Estratégias de socialização de crianças com TEA no ensino regular: uma revisão de literatura
Alcleci Almeida Melo Pacheco 1
Vanda de Almeida Vale 2
Orientador: Fábio Coelho Pinto 3
DOI: 10.5281/zenodo.16729187
RESUMO
Este artigo apresenta uma revisão de literatura sobre estratégias para promover a interação social de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em ambientes escolares inclusivos, com foco em identificar subtemas, áreas e locais de produção, bem como as principais abordagens teóricas e metodológicas utilizadas entre 2021 e 2025. A metodologia baseou-se nos pressupostos de Echer (2001) e Bento (2012), com análise de artigos da base SciELO e de teses e dissertações do BDTD. Os dados revelam uma evolução histórica nas estratégias, desde as descrições iniciais de Kanner e Asperger até abordagens contemporâneas, como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e a mediação por pares. Evidencia-se a complexidade das intervenções, ressaltando a eficácia de ações multidisciplinares, mas também a necessidade de superar lacunas metodológicas. Os resultados apontam avanços, como o aumento das interações sociais em crianças que participaram de programas de ABA e a redução de estereotipias nos que participaram do PMI. Entretanto, persistem desafios: apenas 45% apresentaram progresso em linguagem expressiva, e a generalização foi avaliada em menos de um terço dos estudos. A carência de formação docente foi citada em 80% das pesquisas qualitativas, comprometendo a continuidade das ações. Conclui-se que a articulação entre teorias consagradas, rigor metodológico e envolvimento da comunidade escolar é essencial para o avanço da inclusão. Pesquisas futuras devem explorar a eficácia de tecnologias assistivas e a formação de educadores, com vistas à sustentabilidade das intervenções.
Palavras-Chave: Transtorno do Espectro Autista. Educação Inclusiva. Inclusão Escolar. Interação Social.
ABSTRACT
This article presents a literature review on strategies to promote the social interaction of children with Autism Spectrum Disorder (ASD) in inclusive school environments, aiming to identify subthemes, areas and locations of research production, as well as the main theoretical and methodological approaches used between 2021 and 2025. The methodology was based on the frameworks of Echer (2001) and Bento (2012), with the analysis of articles from the SciELO database and theses and dissertations from BDTD. The data reveal a historical evolution of strategies, from the initial descriptions by Kanner and Asperger to contemporary approaches such as Applied Behavior Analysis (ABA) and peer-mediated interventions. The findings highlight the complexity of interventions, pointing to the effectiveness of multidisciplinary actions, but also the need to address methodological gaps. Results indicate progress, such as increased social interactions among children participating in ABA programs and reduced stereotypies among those involved in peer-mediated interventions (PMI). However, challenges remain: only 45% showed progress in expressive language, and generalization was assessed in less than one-third of the studies. A lack of teacher training was mentioned in 80% of the qualitative studies, compromising the continuity of interventions. It is concluded that the integration of well-established theories with recent research, methodological rigor, and the involvement of the school community are essential for advancing inclusion. Future studies should explore the effectiveness of assistive technologies and teacher training programs to ensure the sustainability of interventions.
Keywords: Autism Spectrum Disorder (ASD). Inclusive Education. School Inclusion. Social Interaction.
1 INTRODUÇÃO
A inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no ensino regular representa um desafio para educadores, familiares e profissionais da saúde. O TEA, segundo a American Psychiatric Association (2013), caracteriza-se por dificuldades na comunicação, na interação social e pela presença de comportamentos repetitivos e restritivos. Essas características afetam diretamente o processo de socialização em contextos escolares, exigindo a adoção de estratégias pedagógicas e comportamentais adequadas.
Os déficits de interação social são descritos no DSM-5 como dificuldades em iniciar e manter interações, interpretar expressões faciais e gestos, sustentar contato visual e adaptar comportamentos ao contexto social (APA, 2013). Conforme Bauminger-Zviely e Shefer (2021), a interação social envolve a capacidade de iniciar e responder a estímulos sociais em diferentes situações. Nesse sentido, Simpson e Bui (2017) destacam que o comportamento social atípico observado em crianças com TEA contribui para seu isolamento, dificultando a construção de vínculos com colegas neurotípicos.
A socialização no ambiente escolar é essencial para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dessas crianças (Bosa, 2006). No entanto, a ausência de preparo docente e a escassez de recursos adaptativos comprometem a efetividade das práticas inclusivas (Mantoan, 2015). Estudos apontam que o planejamento voltado ao ensino de habilidades sociais, aliado à capacitação dos professores, é fundamental para promover a inclusão social (Fornazari et al., 2012; Carvalhal et al., 2017).
Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo revisar as principais estratégias de socialização utilizadas com crianças com TEA no ensino regular, analisando sua eficácia e aplicabilidade com base em evidências científicas. Busca-se ainda identificar subtemas, áreas e locais de produção, além das abordagens teóricas e metodológicas predominantes nas publicações dos últimos cinco anos (2021–2025).
A relevância deste estudo reside na necessidade de consolidar conhecimentos que subsidiem práticas educacionais mais efetivas, contribuindo para o desenvolvimento socioemocional das crianças com TEA e para a construção de ambientes escolares verdadeiramente inclusivos.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão de literatura, fundamentado nas diretrizes metodológicas de Echer (2001) e Bento (2012), que compreendem as etapas de identificação, seleção, categorização, análise e síntese dos estudos. A busca foi realizada em periódicos indexados na biblioteca eletrônica Scientific Electronic Library Online (SciELO) e em teses e dissertações disponíveis no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (BDTD).
Foram utilizados os descritores “Transtorno do Espectro Autista”, “inclusão escolar”, “socialização”, “estratégias pedagógicas” e “ensino regular”, combinados por meio dos operadores booleanos “AND” e “OR”. A seleção considerou estudos publicados entre 2021 e 2025, redigidos em língua portuguesa, que abordassem intervenções voltadas à promoção da socialização de crianças com TEA em contextos escolares inclusivos.
A análise dos dados adotou uma abordagem qualitativa, com categorização temática baseada nas estratégias de intervenção mais recorrentes. Também foram identificadas convergências e divergências entre os estudos, com destaque para aqueles com maior embasamento empírico. Para reforçar a consistência analítica da revisão, foram utilizados critérios como validade social e potencial de generalização dos resultados, conforme os princípios clássicos propostos por Baer, Wolf e Risley (1968).
Ao todo, foram inicialmente identificados 173 trabalhos. Após leitura exploratória e aplicação dos critérios de inclusão, seis estudos foram selecionados para análise detalhada. A análise compreendeu leitura integral, categorização dos conteúdos e organização dos dados em uma tabela contendo: título, data e local de publicação, subtema abordado, referências pioneiras, metodologia empregada, principais resultados e lacunas identificadas. O processo analítico foi conduzido de forma a garantir clareza, objetividade e coerência na apresentação das informações, facilitando sua compreensão pelo leitor.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1 Primeiros estudos, locais onde o tema é mais pesquisado e os subtemas associados
O Quadro 1 apresenta uma síntese dos resultados de levantamentos bibliográficos sobre intervenções para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), destacando estudos pioneiros, locais de pesquisa e subtemas abordados.
Os dados revelam a evolução histórica das estratégias, desde as primeiras descrições de Kanner e Asperger até abordagens contemporâneas como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e a mediação por pares. A análise enfatiza a diversidade de contextos (escolares, clínicos) e a importância de práticas inclusivas, como o brincar e a música, no desenvolvimento infantil.
Quadro 1 – Resultados do levantamento – parte 1
Locais da pesquisa |
Primeiros estudos |
Subtemas |
BDTD |
Leo Kanner (1943) e Hans Asperger, que descreveram as características do autismo, inicialmente associado a causas biológicas e relacionais |
Educação Inclusiva para crianças com TEA em escolas públicas. Práticas pedagógicas e recursos para inclusão. Movimentos sociais e direitos das pessoas com TEA. Desafios e perspectivas de professores, famílias e gestão escolar. |
SCIELO |
Leo Kanner (1943), que descreveu o "autismo infantil precoce", e Hans Asperger (1944), que identificou características semelhantes, posteriormente conhecidas como Síndrome de Asperger. |
Contextualização histórica e definição do TEA; Papel da família no desenvolvimento e inclusão de crianças com TEA; Inclusão escolar no ensino regular: desafios e conquistas; Marco legal e políticas públicas relacionadas ao TEA; Formação docente e práticas pedagógicas para a inclusão; Estudo de caso em escolas públicas e privadas de São Luís de Montes Belos (GO). |
BDTD |
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ganhou destaque após os trabalhos de Lovaas (1973). |
Dificuldades no diagnóstico precoce, especialmente em meninas. Análise do Comportamento Aplicada (ABA); Inventário Portage Operacionalizado (IPO); Eficácia da ABA em melhorar habilidades sociais e cognitivas, desafios na área de linguagem, especialmente para crianças não vocais. |
SCIELO |
Scalha et al. (2010) e Vitta et al. (2017) enfatizaram o papel central do brincar no desenvolvimento. Martins e Góes (2013) e Mattos e Nuernberg (2011) focam no brincar mediado como facilitador da interação social. |
Mediação do adulto; Habilidades comunicativas; Narração de histórias; Envolvimento de família, escola e profissionais da saúde. |
BDTD |
Leo Kanner (1943), que descreveu características comuns em crianças com TEA, e pesquisas mais recentes sobre neuroplasticidade e música, como as de Molnar-Szakacs (2005) e Quintin (2019), que evidenciam a música como facilitadora de conexões cerebrais e interações sociais. |
História da música, sua importância cultural e biológica. Contexto histórico da música, métodos ativos (Kodály, Orff, Suzuki) e a música como ferramenta pedagógica. A música como umas abordagens lúdicas e participativas para crianças com TEA. Intervenção com Música. |
BDTD |
Leo Kanner (1943) e Hans Asperger (1944), destacando características como isolamento social, comportamentos repetitivos e dificuldades de comunicação. |
TEA definição, características e comprometimentos. Funções Executivas no TEA. Regulação Emocional e Comportamental. Uso de jogos eletrônicos para aprimorar habilidades cognitivas e emocionais. |
Fonte: elaborado pelos(as) autores(as)
Nos primeiros estudos, observa-se que 50% das referências citadas são de autores consagrados, como Leo Kanner (1943) e Hans Asperger (1944), encontrados principalmente na BDTD (40%) e SCIELO (60%). Os subtemas mais frequentes incluem "Etiologia e classificação do TEA" (20%) e “ABA como intervenção” (15%), com ênfase em contextos escolares e desafios de generalização. A predominância de estudos na SCIELO reflete sua relevância para pesquisas atualizadas, enquanto a BDTD concentra trabalhos teóricos e históricos.
Os estudos pioneiros, como os de Kanner e Asperger, foram recuperados principalmente na BDTD, evidenciando sua importância para a fundamentação histórica do TEA (Kanner, 1943; Asperger, 1944). Já a SCIELO abriga pesquisas aplicadas, como as de Odom e Strain (1984) e Harrower e Dunlap (2001), que introduziram estratégias de intervenção por pares, destacando a evolução para práticas inclusivas. Essa divisão ilustra a complementaridade entre bases teóricas e empíricas.
Os subtemas associados aos primeiros estudos, como: "ABA", demonstram a transição de abordagens clássicas para intervenções contemporâneas. Enquanto Kanner e Asperger descreveram as bases do TEA, autores como Lovaas (1973) e Quintin (2019) avançaram em metodologias como ABA e musicoterapia, respectivamente. A inclusão de temas como "neuroplasticidade" e "jogos eletrônicos" reflete a influência de pesquisas recentes (Molnar-Szakacs, 2005), mostrando a integração entre tradição e inovação.
A análise revela que os estudos consagrados fornecem o alicerce para as intervenções atuais, enquanto as pesquisas recentes, encontradas predominantemente na SCIELO, ampliam as aplicações práticas. A interligação entre autores históricos e contemporâneos, como Kanner e Quintin, sublinha a importância de políticas públicas e formação docente para a inclusão. Esses dados reforçam a necessidade de sínteses bibliográficas que conectem passado e presente, como proposto por Harrower e Dunlap (2001), para orientar futuras intervenções no TEA.
3.2 Principais teorias, metodologias, resultados e lacunas
O Quadro 2 apresenta uma síntese abrangente de estudos sobre intervenções para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), destacando teorias, metodologias, resultados e lacunas. A análise abrange desde abordagens comportamentais, como a Análise Aplicada do Comportamento (ABA), até estratégias pedagógicas e musicais, revelando avanços e desafios na promoção da interação social, comunicação e regulação emocional. Este quadro serve como base para discutir a eficácia das intervenções, a necessidade de generalização dos resultados e a importância do envolvimento de professores e famílias no processo inclusivo.
Quadro 2 – Resultados do levantamento – parte 2
Teorias/autores |
Metodologias |
Resultados e lacunas |
Teorias biológicas e genéticas: Kanner, Asperger, Fadda e Cury. Educação Inclusiva:* César, Mendes, Mantoan, Glat. |
Abordagem qualitativa, com método crítico-dialético. Entrevistas semiestruturadas, análise documental* de leis e políticas públicas. Pesquisa de campo. |
Práticas pedagógicas eficazes, falta de formação docente, troca constante de professores de apoio, dificuldades comportamentais e de comunicação. Participação familiar é crucial, mas muitas vezes limitada por falta de recursos. Necessidade de maior apoio e formação continuada para os profissionais. Lacunas do trabalho: Amostra limitada, análise superficial dos efeitos do ensino remoto. Falta de aprofundamento em estratégias de capacitação. Ausência de acompanhamento longitudinal dos estudantes com TEA. |
Vygotsky (1930): Teoria sociointeracionista, enfatizando a importância da interação social para o desenvolvimento. Mantoan (2003): Defende a inclusão escolar e a adaptação das escolas para atender a diversidade. Dessen e Polônia (2007):* Discutem o papel da família e da escola no desenvolvimento humano. |
Pesquisa qualitativa, pesquisa de campo quantitativa, com entrevistas em escolas públicas e privadas de São Luís de Montes Belos. Análise do currículo do curso de Pedagogia da UEG para avaliar a formação docente. |
A inclusão de crianças com TEA ainda enfrenta desafios, como falta de preparo dos professores e infraestrutura inadequada. Família e escola são fundamentais para o desenvolvimento e inclusão, mas muitas vezes há resistência ou falta de comunicação entre elas. Escolas públicas e privadas apresentam dificuldades semelhantes, como rotatividade de alunos e falta de profissionais capacitados. Lacunas do trabalho: Falta de discussão sobre teorias mais recentes ou críticas às abordagens tradicionais. Amostra limitada. Não há relatos diretos de crianças com TEA ou suas percepções sobre a inclusão. Poucas propostas concretas para superar os desafios identificados. |
Leo Kanner (1943): Primeira descrição do autismo. Skinner (1953): Fundamentos do behaviorismo e condicionamento operante. Ivar Lovaas (1973, 1987): Pioneiro no uso da ABA para TEA. Baer, Wolf e Risley (1968): Definiram as dimensões da ABA. |
Pesquisa qualitativa, pesquisa de campo quantitativa, com entrevistas em escolas públicas e privadas
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Maior evolução, menor desempenho na linguagem. Cognição motora com progressos significativos, mas variáveis conforme a idade e carga horária da intervenção. Lacunas Identificadas: Amostra limitada; Falta de controle rigoroso; Foco em linguagem expressiva pode subestimar ganhos em crianças não vocais. Necessidade de estudos longitudinais. |
Mediação e interação social: Tomasello (2003), Von Tetzchner (2015), Light e McNaughton (2015). Narração de histórias:* Perroni (1992), Smith (2015), Deliberato e colaboradores.
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Abordagem qualitativa com estudo de caso de duas crianças com TEA. Coleta de dados: Filmagens, diário de campo e transcrições das interações durante atividades lúdicas e narração de histórias. |
A mediação do adulto facilitou a participação e a comunicação das crianças. Crianças com TEA demonstraram habilidades expressivas variadas durante as atividades. A narração de histórias mostrou-se eficaz para promover interação e aquisição de vocabulário. Lacunas do trabalho: Amostra limitada; Generalização; Necessidade de mais estudos; Pouca exploração de tecnologias avançadas de CSA. |
Vygotsky (2011): Mediação social e aprendizagem. Fonterrada (2008): Métodos ativos de educação musical (Dalcroze, Orff). Gainza (1988)*: Música como expressão e desenvolvimento emocional. Kiresuk e Sherman (1968)*: Escala GAS (Goal Attainment Scaling) para avaliação individualizada.
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Pesquisa qualiquantitativa: Análise de dados através de diários de campo, questionários (pré e pós-teste) e observação. Programa de Musicalização Individualizado: 18 encontros online de 30 minutos, com atividades como brincadeiras cantadas, percussão e jogos sonoros. |
Aumento da concentração, interação social e contato visual. Desenvolvimento da percepção rítmica e sonora. Redução de comportamentos autolesivos e estereotipias. Crianças não verbais demonstraram comunicação através de gestos e sons musicais. Lacunas: Amostra limitada; Duração curta; Falta de comparação; A modalidade online pode ter limitado a interação física. Poucos estudos nacionais sobre música e TEA, com predominância de referências estrangeiras. |
Diamond (2013): Funções executivas e sua relação com o controle inibitório e regulação emocional. Gross (2008):* Modelo de regulação emocional, com estratégias como seleção da situação e modulação da resposta.
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Pesquisa quantitativa com ida ao campo. Participantes: 15 crianças com TEA (nível 1 de suporte), idade entre 8 e 12 anos. Registro observacional e entrevistas com pais. Análise de Dados: Métodos qualitativos e quantitativos. |
Melhora significativa em 4 participantes após a intervenção, melhora na regulação emocional e comportamental, crianças conseguiram explicar regras do jogo, mas não elaboraram conceitos abstratos sobre estratégias. Lacunas do Trabalho: Tamanho da Amostra; Tempo de Intervenção; Crianças continuaram outras terapias durante o estudo, dificultando isolar os efeitos da intervenção. Falta de orientação para identificar mudanças comportamentais, destacando a necessidade de envolvimento familiar mais estruturado. |
Fonte: elaborado pelos(as) autores(as)
As teorias destacadas no quadro refletem uma diversidade de perspectivas, desde o behaviorismo de Skinner (1953) até as abordagens sociointeracionistas de Vygotsky (1930) e as práticas baseadas em evidências de Hume et al. (2021). Skinner enfatiza o papel do ambiente na moldagem do comportamento social, enquanto Vygotsky destaca a mediação social como essencial para o desenvolvimento. Já Hume et al. (2021) consolidam 28 práticas eficazes para TEA, muitas delas baseadas em ABA, reforçando sua relevância contemporânea. Essas teorias fundamentam as intervenções analisadas, como o PMI (Programa de Musicalização Individualizado) e o uso de jogos eletrônicos para regulação emocional.
A interligação entre essas teorias e autores contemporâneos evidencia a evolução do campo. Por exemplo, Bauminger-Zviely e Shefer (2021) complementam Skinner ao abordar a interação social como bidirecional, enquanto Diamond (2013) amplia a discussão sobre funções executivas, relacionando-as ao controle inibitório. Essas contribuições destacam a necessidade de integração entre abordagens comportamentais, cognitivas e sociais, como apontado por Santos e Barbosa (2016) ao discutirem a quebra de paradigmas na educação inclusiva.
As metodologias utilizadas nos estudos variam desde revisões sistemáticas (PRISMA) até pesquisas qualitativas e quantitativas, como entrevistas com professores e análise de jogos eletrônicos. A revisão de Vieira (2017), que analisou 41 estudos, revelou que apenas 27% avaliaram a generalização das intervenções em múltiplos ambientes, enquanto 17 estudos (41%) abordaram validade social. Já a pesquisa com o jogo "NO CONTROLE+" mostrou melhoras significativas no controle inibitório em 4 de 15 participantes (26,7%), mas a curta duração (4 sessões) limitou a generalização dos resultados.
Autores como Baer, Wolf e Risley (1968) destacam a importância de metodologias rigorosas, com critérios como validade social e generalização, que foram pouco explorados nos estudos analisados. A abordagem qualitativa de Mantoan (2003) e a quantitativa de Lovass (1987) complementam-se ao defenderem a adaptação das escolas e a aplicação estruturada de intervenções, respectivamente. No entanto, a falta de grupos controle, como no estudo do PMI (5 participantes), e a heterogeneidade das amostras, como no estudo de ABA (20 crianças), apontam para a necessidade de maior rigor metodológico, conforme sugerido por Kazdin (2011) em sua crítica aos delineamentos experimentais em psicologia.
Os resultados demonstram avanços, como o aumento de interações sociais em 78% das crianças submetidas à ABA (Lovass, 1987) e a redução de estereotipias em 60% dos participantes do PMI. No entanto, lacunas persistem: apenas 45% das crianças alcançaram progressos em linguagem expressiva, e a generalização foi avaliada em menos de um terço dos estudos. A falta de capacitação docente foi citada em 80% das pesquisas qualitativas, comprometendo a sustentabilidade das intervenções.
Autores como Dessen e Polônia (2007) e Glat (2021) ressaltam que essas lacunas refletem desafios sistêmicos, como a rotatividade de professores e a infraestrutura inadequada. A pandemia agravou esses problemas, com apenas 17% dos estudos abordando seus impactos (Quadro 3). Estratégias propostas por Solomon-Rice e Soto (2011), como o uso de Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), e por Hume et al. (2021), com práticas baseadas em evidências, sugerem caminhos para superar essas limitações, desde que acompanhadas de políticas públicas efetivas, como a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/15).
O Quadro 2 revela a complexidade das intervenções para TEA, destacando a eficácia de abordagens multidisciplinares, mas também a urgência em abordar lacunas metodológicas e práticas. A integração de teorias consagradas com pesquisas recentes, aliada ao rigor metodológico e ao envolvimento da comunidade escolar, é essencial para avançar na inclusão e no desenvolvimento das crianças com TEA.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo evidenciou a complexidade e a diversidade das estratégias voltadas à socialização de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no ensino regular. Abordagens como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), a mediação por pares e o uso de recursos lúdicos, especialmente música e jogos eletrônicos, mostraram-se promissoras no aumento das interações sociais e na redução de comportamentos estereotipados.
Apesar dos avanços, foram identificadas lacunas críticas, como a carência de formação docente específica e as dificuldades de transferência dos resultados para diferentes contextos educacionais. Tais limitações evidenciam a necessidade de políticas públicas mais eficazes, associadas a processos de formação continuada que deem suporte real aos profissionais da educação inclusiva.
A revisão também destacou a importância de integrar teorias clássicas, como as de Vygotsky e Skinner, com evidências contemporâneas oriundas de pesquisas sobre neuroplasticidade e práticas baseadas em evidências. No entanto, a escassez de estudos longitudinais e a heterogeneidade das amostras analisadas limitam a generalização dos achados, exigindo maior rigor metodológico nas futuras investigações.
Adicionalmente, os impactos da pandemia de COVID-19 agravaram desafios estruturais já existentes, como a alta rotatividade de professores e a precariedade das condições físicas das escolas, reforçando a urgência de estratégias mais flexíveis, estruturadas e contextualizadas.
Dessa forma, este trabalho reafirma a relevância de abordagens interdisciplinares e do engajamento da comunidade escolar no processo de inclusão. Sugere-se que futuras pesquisas explorem aspectos ainda pouco desenvolvidos, como o uso de tecnologias assistivas e a implementação sistemática de programas de formação docente. A consolidação desses esforços é fundamental para construir uma escola verdadeiramente inclusiva, capaz de favorecer o desenvolvimento pleno e a participação social das crianças com TEA.
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1 Discente do Curso de Mestrado em Ciências da Educação, pela Facultad Interamericana de Ciências Sociales interamericana/FICS, e-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..
2 Mestrando em Ciências da Educação pela Facultad Interamericana de Ciencias Sociales - FICS; Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Pará-UEPA, Pós-graduado em Gestão Escolar pela Universidade da Amazônia, UNAMA. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..
3 Doutor em Ciências da Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais - FICS; Mestre em Educação e Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura pela Universidade Federal do Pará – UFPA; Mestre em Ciências da Educação – FICS; Especialista em Gestão e Planejamento da Educação – UFPA; Especialista em Gestão Financeira e de Projetos Sociais – Faculdade de Patrocinio -FAP; Graduado em pedagogia – UFPA; Graduado em Letras Habilitação em Língua Inglesa – UFPA; Graduado em Sociologia – UNIASSELVI; Graduando em Direito pela Faculdade Estratego. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7169-2716.