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Educação Infantil ribeirinha e os saberes empíricos da Ilha do Combu: uma análise prática pedagógica das professoras de Educação Infantil

Rosecléia Martins Nogueira[1]

Sandra Karina Mendes do Vale[2]

 

DOI: 10.5281/zenodo.17571735

 

 

RESUMO

O artigo trata da educação infantil ribeirinha, com foco nos saberes empíricos presentes na Ilha do Combú, em Belém do Pará. O objetivo principal é analisar como as professoras dessa localidade incorporam os conhecimentos tradicionais da comunidade em suas práticas pedagógicas. Os objetivos específicos incluem identificar os saberes valorizados, compreender sua aplicação nas atividades escolares e refletir sobre os desafios enfrentados pelas educadoras. A pesquisa utiliza uma metodologia qualitativa, baseada em levantamento bibliográfico e observações de experiências docentes no contexto ribeirinho. Foram analisadas produções acadêmicas disponíveis em plataformas tais como Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação  (ANPEd) e Scientific Electronic Library Online (Scielo), priorizando estudos sobre educação do campo e práticas pedagógicas na Amazônia. O estudo também indica a intenção de aprofundar a investigação por meio de estudo de caso e abordagem etnográfica em pesquisa futura. Os resultados apontam que, embora haja esforço por parte das professoras em valorizar os saberes locais, existem entraves como a falta de políticas públicas específicas, carência de formação continuada e ausência de materiais didáticos contextualizados. Destaca-se a importância de um currículo que dialogue com a realidade amazônica e reconheça os saberes das infâncias ribeirinhas. A pesquisa contribui para a valorização de práticas educativas situadas, reforçando a urgência de políticas formativas e curriculares voltadas às especificidades das comunidades amazônicas. Também busca ampliar o debate sobre a educação infantil em territórios historicamente marginalizados no campo acadêmico.

 

Palavras-chave: Educação Infantil. Ribeirinha. Saberes ribeirinhos. Práticas pedagógicas. Currículo contextualizado.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Ao pensar a educação infantil ribeirinha, é necessário conhecer sobre o histórico da educação do campo, a educação infantil, os sujeitos ribeirinhos e as possibilidades de educação para eles. A educação do campo ganhou força a partir da década de noventa, através dos movimentos sociais que buscavam uma educação que valorizasse seus conhecimentos e sua luta. Neste contexto, (Arroyo; Caldart; Molina; 2004, p. 12) afirmam que:

 

Aqui se entende por Educação do Campo. Um movimento de ação, intervenção, reflexão, qualificação que tenta dar organicidade e captar, registrar, explicitar e teorizar sobre múltiplos significados históricos, políticos e culturais consequentemente formadores, educativos.

 

A educação do campo é pensada e construídas pelo e com os sujeitos do campo com as especificidades de seus diversos territórios. Tal proposição nos leva a pensar uma educação infantil ribeirinha que valoriza, constrói e reconstrói saberes a partir de suas vivências, baseada na concepção de que a educação infantil entende as crianças como sujeitos produtores de conhecimento.

Segundo Vygotsky (1989), o desenvolvimento é o resultado da interação entre o sujeito e o mundo. Na educação infantil as interações das crianças produzem conhecimentos empíricos que vão sinalizar caminhos para compor planejamentos a serem desenvolvidos nas diversas ambiências de estudo.

No território ribeirinho, os sujeitos têm relações diretas, culturais e sociais com a natureza, mais precisamente com o rio. Porém a falta de políticas públicas que valorizem esses povos, pode levar a desvalorização e perda de conhecimentos tão importantes.

Diante disso, o presente artigo tem como problema de pesquisa a seguinte indagação: como as professoras da educação infantil da Ilha do Combú articulam os saberes empíricos ribeirinhos nas suas práticas pedagógicas? Esta questão guia a análise e a construção teórica do trabalho, com o intuito de compreender como o contexto ribeirinho influencia e é incorporado nas práticas educativas dessas educadoras.

O interesse pela educação infantil ribeirinha surgiu ao atuar em uma escola ribeirinha, e apesar de ser filha de ribeirinhos, não tinha contato com o tipo de educação desenvolvida neste território. As observações aqui apresentadas são oriundas das análises e reflexões de um levantamento bibliográfico sobre educação infantil ribeirinha, estas observações têm como objetivo identificar possíveis lacunas nos estudos sobre o tema para a partir disto, direcionar estudos para uma dissertação de mestrado.

O objetivo geral deste artigo é analisar de que forma as professoras da educação infantil na Ilha do Combú integram os saberes empíricos locais em suas práticas pedagógicas cotidianas. Como objetivos específicos, propomos: (1) identificar quais saberes tradicionais são valorizados no contexto da educação infantil ribeirinha; (2) compreender como esses saberes são incorporados às atividades didáticas; e (3) refletir sobre os desafios enfrentados pelas educadoras ao desenvolver práticas pedagógicas contextualizadas com a realidade local.

Para subsidiar a análise proposta neste trabalho, foi realizado um levantamento bibliográfico exploratório com base em estudos que tratam da educação infantil ribeirinha e do campo, a fim de mapear abordagens já existentes e apoiar a interpretação das observações realizadas em campo. Foram pesquisados os sites Biblioteca Digital de Teses e Dissertações – BDTD, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd e Biblioteca Eletrônica Científica Online – SCIELO, utilizando as seguintes palavras-chaves: “educação infantil ribeirinha” e “educação infantil do campo”.

Além da revisão bibliográfica, o estudo adota uma abordagem qualitativa, com análise de experiências vividas no campo, especialmente observações e relatos oriundos da prática docente na referida comunidade ribeirinha. Esta escolha metodológica permite captar as sutilezas das relações entre o conhecimento tradicional e a prática pedagógica, respeitando os contextos socioculturais locais.

Na ANPED optamos por três grupos: GT07: Educação das crianças de 0 a 6 anos e GT03: Movimentos sociais, sujeitos e processos educativos e GT21: Educação e relações étnico-Raciais. Foram analisadas oito dissertações de mestrado, dois artigos e três resumos expandidos, no período de 2015 a 2016, identificados na tabela a seguir; todos relacionados direto ou indiretamente com o tema em estudo.

 

Quadro 1 – Locais e subtemas associados ao tema Educação infantil ribeirinha

Autor (a)

 

Universidade

Título do Trabalho

Ano

Ana Paula Lima Carvalho de Oliveira

Universidade Federal do Amazonas-UFAM

Os significados construídos pelas crianças da educação infantil ribeirinha de Manaus

2018

Jeyse   Sunaya

Almeida             de

Vasconcelos

Universidade

Federal do Oeste do

Pará – UFOPA

Vivencias de crianças ribeirinhas da Amazônia e seu processo de humanização na creche

2018

Rivanildo Monteiro Coutinho

Universidade

Federal do Oeste do

Pará – UFOPA

O docente masculino de educação infantil na Amazônia: como se percebe e é percebido no espaço escolar de Oriximiná/PA

2019

Yamilli Karen Rodrigues de Pinho da Matta

Universidade Federal do Espírito Santo-UFES

 

As experiências das crianças do campo: um estudo a partir da gramática das culturas da infância 

2019

Welton de Araujo Prata 

 

Universidade Federal do Amazonas-UFAM

O brincar na educação infantil em uma escola do campo no município de Humaitá – AM 

2021

Alexsander Luiz Braga Santa Brigida

 

Universidade Federal do Amazonas-UFAM

Entre os banzeiros do rio negro: os saberes socioculturais no contexto da educação física escolar ribeirinha. 

 

2021

Simone Maria Oriente Vasconcelos 

 

Universidade Federal do Amazonas-UFAM

Práticas pedagógicas no contexto multisseriado da educação infantil em escolas do campo: vila pereira no município de barreirinha – amazonas.

 

2023

Gyane Karol Santana Leal

 Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

 

As vivências das crianças ribeirinhas no transporte escolar fluvial na comunidade do paraná do limão de baixo em Parintins Amazonas-Brasil.

2023

Vinícius Melo de Freitas

 

Universidade Federal do Amazonas-UFAM

Perspectivas teóricas e históricas das diretrizes legais da educação infantil do campo: implicações no contexto amazônico de Parintins.

 

2023

Beatriz Lima Benigno

Simone Maria Oriente Vasconcelos

Zilda Gláucia Elias Franco

Universidade Federal do Amazonas-UFAM

Educação infantil do campo: docência em turmas multisseriadas no interior do Amazonas.

2023

Daniele da Silva Costa

Waldir Ferreira de Abreu

Universidade Federal do Pará-UFPA

Um olhar decolonial nos saberes e práticas educativas de professoras negras ribeirinhas na Amazônia paraense

2023

Alciléa de Souza Fazzi

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

O que o rio me ensinou? narrativas das crianças ribeirinhas da vila de ponta negra – Marajó/PA

2023

Marle parecida Fideles de Oliveira

Vieira Valdete Côco

 

Universidade Federal do Espírito Santo-UFES

Desafios impostos ao trabalho com as crianças sem terrinha no contexto da educação infantil do campo

 

2024

Fonte: elaborado pelas autoras

 

O quadro acima apresenta uma sistematização de produções acadêmicas que abordam a temática da educação infantil ribeirinha e do campo, com destaque para suas especificidades regionais, práticas pedagógicas e os saberes tradicionais das comunidades. O levantamento buscou contemplar pesquisas produzidas em diferentes instituições de ensino superior, sobretudo da região Norte, evidenciando o crescente interesse pelo estudo das infâncias situadas em contextos amazônicos e ribeirinhos.

É possível observar que os trabalhos reúnem uma diversidade de subtemas, como as vivências das crianças, o papel dos professores, as práticas de humanização, o brincar, os desafios da docência em turmas multisseriadas, além de abordagens decoloniais. Essa variedade revela a riqueza das experiências educativas nesses territórios e reforça a necessidade de se compreender a educação infantil para além de modelos urbanos e padronizados, valorizando os contextos socioculturais locais.

A inclusão deste levantamento na introdução do artigo permite apontar caminhos já trilhados por outras pesquisas, além de reforçar a pertinência da investigação proposta. Ao identificar os focos temáticos e lacunas presentes nessas produções, o artigo se justifica como uma proposta que busca contribuir para o aprofundamento das práticas pedagógicas das professoras da Ilha do Combú, em diálogo com os saberes empíricos da comunidade ribeirinha.

 

 

PERCURSOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA

 

A educação do campo tem sua origem na educação rural, cujo objetivo era desvalorizar os sujeitos camponeses, era uma educação pensada completamente sob o olhar a educação urbana e pelas necessidades do mercado de trabalho, acreditando que os camponeses seriam mão de obra barata. No entanto, a partir da década de noventa, os movimentos sociais iniciam um processo de valorização dos povos camponeses, onde acreditavam que os povos do campo necessitavam de uma educação diferenciada que valorizasse as especificidades de cada território. Para Caldart (2012, p. 257):

 

2.1 CAMINHOS DO BARCO DA EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA

A educação do campo tem sua origem na educação rural, cujo o objetivo era desvalorizar os sujeitos camponeses, era uma educação pensada completamente sob o olhar a educação urbana e pelas necessidades do mercado de trabalho, acreditando que os camponeses seriam mão de obra barata. No entanto, a partir da década de noventa, os movimentos sociais iniciam um processo de valorização dos povos camponeses, onde acreditavam que os povos do campo necessitavam de uma educação diferenciada que valorizasse as especificidades de cada território. Para Caldart (2012, p. 257):

 

A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual, protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas. Objetivo e sujeitos a remetem às questões do trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e só embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que têm implicações no projeto de país e de sociedade e nas concepções de política pública.

 

A partir deste entendimento de que a educação para os povos camponeses deveria ser transformada, surge uma intensa luta para que esses povos sejam respeitados e agraciados por políticas públicas e educacionais que valorizassem seus saberes.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96, no se artigo 28, estabelece que, na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino devem promover adaptações para atender às peculiaridades da vida rural e de cada região. Percebe-se que apesar de termos a legislação, ainda precisamos avançar muito para que os direitos dos camponeses sejam garantidos.

As discussões sobre educação infantil ribeirinha ainda são relativamente recentes. Segundo (Silva, 2012, p. 50) a problematização pedagógica e os desafios para a organização de tempos, espaços, materiais e atividades são ainda pouco enfrentados no debate educacional a partir dos bebês e das crianças bem pequenas do campo. Percebeu-se que durante as análises das literaturas, poucos foram os textos encontrados sobre a temática, tendo um número maior de estudos nesta temática, no Estado do Amazonas.

Durante o levantamento realizado, constatou-se que a produção acadêmica sobre educação infantil ribeirinha ainda é bastante incipiente, sobretudo quando se observa a distribuição regional desses estudos. Embora o Brasil possua uma extensa malha de comunidades ribeirinhas, são relativamente poucos os trabalhos que se dedicam de forma específica a compreender as práticas pedagógicas nesses contextos, o que evidencia uma lacuna importante na literatura educacional brasileira. Essa ausência pode estar relacionada tanto à invisibilização histórica dessas comunidades quanto à centralização de recursos e incentivos em regiões urbanas mais consolidadas.

Ao analisar os dados do quadro, nota-se que o Estado do Amazonas concentra a maioria das produções encontradas, com destaque para a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que aparece como a principal instituição fomentadora de pesquisas sobre o tema. Isso demonstra um esforço localizado de valorização e registro das práticas educativas nas comunidades ribeirinhas amazônicas. Em contrapartida, outras regiões com realidades ribeirinhas igualmente ricas e complexas, como o Pará, ainda apresentam uma produção mais tímida, o que reforça a necessidade de ampliar os estudos para outros territórios amazônicos.

Essa constatação justifica e reforça a importância de se desenvolver investigações focadas em localidades menos exploradas, como é o caso da Ilha do Combú, situada no município de Belém do Pará. Ao dar visibilidade às práticas pedagógicas das professoras que atuam nesse contexto específico, o presente artigo busca contribuir para o preenchimento dessa lacuna e ampliar o repertório acadêmico sobre a educação infantil ribeirinha paraense. Trata-se de um movimento necessário para descentralizar a produção de conhecimento e valorizar os saberes empíricos presentes nas múltiplas Amazônias que compõem o território brasileiro.

Cabe também mencionar, após revisão de literatura, a importância do currículo no desenvolvimento das atividades e garantia de direitos da educação infantil ribeirinha. O currículo, quando pensado a partir das especificidades territoriais e culturais, torna-se uma ferramenta essencial para assegurar uma educação que respeite e valorize as experiências das crianças no contexto em que vivem.

No caso das comunidades ribeirinhas, isso significa reconhecer as vivências ligadas ao rio, à floresta, às práticas familiares e aos saberes tradicionais como elementos legítimos no processo de aprendizagem. Assim, o currículo deixa de ser apenas um documento normativo e passa a ser um espaço vivo de negociação entre os conhecimentos escolares e os saberes empíricos locais. Considerar essa perspectiva é fundamental para garantir o direito de uma educação infantil contextualizada, que respeite a identidade cultural das crianças e promova o pertencimento ao território.

 

O currículo deve promover o desenvolvimento de conteúdos escolares que fortalecem os grupos marginalizados social e culturalmente. Essa tentativa representaria para as comunidades ribeirinhas um importante passo no processo de construção de conteúdos e projetos pedagógicos que contemplem a peculiaridade e a diversidade cultural no espaço escolar (Alborado; Vasconcelos, 2015, p. 53).

 

O currículo deve estar intrinsicamente coligado a realidade sociocultural das crianças ribeirinhas, valorizando seus territórios, suas vivências e suas histórias de vida, intercalando com os saberes científicos. Nesse sentido, é necessário que ele dialogue com as especificidades locais e promova a valorização da cultura ribeirinha no ambiente escolar.

Como destacam Alborado e Vasconcelos (2015, p. 53), “o currículo deve promover o desenvolvimento de conteúdos escolares que fortalecem os grupos marginalizados social e culturalmente”. Essa perspectiva representa um importante passo para que as comunidades ribeirinhas sejam contempladas em seus direitos, por meio de práticas pedagógicas que respeitem suas singularidades e contribuam para a construção de uma educação mais inclusiva e significativa.

Ao reconhecer as crianças como sujeitos históricos e culturais, o currículo deixa de ser apenas uma diretriz normativa para tornar-se um instrumento de fortalecimento identitário e valorização dos saberes locais. Isso é particularmente importante em territórios ribeirinhos, onde os modos de vida, as experiências com o rio e as práticas tradicionais fazem parte da formação da infância e precisam ser refletidas nas práticas pedagógicas. A escola, nesse contexto, tem o desafio de construir pontes entre o conhecimento científico e os saberes populares.

Dessa forma, a construção de um currículo contextualizado é também uma forma de resistência. Ele contribui para enfrentar a invisibilidade social a que estão submetidas muitas comunidades ribeirinhas e para garantir que suas crianças tenham acesso a uma educação que reconheça, valorize e amplie seus horizontes sem desconsiderar sua origem. É nesse espaço de diálogo entre o local e o universal que se fortalece uma pedagogia comprometida com a justiça social e com a valorização da diversidade.

 

2.2 PRINCIPAIS PORTOS ONDE A EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA ENCOSTA

Para navegar sobre a educação infantil ribeirinha encontramos a teoria marxista (1848) por entender que a educação infantil ribeirinha é oriunda da luta de classes dos movimentos sociais, onde os povos camponeses fazem parte do proletariado e que o poder público faz prevalecer seus interesses econômicos. Seguindo, encontramos também a teoria epistemológica por considerar a cultura e as vivências ribeirinhas como saberes importantes na construção do conhecimento.

          Um autor muito citado nos estudos catalogados e apresentados na tabela apresentada na introdução foi Vygotsky (1989), cuja teoria sociocultural se mostrou fortemente presente nas produções analisadas. Seu pensamento aparece como referência central para compreender como o desenvolvimento cognitivo das crianças está diretamente relacionado às interações sociais e ao contexto cultural em que estão inseridas.

Essa ênfase em Vygotsky (1989) demonstra o esforço das pesquisas em valorizar as experiências vividas pelas crianças em seus territórios, reconhecendo que o aprendizado não ocorre isoladamente, mas é mediado pelas relações com os outros, com o ambiente e com os saberes locais. No contexto da educação infantil ribeirinha, sua abordagem oferece importantes contribuições para pensar práticas pedagógicas que considerem as especificidades socioculturais da infância amazônica.

Miguel Arroyo (2008), citado por defender que a educação deve ser integral, envolvendo o social, a cultura e o cognitivo. Para Arroyo a educação deve dialogar com a realidade dos alunos, respeitando seus contextos de vida e valorizando os saberes que trazem de suas comunidades.

Esse autor também foi identificado em algumas das obras catalogadas na tabela anterior, principalmente em estudos que abordam a educação com uma perspectiva crítica e comprometida com a inclusão social. Sua contribuição reforça a importância de uma escola que não apenas ensina conteúdos, mas reconhece os sujeitos em sua totalidade, promovendo uma formação conectada com os territórios e culturas locais.

Dentre as metodologias, pode-se dizer que a maioria das pesquisas são pesquisas qualitativas que busca investigar através dos contextos sociais, culturais e pessoais no caso da realidade ribeirinha e camponesa. Essa abordagem permite uma compreensão mais profunda das vivências e dos significados atribuídos pelos sujeitos à sua própria realidade. Além disso, valoriza o olhar sensível do pesquisador frente às especificidades do território e às práticas educativas que emergem desses contextos.

Foram realizadas pesquisas de campo que segundo Severino (2016), o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim diretamente observados sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador. Essa característica torna as pesquisas mais autênticas e próximas da realidade estudada, especialmente em contextos como o ribeirinho, onde a vivência cotidiana dos sujeitos é essencial para a compreensão dos processos educativos. Isso garante maior fidelidade à dinâmica sociocultural do território investigado.

A pesquisa de campo, ao se desenvolver no espaço vivido pelas crianças e educadoras ribeirinhas, permite ao pesquisador captar nuances que dificilmente seriam percebidas em estudos puramente teóricos ou distanciados da realidade local. Nesse tipo de investigação, observa-se não apenas o que é dito nos discursos, mas também o que é revelado nos gestos, nos silêncios e nas práticas cotidianas. No caso da educação infantil ribeirinha, isso inclui elementos como a relação com o rio, os modos de organização comunitária, os saberes transmitidos pelas famílias e o papel da escola como ponto de encontro entre o conhecimento tradicional e o conhecimento escolarizado.

Essa imersão no território possibilita a produção de dados ricos e contextualizados, fundamentais para a compreensão das práticas pedagógicas das professoras da educação infantil. Ao observar as rotinas escolares, os materiais utilizados, os espaços onde ocorrem as atividades e os vínculos estabelecidos entre escola, família e comunidade, o pesquisador amplia sua percepção sobre como o ensino se dá na prática. Dessa forma, a pesquisa de campo não apenas informa, mas também transforma o olhar sobre a educação ribeirinha, contribuindo para o fortalecimento de propostas pedagógicas que respeitem e valorizem a cultura local.

A pesquisa etnográfica também se mostrou presente entre os estudos, esta envolve a observação participante do pesquisador, analisando documentos e observações para compreender práticas desenvolvidas. Essa metodologia permite uma aproximação mais profunda com o cotidiano dos sujeitos, favorecendo a interpretação dos significados que eles atribuem às suas ações e interações. No contexto da educação infantil ribeirinha, a etnografia contribui para revelar como os saberes locais são incorporados no ambiente escolar e como as professoras adaptam suas práticas pedagógicas às realidades culturais da comunidade.

No caso das comunidades ribeirinhas, a etnografia se mostra especialmente eficaz por respeitar o tempo e a dinâmica sociocultural local, permitindo que o pesquisador construa uma relação de confiança com os sujeitos envolvidos. Essa proximidade possibilita captar elementos que muitas vezes não são facilmente expressos em entrevistas formais ou questionários, como gestos, rituais, formas de brincar, narrativas orais e vínculos comunitários. Assim, a pesquisa etnográfica não apenas descreve a realidade, mas busca compreendê-la a partir da perspectiva dos próprios sujeitos, valorizando suas vozes e saberes como centrais para a construção do conhecimento científico.

Houve uma pesquisa documental que tem como fontes documentos diversos, escolhidos de acordo com os objetivos do pesquisador, permite acesso a informações estáveis e geralmente é uma pesquisa de baixo custo. Esse tipo de investigação auxilia na compreensão das políticas públicas, diretrizes legais e curriculares que orientam a educação infantil ribeirinha, oferecendo uma base sólida para a análise das práticas observadas no campo.

A partir da análise das metodologias utilizadas nos estudos revisados, percebe-se uma forte valorização das abordagens qualitativas, em especial da pesquisa de campo e da etnografia, que possibilitam uma escuta sensível das comunidades e suas realidades. Essas metodologias são essenciais para captar os saberes empíricos que permeiam o cotidiano das crianças e educadoras, oferecendo um retrato mais fiel das práticas educativas desenvolvidas nos contextos ribeirinhos. Tais abordagens reforçam a importância do envolvimento direto do pesquisador com o território e com os sujeitos investigados.

Nesse sentido, este artigo reforça a urgência de se pensar políticas formativas e curriculares que considerem as especificidades das comunidades ribeirinhas amazônicas, em especial as do Pará, que ainda carecem de maior atenção acadêmica e institucional. A Ilha do Combú, enquanto território de estudo, representa não apenas um espaço geográfico, mas um campo fértil de saberes, práticas e experiências que precisam ser reconhecidos, sistematizados e valorizados. Ao propor uma escuta atenta às professoras que atuam nessa localidade, abre-se caminho para um diálogo necessário entre os saberes tradicionais e os conhecimentos científicos, fortalecendo uma pedagogia verdadeiramente emancipadora e contextualizada.

E por fim, encontramos o estudo de caso que se caracteriza por ser uma pesquisa que utiliza apenas um objeto de pesquisa, tendo uma compreensão aprofundado do objeto. Essa abordagem permite uma análise minuciosa da realidade investigada, oferecendo subsídios concretos para compreender como os saberes empíricos se manifestam nas práticas pedagógicas. No contexto ribeirinho, o estudo de caso possibilita identificar particularidades locais que muitas vezes passam despercebidas em estudos mais generalistas.

Ao considerar essas metodologias, observa-se que há um esforço crescente em registrar e analisar as práticas educativas nas comunidades ribeirinhas a partir de suas próprias dinâmicas. No entanto, apesar desse avanço, os estudos ainda se concentram majoritariamente em determinadas regiões, como o estado do Amazonas, deixando outras áreas amazônicas, como o Pará, em segundo plano. Isso evidencia uma lacuna geográfica e epistemológica na produção acadêmica, o que torna ainda mais relevante o presente estudo voltado à Ilha do Combú.

Dessa forma, a escolha pelo estudo de caso como abordagem futura, aliada a uma perspectiva etnográfica, mostra-se estratégica para aprofundar a compreensão das práticas pedagógicas desenvolvidas por professoras da Ilha do Combú. Essa decisão metodológica permitirá não apenas dar visibilidade às experiências locais, mas também contribuir para a construção de um referencial teórico-prático que dialogue com as especificidades do território. Ao reconhecer o valor dos saberes empíricos na educação infantil ribeirinha, abre-se caminho para práticas pedagógicas mais sensíveis, contextualizadas e transformadoras.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este artigo teve como objetivo analisar de que forma as professoras da educação infantil da Ilha do Combú integram os saberes empíricos locais em suas práticas pedagógicas cotidianas. A partir de uma abordagem qualitativa, com base em observações de campo e levantamento bibliográfico, foi possível compreender que, embora haja um esforço por parte das educadoras em valorizar os conhecimentos tradicionais das crianças ribeirinhas, ainda existem desafios estruturais, curriculares e formativos que limitam a efetivação de uma pedagogia verdadeiramente contextualizada e sensível às especificidades culturais da comunidade.

Os principais resultados evidenciam que práticas pedagógicas baseadas nas vivências das crianças, nas relações com o rio e nas tradições familiares são fundamentais para promover um processo de ensino-aprendizagem significativo. No entanto, também se constatou uma lacuna importante: a escassez de políticas públicas específicas para a formação continuada de professores em contextos ribeirinhos, bem como a ausência de materiais didáticos que dialoguem diretamente com a realidade amazônica.

Diante disso, a presente pesquisa aponta a necessidade de aprofundar os estudos sobre o currículo da educação infantil ribeirinha no Pará, lacuna que será explorada na proposta de dissertação de mestrado, visando fortalecer práticas educativas enraizadas nos saberes locais.

Ao longo destas análises, foi possível compreender que a educação infantil ribeirinha perpassa pela legislação, gestão pública, infraestrutura e currículo apropriados para o desenvolvimento das práticas pedagógicas deste público. Esses elementos são interdependentes e fundamentais para garantir uma educação de qualidade, que respeite as especificidades territoriais e culturais das comunidades ribeirinhas. Sem o devido investimento e reconhecimento institucional, as professoras continuam a atuar de forma isolada, enfrentando desafios estruturais e pedagógicos com poucos recursos.

Compreender a complexidade que envolve a educação infantil ribeirinha é também reconhecer o papel central das educadoras que, mesmo diante das adversidades, constroem cotidianamente práticas significativas. Suas ações refletem saberes que emergem do contato direto com o território, com as famílias e com as crianças, e por isso merecem ser sistematizadas, valorizadas e divulgadas. O presente estudo busca justamente contribuir para essa valorização, abrindo caminhos para que novas pesquisas aprofundem as relações entre currículo, formação docente e os saberes empíricos que compõem a infância amazônica.

Este estudo e reflexões de literaturas sobre educação infantil ribeirinha proporcionou ter mais conhecimento sobre o tema. No entanto percebeu-se que as políticas públicas para este contexto até existem, mas precisam ser realizadas e garantidas pelo poder público. É necessário que essas políticas não fiquem apenas no plano legal, mas se concretizem em ações efetivas que impactem diretamente a realidade das escolas e das comunidades ribeirinhas.

A ausência de investimentos contínuos e de uma escuta ativa dos sujeitos envolvidos no processo educativo ainda constitui um obstáculo para o avanço da educação infantil em territórios amazônicos. Diante disso, torna-se fundamental ampliar o diálogo entre universidades, redes de ensino e as comunidades locais, para que as práticas pedagógicas sejam construídas de forma colaborativa e respeitosa às particularidades regionais. Assim, a pesquisa propõe-se a dar continuidade a esse debate, fortalecendo a construção de uma educação mais justa, territorializada e sensível aos saberes das infâncias ribeirinhas.

Os sujeitos ribeirinhos possuem conhecimentos riquíssimos que devem ser respeitados e aproveitados nos espaços escolares de seus territórios. Mas como tudo que diz respeito a educação camponesa, a luta desta classe é o que vai tornar este povo visibilizado e, quem sabe um dia, as escolas do/no campo tenham seus currículos adaptados para sua realidade. Essa adaptação curricular é essencial para garantir uma aprendizagem significativa, que considere a identidade, os modos de vida e os saberes construídos coletivamente ao longo de gerações.

Nesse sentido, a escola precisa deixar de ser um espaço de reprodução de modelos urbanos e assumir o compromisso com a valorização das culturas locais. O fortalecimento da educação infantil ribeirinha passa pelo reconhecimento de que cada território tem sua própria forma de ensinar e aprender, e que isso deve ser refletido nas políticas, nos projetos pedagógicos e na formação docente. O futuro da educação do campo e da floresta depende do quanto estamos dispostos a ouvir, aprender e construir juntos com os povos que historicamente foram silenciados, mas que continuam resistindo com saberes potentes e transformadores.

Valorizar os conhecimentos empíricos dos ribeirinhos é desenvolver uma educação pautada na integridade dos sujeitos do campo, oferecendo uma forma justa e de qualidade da educação. Isso significa reconhecer esses saberes como parte legítima do processo formativo, rompendo com a lógica excludente que marginaliza as culturas não urbanas nos currículos escolares.

Essa valorização exige um esforço coletivo das instâncias educacionais para repensar as práticas pedagógicas à luz das realidades locais. Professores, gestores, formadores e pesquisadores precisam caminhar juntos na construção de propostas que respeitem a diversidade e fortaleçam o pertencimento das crianças aos seus territórios. Quando os saberes do rio, da mata, das marés e dos costumes passam a ser parte do cotidiano escolar, a escola se transforma em um espaço de reconhecimento, identidade e resistência, contribuindo para uma educação mais equitativa e culturalmente significativa.

Durante as análises, observamos que as pesquisas em educação infantil ribeirinha são mais realizadas no estado do Amazonas, revelando uma concentração regional do interesse acadêmico sobre a temática. O que nos deixa surpresos já que no Pará temos várias escolas ribeirinhas que enfrentam desafios semelhantes e abrigam uma riqueza cultural igualmente significativa. Isso evidencia a urgência de ampliar o olhar da pesquisa para outras regiões amazônicas, como o Pará, promovendo visibilidade, reconhecimento e valorização dos saberes locais que ainda permanecem à margem da produção científica nacional.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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SANTA BRIGIDA, Alexsander Luiz Braga. Entre banzeiros do Rio Negro: os saberes socioculturais no contexto da educação física escolar ribeirinha. 2021.

 

SILVA, A. P. S. Educação Infantil do Campo. 1. ed. – São Paulo: Cortez, 2012. – (Coleção Docência em Formação: Educação Infantil/ coordenação Selma Garrido Pimenta).

 

VASCONCELOS, J. S. A. Vivencias de Crianças Ribeirinhas da Amazônia e seu Processo de Humanização na Creche. Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, 2018.

 

VASCONCELOS, Simone Maria Oriente. Práticas pedagógicas no contexto multisseriado da educação infantil do campo: Vila Pereira no Município de Barreirinha – Amazonas. 2023.

 

[1] Mestranda em Ciências da Educação, Pedagoga, E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..

[2] Doutora em Educação, Pedagoga. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..

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