A história da Psicomotricidade e suas aplicações ao desenvolvimento infantil na educação
Naiane Rocha Fernando[1]
Joicilene da Silva Ribeiro[2]
RESUMO:
O presente texto apresenta os resultados de um levantamento bibliográfico que analisou o desenvolvimento do conceito de Psicomotricidade ao longo da história e como se configurou como ferramentada metodológica para a educação de crianças visando o seu desenvolvimento integral. A metodologia desta pesquisa foi realizada através de uma abordagem qualitativa, os procedimentos metodológicos envolveram uma pesquisa bibliográfica para um aprofundamento teórico sobre o tema em estudo dialogando com autores como LE BOULCH (1986); FONSECA (1983): LA PIERRE E AUCOUTURIER (1986) entre outros. A análise de dados adotou como método de interpretação o procedimento descritivo-analítico. Os resultados mostraram a necessidade de utilizar como ferramenta pedagógica a psicomotricidade no desenvolvimento não apenas motor, mas integral da criança.
PALAVRAS-CHAVE: Psicomotricidade. Desenvolvimento Infantil. Educação Infantil.
INTRODUÇÃO
A Educação Infantil é o momento em que o aluno inicia sua fase de aprendizagens de conhecimentos formais, ao chegar no ambiente escolar ele está pronto para receber a novas percepções do meio em que está inserido. Nessa perspectiva, a psicomotricidade permite as primeiras experiências de aprendizado por meio dos estímulos sensoriais motores que promovem uma representação no cérebro da criança chamado conhecimento.
Este estudo é fruto de inquietações sobre a necessidade de conhecer o percurso histórico e teórico do campo da psicomotricidade, com o objetivo de realizar uma análise e gerar discussões sobre o tema, e se justifica pela necessidade de tornar conhecida a importância de sua introdução como ferramenta essencial de aprendizagem. Essa pesquisa buscou promover uma discussão em volta deste tema, para tanto buscamos responder à seguinte problemática: Quais as aplicações da psicomotricidade no desenvolvimento infantil no âmbito escolar?
METODOLOGIA
A metodologia desta pesquisa foi a abordagem qualitativa considerando que os fenômenos estudados carecem de ser compreendidos de forma singular. Pois busca “[...] o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os dados analisados são não- métricos.” (SILVEIRA E CÓRDOVA 2009. p.31)
Para o desenvolvimento desta pesquisa foi realizado estudos de aprofundamento teórico, dialogando com autores como NEGRINI (1987); FONSECA (1983) LE BOULCH (1982); PIAGET (2013) entre outros, para que os conceitos fossem mais bem compreendidos e articulados com a análise dos dados encontrados na pesquisa bibliográfica. A metodologia de análise dos dados foi realizada através do método descritivo-analítico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A etimologia da palavra psicomotricidade tem origem grega psyché, que significa alma, e em latim moto, que significa movimento, em seu sentido real corresponde a um grupo de funções motoras desencadeadas através de atividades psíquicas. Segundo a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP), o termo psicomotricidade apareceu em discursos médicos na área neurológica no final do século XIX, quando constatou-se a existência de graves distúrbios de movimento sem que o cérebro estivesse lesionado ou sem que a lesão fosse visível.
A partir desses estudos foram descobertos vários distúrbios que o sistema anatômico- clínico convencional já não poderia explicar. Visando a necessidade de explicar tais fenômenos patológicos, a psicomotricidade tornou-se um campo de estudo clínico com a finalidade de compreender a origem e tratamento dos problemas relacionados ao movimento.
Inicialmente, psicomotricidade não se aplicava ao campo educacional, pois, era entendida como um método terapêutico para pessoas acometidas de distúrbios motores.
Os estudos sobre a psicomotricidade ganharam visibilidade no século XX, na França. Um dos primeiros autores a abordar a temática foi o neuropsiquiatra Dupré em 1909, que afirma a correlação do corpo com a mente, havendo uma compatibilidade entre os distúrbios motores e anomalias psicológicas. (NEGRINE, 1998).
O conhecimento sobre o corpo humano nos últimos séculos era norteado por uma mecanicidade, compreendido como uma máquina sujeita às leis mecânicas, onde a ideia principal de cuidado com o corpo era a prática de atividade simples como andar, correr, levantar pesos, saltar de acordo com as necessidades de cada indivíduo. O corpo em si tem o seu próprio dinamismo, não deve ser entendido com uma perspectiva cientifica mecânica, mas como um instrumento capaz de permitir percepção dos fenômenos que são compreendidos através do movimento.
A educação física conceitua-se como uma prática corporal mais antiga que a psicomotricidade. Se estrutura em quatro vertentes: a ginástica; dança; o jogo e o desporto, objetivando o preparo do indivíduo para um desenvolvimento competitivo. A psicomotricidade inicialmente adotava uma mesma perspectiva ginástica, porém, em um contexto reeducativo e terapêutico. Os dois campos podem ser confundidos ou comparados por haver algumas semelhanças, mas se contrastam por ter objetivos diferentes (NEGRINE, 1998).
Desde o início, a educação física está associada ao desenvolvimento de habilidades esportivas. O movimento do corpo não se delimita à mecânica, uma vez que o corpo é uma unidade intrínseca para a edificação do eu, capaz de gerar experiências das diversas sensações do mundo.
A explicação do movimento não pode ser satisfeita por uma visão anatômica e mecanicista, dado que se encobre o problema quando se estudam os ossos, as articulações, os músculos e não se abordam o significado do movimento como comportamento, ou seja, como relação consciente e inteligível entre a ação do indivíduo e a situação circunstancial (FONSECA, 1983, p. 08).
Para que a psicomotricidade chegasse a essa definição foi crucial compreender o movimento como uma manifestação vital do ser humano, e suas capacidades motoras não deveriam se enquadrar a uma concepção mecânica ou fisiológica. O movimento humano não poderia se equiparar ao movimento de uma máquina.
La Pierre e Aucouturier (1986) desenvolveu um estudo em adultos e crianças nos raios de uma educação ainda tradicionalista, onde constatou-se que a escola por sua vez formava inadaptados por reprimir o desenvolvimento do potencial de descoberta e criatividade das crianças. A partir disso viu-se então, a oportunidade de direcionar a psicomotricidade a uma nova visão para compreender as pulsões da criança e o quanto é importante para uma reação positiva à educação. Esses estudos fizeram com que La Pierre e Aucouturier fossem considerados excepcionais para a abertura do conceito de psicomotricidade.
A psicomotricidade passou por mudanças até tornar-se uma ferramenta pedagógica muito eficaz para o desenvolvimento integral da criança. Ela coordena a evolução das potencialidades do aluno como se comunicar, relacionar, criar, pensar e superar barreiras da aprendizagem, com os jogos simbólicos, elementos da psicomotricidade, utilizada como ferramenta pedagógica.
O desenvolvimento da criança está interligado ao físico, perceptual, cognitivo, linguagem, personalidade e relacionamentos sociais o que caracteriza sua singularidade, mas o processo de desenvolvimento biológico depende das ações do ambiente e da carga genética que o indivíduo possui (BEE, 2003).
Nesse sentido, compreende-se que o desenvolvimento infantil é resultado da interação dinâmica entre os fatores biológicos e as experiências vividas no ambiente sociocultural. A criança, ao interagir com o meio, internaliza valores, comportamentos e conhecimentos que contribuem para a construção de sua identidade e de suas competências cognitivas. A escola e a família, portanto, tornam-se contextos fundamentais para essa mediação, pois oferecem estímulos, limites e oportunidades de socialização que influenciam diretamente o modo como a criança aprende, sente e se relaciona. Assim, o desenvolvimento é entendido como um processo contínuo de trocas entre o sujeito e o mundo, em que cada nova vivência se soma às anteriores, moldando o ser em sua totalidade.
Cada etapa é marcada pelo comportamento da criança de acordo com a sua maturação, “[...] que aparecerá, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade” (PIAGET, 2013, p. 08). Conforme a criança cresce, a percepção da realidade faz a criança passar de uma etapa para outra até chegar à fase adulta.
De acordo com a teoria piagetiana, o desenvolvimento ocorre em estágios sucessivos, que se constroem por meio da assimilação e da acomodação das experiências vividas. Cada nova etapa representa uma reorganização do pensamento e das estruturas cognitivas, permitindo à criança compreender o mundo de maneira cada vez mais lógica e complexa. Esse processo não é linear nem homogêneo, pois cada criança avança segundo seu ritmo e suas condições socioculturais. Cabe ao educador reconhecer esses estágios e planejar práticas pedagógicas que respeitem as especificidades de cada fase, garantindo que o ensino promova aprendizagens significativas e o pleno desenvolvimento das capacidades intelectuais e afetivas.
Esse processo de evolução acontece não por fatores involuntários, mas, pela ação criada por outros indivíduos que passaram pelo mesmo momento de vida, a família, no qual a criança tem laços afetivos, e principalmente a escola que proporciona aprimoramento desse processo de maturação, potencializando suas competências de aprendizagem.
Nessa perspectiva, o papel da escola ultrapassa a simples transmissão de conhecimentos: ela se torna um espaço de interação e construção coletiva do saber. É nesse ambiente que a criança amplia suas relações sociais, aprende a conviver com as diferenças e desenvolve habilidades de comunicação, cooperação e empatia. A mediação do professor é essencial para transformar as experiências cotidianas em situações de aprendizagem intencional, nas quais o brincar, o diálogo e o movimento se integram ao processo de ensino. Dessa forma, escola e família, em parceria, formam a base do desenvolvimento integral da criança, fortalecendo tanto os aspectos cognitivos quanto os socioemocionais.
Nesse cenário, a psicomotricidade está estritamente ligada ao desenvolvimento da criança, tendo dupla finalidade de assegurar o desenvolvimento funcional e auxiliar em sua afetividade a ampliar e compensar suas relações interpessoais. Só é possível através da ação pedagógica a partir de movimentos espontâneos criado pela criança e supervisionado pelo educador, através de metodologias da Psicomotricidade que usa o movimento humano como ferramenta de educação (LE BOULCH, 1982).
Para promover essa aprendizagem psicomotora, a sala de aula deve dispor de objetos e brinquedos sensoriais que satisfaça as necessidades da criança, pois já está tomando conhecimento do mundo externo. O lúdico proporciona um prazer que corresponde as expectativas e interesses de suas verdadeiras precisões, o espaço deve estar propício para a criança movimentar-se, correr e brincar livremente.
A coordenação psicomotora de cada indivíduo é resultante do desenvolvimento de habilidades que ele adquire na relação espontânea de seu corpo com o mundo dos objetos e com o mundo dos demais. Por outro lado, também é resultante das aprendizagens adquiridas através do treino de habilidades, em que a escola e, mais especificamente, as práticas educativas, tem um valor muito significativo (NEGRINE, 1987, p. 40).
O desenvolvimento psicomotor está ligado a experiências anteriores, e o ambiente influencia nessas evoluções de habilidades. Dependendo desse agente anterior de influência psicomotora implicará na execução das práticas educacionais futuras. Para que a criança passe por esse processo sem grandes obstáculos é importante inicialmente conduzi-la a um processo de manifestação relacional de expressividades com ambientes adequados a essas práticas. A eclosão da psicomotricidade na criança é de cunho natural e espontâneo, as interferências do meio é que conduzirá esse processo com mais facilidade.
A criança precisa sentir-se livre para se movimentar, logo, o educador tem o papel de selecionar os objetos a serem explorados por elas, permitindo uma liberdade que parte do desejo de cada criança, sendo o educador consciente que seu papel é criar um ambiente, observar a desenvoltura da criança e tirar conclusões, para esse processo acontecer espontaneamente, evitando um sentimento autoritário, e favorecendo a autonomia da criança. (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1986).
Com base nessa concepção, a prática psicomotora assume um caráter formativo e humanizador, pois valoriza a liberdade expressiva da criança como condição essencial para seu desenvolvimento integral. O movimento livre e intencional é compreendido como uma forma de linguagem que permite à criança comunicar-se com o mundo, expressar suas emoções e construir significados sobre si mesma e sobre o meio que a cerca. Dessa forma, o papel do educador vai além da instrução: ele se torna mediador e observador sensível, capaz de interpretar gestos, posturas e atitudes corporais como manifestações do processo de aprendizagem e da subjetividade infantil, respeitando o ritmo e as singularidades de cada criança.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) firma como um dos direitos de aprendizagem na Educação Infantil, o direito de brincar, pois o ato de brincar proporciona a criança a ampliação e diversificação da sua imaginação, de seus conhecimentos e produções culturais, a criatividade, a expressividade, experiências emocionais, corporais e sensoriais que resultará no englobamento dos demais direitos, pois a brincadeira coopera em seu desenvolvimento integral (BRASIL, 2017).
Nesse sentido, a BNCC reconhece o brincar como eixo estruturante da prática pedagógica na Educação Infantil, destacando sua função na promoção de aprendizagens significativas e no fortalecimento das competências socioemocionais e cognitivas. O brincar, especialmente quando articulado às práticas psicomotoras, torna-se um instrumento pedagógico de grande relevância, pois favorece a experimentação, a descoberta e a autonomia. Além disso, possibilita à criança vivenciar situações de cooperação, resolução de conflitos e expressão de sentimentos, aspectos essenciais para a formação de sujeitos críticos, criativos e socialmente participativos.
Se o brincar proporciona um apanhado de possibilidades de desenvolvimento, as atividades lúdicas psicomotoras têm muito a fomentar nesse processo, pois oferecem a criança a noção do ambiente criando um contraste entre a realidade e a fantasia, principalmente ao se tratar de jogos de expressão livre que dá a desenvoltura de sua capacidade criadora e a demonstração de sua personalidade.
A experiência corporal proporcionada por essas atividades, devem buscar o aperfeiçoamento de seus movimentos e devem ser valorizadas pelo professor, pois disponibilizar o momento de jogos e brincadeiras lúdicas, é uma tarefa essencial para a sua prática docente (LE BOULCH, 1982).
Como resultado do uso de brincadeiras lúdicas, pode-se adquirir o processo de reconhecimento do corpo através dos movimentos realizados. Por intermédio disso, poderá ser aprimorado a sua estabilidade motora, reconhecendo suas capacidades e suas dificuldades que serão aperfeiçoadas mediante as atividades lúdicas desenvolvida pelos alunos com o acompanhamento do professor. As atividades lúdicas devem considerar os elementos psicomotores que visam contribuir nesse processo de desenvolvimento da criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicomotricidade vai além de uma prática mecanizada, organizada por atividades e práticas propostas de forma funcional. É a ciência que estuda o desenvolvimento do ser humano através dos movimentos realizados desde o início até o final de sua vida, que possibilitam o estímulo da aprendizagem que promove o desenvolvimento motor, cognitivo, psíquico e afetivo. Inicialmente compreendida como uma derivação da Educação Física, foi utilizada somente para métodos terapêuticos, após longos estudos e pesquisas, hoje é considerada como uma prática educacional indissociável da educação de crianças de todas as fases.
Além disso, a psicomotricidade proporciona um espaço privilegiado para o desenvolvimento integral da criança, integrando aspectos motores, emocionais e cognitivos de forma simultânea. Ressalta-se que pesquisas comprovam que atividades psicomotoras contribuem para a melhoria da coordenação, da lateralidade, da percepção espacial e temporal, além de favorecerem a socialização e a autoestima infantil. Quando incorporada de maneira planejada ao cotidiano escolar, não apenas estimula a aquisição de habilidades específicas, mas também promove a construção de aprendizagens significativas, fortalecendo a relação entre corpo e mente e consolidando processos de desenvolvimento de maneira global e equilibrada.
Portanto, conclui-se que a psicomotricidade na educação infantil é primordial para um incremento na prática docente e uma contribuição grandiosa na educação da criança na pequena infância, apesar dos inúmeros desafios presentes, deve-se buscar esse aprimoramento para alcançar os objetivos propostos na educação.
REFERÊNCIAS
BEE, Helen. A Criança em Desenvolvimento. Artmed. Porto Alegre, RS, 2003.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. BNCC. MEC. Brasília, DF. 2017.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade. Martins Fontes Editora. São Paulo, 1983.
LAPIERRE, Andre; AUCOUTURIER, Bernard. A Simbologia do Movimento: psicomotricidade e educação. Artes Médicas. Porto Alegre, 1986.
LE BOULCH, Jean. O Desenvolvimento Psicomotor: do nascimento até 6 anos: a psicocenética na idade pré-escolar. Artes Médicas. Porto Alegre, 1982.
NEGRINE, Airton. Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil: psicomotricidade: alternativas pedagógicas. vol.3. Edit. Porto Alegre, 1998.
NEGRINE, Airton. A Coordenação Psicomotora e Suas Implicações. Pallotti. Porto Alegre, 1987.
PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. 25ª ed. Forense Universitária. Rio de Janeiro 2013.
SILVEIRA Denise Tolfo. CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. A Pesquisa Cientifica. p.31-42. 2009.
[1] Docente Pedagoga em Município de Sinop. Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia – FAI, Especialista em Gestão e Planejamento da Educação – UFPA Campus Cametá. Pós-Graduanda no Curso de Especialização em Educação Especial e Inclusiva – IFPA Campus Itaituba. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
[2] Docente Pedagoga em Município de Sinop. Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia – FAI, Graduada em Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa – Centro Universitário ETEP. Especialista em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção) -FAVENI, Especialista em Docência no Ensino Superior – FAVENI. Pós-graduanda no Curso Especialização em Atendimento Educacional Especializado com ênfase em educação especial e inclusiva - Centro Universitário ETEP. O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.