A alfabetização emocional nas séries iniciais: desenvolvendo a bússola interna para o bem-estar e o combate ao bullying
Jady Isabela Rodrigues Ligor
RESUMO
Este artigo é um convite e uma súplica pela integração urgente da Alfabetização Emocional nos currículos das Séries Iniciais. Defendemos, com a convicção de quem observa a infância de perto, que "nomear o que se sente é o novo ler e escrever". Olhamos para o que a BNCC nos pede e transformamos essa diretriz em um propósito: forjar a empatia e o autocontrole como escudos protetores. Analisamos como o desenvolvimento intencional de habilidades socioemocionais atua na raiz do bullying e oferece ferramentas poderosas para as crianças enfrentarem o turbilhão da ansiedade moderna. Propomos que o pedagogo assuma, com carinho, o papel de mediador no complexo e fascinante universo das emoções.
Palavras-chave: Alfabetização Emocional. Competências Socioemocionais. Séries Iniciais. Bullying. Ansiedade Infantil. Acolhimento.
Desenvolvimento
Olhar para os nossos alunos nas Séries Iniciais é reconhecer um paradoxo doloroso. Eles são pequenos gênios em ascensão, navegando por tecnologias e desvendando o mundo das letras, mas, ao mesmo tempo, carregam um peso invisível: a ansiedade, a dificuldade em lidar com o "não", e a explosão de conflitos que, muitas vezes, descamba para o bullying. Percebemos que as crianças estão, sim, alfabetizadas em letras, mas, no mais íntimo, demonstram ser "analfabetas em emoções".
A escola, que sempre foi o palco do intelecto, precisa urgentemente se tornar o lar do sentir. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não nos deu apenas uma norma; ela nos deu um chamado ao incluir as competências socioemocionais.
Nossa questão aqui é prática e de coração: Como nós, pedagogos, podemos ir além da teoria e estruturar um caminho para que as crianças aprendam a decifrar a si mesmas – a nomear a tristeza, a entender a raiva – de forma lúdica e eficaz, transformando essa nova alfabetização em uma ferramenta de prevenção contra a violência e o medo? É uma jornada para resgatar a dimensão mais humana e gentil da escola.
Fundamentação Teórica: O Coração e o Cérebro, Unidos Pela Aprendizagem
Quando pensamos em Alfabetização Emocional, estamos falando em dar às crianças as chaves para entender a si mesmas. É uma ideia poderosa, popularizada por Daniel Goleman, que nos mostra que a Inteligência Emocional é o alicerce para uma vida plena. De que adianta o mais alto QI se a frustração paralisa o indivíduo?
O primeiro ato pedagógico é o mais simples e profundo: dar nome ao que se sente. Assim como apontamos para a letra "B" e dizemos "Bê", precisamos apontar para a sensação no peito e dizer "Isso é Frustração". Ao nomear, a criança tira o sentimento do campo do "monstro" incontrolável e o coloca na esfera da mediação e da reflexão, um conceito que Vygotsky aplaudiria, pois o desenvolvimento acontece quando mediamos o caos com a linguagem.
Se há um antídoto que a escola pode semear contra o veneno do bullying, esse é a Empatia. É a habilidade mágica de calçar o sapato do colega. O bullying perde a graça quando o agressor consegue, ainda que por um instante, visualizar a dor que está causando. Nossa sala de aula precisa ser transformada em um laboratório de convivência, onde o "olhar para o outro" é a lição mais importante do dia.
Estratégias Lúdicas: Onde a Emoção Vira Brincadeira Séria
O desenvolvimento socioemocional não pode ser uma ficha de atividades fria. Ele precisa estar na massa do dia a dia, utilizando a linguagem mais honesta da criança: o jogo e a fantasia.
Devemos criar na sala de aula um "Cantinho do Aconchego", um refúgio seguro, quase um "porto-seguro emocional". É o lugar para onde a criança pode ir voluntariamente quando sente que a emoção está transbordando. Junto a ele, a "Janela do Sentir" — uma escala de cores ou emojis — ajuda-a a dizer, sem palavras, "Professor(a), estou no amarelo (ansioso/irritado)". Isso é dar autonomia sobre o próprio estado emocional.
A literatura infantil é a nossa grande aliada. Ao contarmos histórias sobre o medo, a alegria ou a inveja, abrimos um portal seguro. Depois, no "Teatro das Emoções", convidamos as crianças a vestir a pele dos personagens e a encenar soluções diferentes para os conflitos. Não é apenas teatro; é o ensaio para a vida real, praticando a resolução de problemas em um ambiente de fantasia e perdão.
Não precisamos de grandes rituais. Apenas alguns minutos de Atenção Plena (Mindfulness), como o "Sopro do Balão" ou o "Respirar da Abelha" (inspirar e soltar o ar fazendo um leve "zumbido"), podem acalmar o sistema nervoso infantil. Essa pausa intencional ensina a criança a se ancorar no presente, fortalecendo o autocontrole e oferecendo um pequeno e poderoso escudo contra a invasão da ansiedade.
A Alfabetização Emocional não é uma escolha bonita; é uma necessidade vital. O pedagogo, neste novo cenário, é mais do que um professor; ele é o Jardineiro de Almas, aquele que prepara o solo para que cada semente de sentimento possa crescer de forma saudável e organizada.
Nosso investimento em empatia, resiliência e autocontrole nas Séries Iniciais não é apenas um projeto escolar, mas um legado social. Ao equipar nossos alunos com essa bússola interna, nós os ajudamos a combater o bullying, a gerenciar a ansiedade e a se tornarem indivíduos que são não apenas brilhantes na lógica, mas inteiros no sentir, capazes de construir uma sociedade mais gentil, justa e afetiva.
Conclusão
A Alfabetização Emocional nas Séries Iniciais emerge como um pilar essencial para o desenvolvimento integral das crianças. Diante do aumento de conflitos, ansiedade e episódios de bullying, torna-se urgente que a escola amplie seu papel, indo além do ensino de conteúdos acadêmicos e assumindo-se como um espaço de acolhimento, expressão e mediação afetiva. Ao ensinar as crianças a identificarem, nomear e lidar com suas emoções, possibilitamos que elas construam recursos internos para enfrentar frustrações, resolver conflitos e agir com empatia. O pedagogo, nesse processo, assume o lugar de cuidador e orientador sensível, articulando práticas lúdicas, narrativas e espaços seguros de escuta. Investir nessa alfabetização é garantir que os alunos cresçam capazes de reconhecer a si mesmos e ao outro, reduzindo a violência e fortalecendo vínculos saudáveis. Assim, formamos não apenas estudantes competentes, mas seres humanos completos, capazes de conviver com respeito, sensibilidade e cooperação.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília, 2018. Disponível em: https://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 10 nov. 2025.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. 3. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
KREBS, Regina; TARTUCE, Gerson (org.). Competências socioemocionais na educação básica. São Paulo: Moderna, 2020.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2018.
ROGERS, Carl. Liberdade para aprender. 4. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 2001.
SANCHES, Daniela; FERNANDES, Márcia. Educação emocional na infância: práticas e reflexões para o cotidiano escolar. Revista Educação e Desenvolvimento, Curitiba, v. 12, p. 53-70, 2022.