivocada de que essas pessoas não teriam condições de acessar o saber escolar devido às suas limitações severas, reduzindo o atendimento a uma perspectiva meramente assistencialista e médica.
As causas da deficiência múltipla são variadas, incluindo fatores genéticos, má-formação congênita, infecções virais durante a gestação, complicações no parto e acidentes que resultem em lesões adquiridas ao longo da vida. Independentemente da origem, essas condições podem comprometer diferentes áreas do desenvolvimento e demandam acompanhamento multiprofissional, envolvendo médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais para diagnóstico, intervenção precoce e suporte contínuo.
No ambiente escolar, os desafios tornam-se ainda mais evidentes. A heterogeneidade das turmas exige que o professor adote metodologias diversificadas, utilizando recursos visuais, auditivos, táteis e tecnológicos para atender aos diferentes estilos de aprendizagem. Para isso, é fundamental que os docentes tenham acesso à formação continuada em Educação Inclusiva, participando de cursos, oficinas e capacitações que lhes permitam compreender os distúrbios de aprendizagem e aplicar estratégias pedagógicas eficazes.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no inciso III do Artigo 208, estabelece que é dever do Estado garantir “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Este dispositivo jurídico assegura não apenas o direito ao acesso, mas também a permanência na escola, criando as condições para que a inclusão aconteça de maneira efetiva.
Portanto, o desenvolvimento escolar de crianças com deficiência múltipla requer um conjunto de ações integradas que envolvam diagnóstico precoce, intervenção pedagógica mediada, adaptação curricular, uso de tecnologias assistivas e fortalecimento do vínculo entre escola, família e comunidade. Somente assim será possível romper com barreiras históricas de exclusão e proporcionar oportunidades reais de aprendizagem e desenvolvimento integral.
Os principais distúrbios e as queixas
Entre as queixas mais frequentes observadas no contexto escolar, destacam-se os seguintes distúrbios e dificuldades de aprendizagem, que podem indicar hipóteses diagnósticas e orientar intervenções pedagógicas adequadas:
Gagueira ou tartamudez – distúrbio do fluxo e do ritmo da fala, caracterizado por bloqueios, hesitações, prolongamentos e repetições de sons, sílabas, palavras ou frases.
Hipercinesia (hiperatividade) – presença de atividade motora constante e excessiva, acompanhada frequentemente de agitação e inquietação.
Impulsividade – comportamento marcado por ações realizadas sem reflexão sobre as consequências, dificultando o planejamento e a autorregulação.
Agrafia – incapacidade de expressar pensamentos por meio da escrita.
Discalculia – dificuldade específica para realizar operações matemáticas, compreender conceitos numéricos e resolver problemas que envolvam cálculo.
Dislexia – transtorno de aprendizagem que compromete o reconhecimento preciso e fluente de palavras, a decodificação e a compreensão da leitura.
Disgrafia – dificuldade significativa na escrita manual, envolvendo traçado irregular das letras, organização espacial deficiente ou dificuldade na execução motora necessária para escrever.
Déficit de atenção e dificuldade de concentração – frequentemente associado à hiperatividade e caracterizado por comportamentos como:
- movimentar constantemente mãos ou pés;
- levantar-se da cadeira em momentos inadequados;
- correr ou movimentar-se de forma excessiva em situações impróprias;
- dificuldade para brincar ou participar de atividades lúdicas de forma tranquila;
- falar em excesso ou interromper conversas;
- apresentar inquietação constante.
Os especialistas da área destacam que compreender esses distúrbios exige uma postura ética e respeitosa diante das diferenças, reconhecendo as potencialidades dos alunos e não apenas suas limitações. O trabalho pedagógico deve envolver estratégias diferenciadas, recursos adaptativos e intervenções que favoreçam o desenvolvimento das habilidades cognitivas, motoras, linguísticas e socioemocionais (MANTOAN, 2015).
No caso da discalculia, por exemplo, a dificuldade está relacionada à aprendizagem matemática, abrangendo desde o reconhecimento de números até a compreensão de conceitos mais abstratos. Já a disgrafia compromete o processo de escrita, enquanto a dislexia afeta a leitura, podendo ocorrer isoladamente ou em conjunto, agravando as dificuldades escolares.
As deficiências múltiplas, por sua vez, correspondem à associação de duas ou mais condições, como deficiência física, visual, auditiva, intelectual e/ou transtornos mentais, formando combinações que impactam diretamente o desenvolvimento infantil. Quando envolvem aspectos sensoriais e psíquicos, a criança pode apresentar limitações complexas que exigem acompanhamento especializado e metodologias inclusivas (GLATTER, 2019).
Apesar dos desafios, essas condições podem ter seus impactos minimizados por meio de atenção pedagógica qualificada, ambiente lúdico, atividades funcionais e práticas que incentivem a comunicação e as interações sociais.
3.1 Como entender a deficiência múltipla na escola?
De acordo com a psicopedagoga e especialista em Educação Inclusiva, Daniela Afonso, a orientação aos educadores deve ser feita caso a caso, levando em conta os tipos de deficiência e o grau de comprometimento do aluno. A inclusão escolar de estudantes com deficiência múltipla apresenta necessidades educacionais mais intensas. Muitas vezes, familiares e profissionais da educação percebem essa inclusão como difícil, principalmente quando desconhecem os benefícios do processo, concentrando-se apenas nas barreiras (SILVEIRA; NEVES, 2006).
Vygotsky (1989 apud SILVEIRA; NEVES, 2006, p. 69) destaca que a pessoa com necessidades educacionais especiais se beneficia das interações sociais e da cultura em que está inserida. Quando mediadas adequadamente, essas experiências favorecem o desenvolvimento integral do indivíduo e a construção de processos mentais superiores.
Mais do que a soma de deficiências, é necessário compreender que essas condições repercutem nos diversos aspectos do desenvolvimento infantil, influenciando diretamente sua forma de conhecer o mundo e desenvolver habilidades adaptativas. Assim, torna-se essencial explorar as competências já presentes no aluno, utilizando estratégias como estimulação sensorial, tecnologias assistivas e métodos de comunicação alternativos. Além disso, o envolvimento de uma equipe multiprofissional – composta por fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e educadores especializados – é fundamental para planejar intervenções que considerem não apenas os desafios, mas também as potencialidades de cada criança (MANTOAN, 2015; GLATTER, 2019).
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo evidenciou que as deficiências múltiplas constituem um campo complexo e desafiador, especialmente quando se trata da efetivação de práticas inclusivas no ambiente escolar e na sociedade. A análise bibliográfica demonstrou que a coexistência de duas ou mais deficiências — físicas, intelectuais, sensoriais ou neurológicas — demanda não apenas intervenções pedagógicas diferenciadas, mas também políticas públicas capazes de assegurar direitos e condições de participação social equitativas.
Constatou-se que, apesar dos avanços proporcionados pela Lei Federal nº 13.146/2015, ainda persistem barreiras atitudinais, sociais e pedagógicas que limitam a autonomia e o desenvolvimento pleno desses indivíduos. Nesse cenário, reafirma-se a necessidade de pesquisas empíricas, tanto em âmbito nacional quanto internacional, que investiguem os processos de ensino e aprendizagem, subsidiando práticas educativas mais eficazes.
Assim, conclui-se que a inclusão de pessoas com deficiências múltiplas só será possível mediante a articulação entre políticas públicas, formação docente, recursos pedagógicos adequados e intervenções personalizadas, voltadas à promoção da qualidade de vida e à valorização das singularidades de cada sujeito. Dessa forma, garante-se não apenas o cumprimento de direitos, mas também a construção de uma sociedade mais justa, diversa e democrática.
A compreensão da deficiência intelectual e múltipla e de suas implicações psicossociais exige interação entre a escola, a comunidade e os serviços especializados, sempre visando ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do indivíduo. Essa articulação também amplia as possibilidades de inclusão futura no mercado de trabalho, favorecendo maior autonomia e qualidade de vida.
A relação entre teoria e prática torna-se essencial nesse processo. A Psicopedagogia Clínica, ao possibilitar ao profissional um constante exercício de escuta, análise e ressignificação das experiências de aprendizagem, contribui para a construção de novas estratégias e caminhos pedagógicos. Concluir uma formação voltada para essa área reforça a convicção de que o aprendizado é contínuo e dinâmico, tanto para o educador quanto para o educando.
Destaca-se, ainda, a importância de instituições como a APAE no contexto de Aracaju. Além de oferecer atendimento especializado, assegura cuidados físicos, acompanhamento psicopedagógico, suporte pedagógico e atendimento multidisciplinar com profissionais como psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Essa rede de apoio favorece o desenvolvimento integral da criança, permitindo que ela se desenvolva não apenas no meio familiar, mas também em um ambiente pedagógico que valoriza suas potencialidades.
Portanto, promover a inclusão de pessoas com deficiência múltipla requer investimentos contínuos em formação docente, práticas pedagógicas inovadoras, recursos de acessibilidade e articulação com profissionais de diferentes áreas. Somente assim será possível transformar desafios em oportunidades, fortalecendo a educação inclusiva como caminho para uma sociedade mais justa e igualitária.
5.REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Marina da Silveira Rodrigues. O que é deficiência intelectual ou atraso cognitivo?2007. Disponível em: http://inclusaobrasil.blogspot.com/2007/10/o-que-deficincia-intelectual-ou-atraso.html.Acesso em:05de outubro de 2011.
ADEFIB, Associação dos deficientes físicos de Betim. Deficiência múltipla. Disponível em http://www.adefib.org.br/index.php/deficiencia-multipla. Acessado em 28/12/2013.
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm#art70. Acessado em 28/12/2013.
________, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/Seesp, 1994.
BAQUERO. R. Vygostky e a aprendizagem escolar. Tradução de Ernani F. da Fonseca Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. 167 p.
CARVALHO, E.N.S. de. Programa de capacitação de recursos humanos do Ensino Fundamental: deficiência múltipla. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2000.
CAMPOS, Shirley de. Surdo Cegueira e Múltipla Deficiência Sensorial. Disponível em: http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/13379. Acessado em 29/12/2013.
CESUMAR – Centro Universitário de Maringá. Editora CESUMAR Maringá – Paraná, 2011.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Educação escolar de deficientes mentais: problemas para a pesquisa e o desenvolvimento.2007.Disponível em:http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=19516. Acesso em: 05 de Outubro de 2011.
NASCIMENTO, Fátima Ali Abdalah Abdel Cader. Educação Infantil. Saberes e Práticas da Inclusão: Dificuldade de comunicação e sinalização: Surdocegueira/ múltipla deficiência sensorial. 4.ed. Brasília: MEC, Secretaria de educação Especial, 2006.
TECNEP, Programa. Curso de Especialização: “Educação Profissional Tecnológica”. Módulo III – As necessidades educacionais especiais. Disciplina VI –As necessidades Educacionais Especiais de Alunos com Deficiência Múltipla. Ministério da Educação. 2008.
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