Políticas públicas educacionais de alfabetização no Brasil: tendências, desafios, potencialidades para a transformação educacional ( 2017-2024)
Elba Lorena Rodrigues Dias[1]
Sandra Karina Mendes do Vale[2]
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar as políticas públicas educacionais de alfabetização no Brasil, a partir de uma revisão de literatura dos estudos publicados entre 2017 e 2024. Busca-se identificar as principais tendências de pesquisa, os subtemas associados ao debate sobre alfabetização, as teorias predominantes e as lacunas existentes no campo. Para isso, a pesquisa adotou uma metodologia de revisão de literatura, com seleção de artigos acadêmicos e dissertações das plataformas da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e da scielo. Os resultados indicaram que as políticas públicas educacionais de alfabetização têm gerado avanços significativos, mas os desafios persistem, especialmente nas regiões mais vulneráveis do Brasil. A desigualdade social, a infraestrutura inadequada, a formação docente insuficiente e a falta de continuidade nas políticas públicas são fatores que dificultam a eficácia das ações implementadas. Além disso, foi possível perceber que a alfabetização é tratada, em grande parte, como uma habilidade técnica, sem considerar plenamente seu caráter humano, social e cultural. Diante disto conclui-se que a integração entre políticas públicas e alfabetização deve ser entendida como uma ferramenta para a transformação social. As políticas educacionais precisam ser mais do que textos normativos, devendo ser ajustadas para responder de maneira mais adequada às realidades locais e às demandas de uma educação inclusiva. Concluímos que a formação contínua dos professores e a adaptação das metodologias pedagógicas às especificidades de cada contexto são fundamentais para garantir o sucesso dos programas de alfabetização e, consequentemente, o desenvolvimento pleno dos estudantes.
Palavras-Chave: Políticas públicas educacionais. Alfabetização. Formação docente. Transformação educacional.
INTRODUÇÃO
A implementação adequada de políticas públicas educacionais é essencial para garantir que todas as crianças tenham acesso à educação de qualidade e, consequentemente, ao domínio das habilidades básicas de leitura e escrita. Considerando a relevância deste tema no contexto educacional brasileiro, o presente artigo de revisão tem como objetivo analisar as políticas públicas educacionais de alfabetização no Brasil, a partir de uma revisão de literatura baseada em estudos publicados entre 2017 e 2024. A pesquisa busca identificar as principais tendências de pesquisa, os subtemas associados, as teorias predominantes e as lacunas existentes neste campo de estudo.
O objetivo geral deste estudo é realizar uma análise aprofundada sobre as políticas públicas de alfabetização, com base nas produções acadêmicas mais recentes, abordando as abordagens teóricas e metodológicas predominantes, bem como as principais implicações dessas políticas para o processo de alfabetização no país. Para atingir este objetivo, será realizada uma revisão bibliográfica, com a coleta de dados provenientes de periódicos e artigos científicos publicados nas plataformas SCIELO (Scientific Electronic Library Online) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Além do objetivo geral, este artigo estabelece os seguintes objetivos específicos: a) mapear as tendências de pesquisa sobre políticas públicas educacionais de alfabetização no Brasil, identificando as áreas do conhecimento que mais investigam o tema, os programas de pesquisa que o abordam e a distribuição geográfica das produções acadêmicas, b) explicitar os subtemas associados ao debate sobre alfabetização no Brasil, analisando como diferentes enfoques e problemáticas são abordados nas pesquisas revisadas e c) identificar as principais teorias e epistemologias que fundamentam os estudos sobre políticas públicas de alfabetização, destacando os teóricos mais acionados, as metodologias predominantes, os resultados obtidos e as lacunas indicadas nas pesquisas revisadas.
A metodologia adotada para a realização deste estudo envolve uma análise sistemática e crítica de livros, artigos acadêmicos, teses e dissertações publicadas entre 2017 e 2024, com foco nas produções que abordam as políticas públicas de alfabetização e sua implementação. O referencial teórico para esta revisão se apoia nas principais teorias educacionais que discutem a alfabetização, as políticas públicas de ensino e os desafios enfrentados pelo Brasil para garantir a universalização da educação e a formação plena de leitores e escritores desde as primeiras etapas da escolarização.
Ao longo do artigo, serão discutidos os principais achados da revisão de literatura, destacando as tendências e os desafios identificados nas produções acadêmicas. Além disso, será apresentada uma análise crítica sobre as lacunas no campo, sugerindo áreas que necessitam de mais investigação e reflexão, a fim de aprimorar as políticas públicas de alfabetização no Brasil. Espera-se que este estudo contribua para o avanço do conhecimento sobre as políticas públicas educacionais no país e ofereça subsídios para que estudiosos e profissionais da educação possam aprimorar as práticas pedagógicas voltadas para a alfabetização de crianças em todo o território nacional.
METODOLOGIA
Este estudo configura-se como uma investigação fundamentada em revisão de literatura, a qual se distingue da pesquisa bibliográfica tradicional. Segundo Echer (2001, p. 6), “a revisão de literatura é imprescindível para a elaboração de um trabalho científico. [...] Na elaboração do trabalho científico é preciso ter uma ideia clara do problema a ser resolvido e, para que ocorra esta clareza, a revisão de literatura é fundamental.” Dessa forma, a revisão de literatura constitui uma etapa essencial na estruturação de uma pesquisa acadêmica, uma vez que subsidia tanto a construção teórica quanto a definição metodológica do estudo.
Conforme argumentado por Echer (2001), essa etapa tem como finalidade primordial a análise crítica e a síntese das produções científicas existentes sobre o objeto de estudo, permitindo, além disso, a identificação de lacunas no conhecimento que poderão ser abordadas pela pesquisa em desenvolvimento. Dessa maneira, a revisão de literatura possibilita situar o estudo dentro de um escopo mais amplo, favorecendo uma compreensão aprofundada das temáticas envolvidas e contribuindo para a delimitação precisa do problema de pesquisa.
Ainda de acordo com a autora, essa atividade requer um olhar crítico e analítico, ultrapassando a mera catalogação de obras para promover uma integração reflexiva dos referenciais teóricos. Assim, a revisão de literatura não apenas fundamenta o estudo, mas também sustenta a formulação de hipóteses e a estruturação dos objetivos de investigação. Nesse sentido, assume um papel central na consolidação da pesquisa, sendo indispensável para a construção de um trabalho acadêmico rigoroso e de qualidade.
No que tange à metodologia adotada, a revisão de literatura neste estudo pautou-se em um levantamento sistemático realizado na base de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). O foco esteve na seleção de artigos científicos e dissertações que abordam as políticas de alfabetização no Brasil, permitindo a construção de um panorama atualizado sobre o tema.
A etapa de busca foi conduzida em duas plataformas acadêmicas de ampla relevância, a saber, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e o site da SciELO. Inicialmente, na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, empregou-se o descritor “Políticas Públicas Educacionais de Alfabetização no Brasil”, resultando na identificação de 411 trabalhos acadêmicos relacionados ao tema. Para garantir um recorte mais atual e pertinente à pesquisa, foi aplicado o filtro temporal, selecionando apenas estudos publicados entre os anos de 2017 a 2024, o que reduziu o número de trabalhos para 219. Dentre esses, priorizou-se os cinco primeiros que apresentavam versões completas em formato PDF e estavam disponíveis para download, assegurando o acesso integral ao conteúdo para análise mais aprofundada.
No site da SciELO, a mesma busca inicial com o descritor “Políticas Públicas Educacionais de Alfabetização no Brasil” resultou em apenas um arquivo, publicado em 2001, que se encontrava fora do recorte temporal estabelecido. Diante disso, foi adotado um novo descritor, “Políticas de Alfabetização”, permitindo ampliar a busca e identificar um total de oito estudos. Para manter a coerência metodológica e garantir a atualidade das informações, aplicou-se novamente o filtro temporal, restringindo a seleção a trabalhos publicados entre 2017 e 2024, o que resultou em seis artigos. Destes, foram selecionados cinco, para análises conforme critérios de relevância e disponibilidade, permitindo uma seleção mais criteriosa para a fundamentação teórica da pesquisa.
A partir do processo de busca, selecionou-se um total de 10 (dez) trabalhos (05 artigos, 05 dissertações), os quais seguem distribuídos no quadro 01, a seguir:
Quadro 1. Produções acadêmicas encontradas
Fonte: elaborado pelas autoras.
Os estudos apresentados no Quadro 01, que versam sobre as políticas de alfabetização no Brasil, foram integralmente analisados a partir do download e exame detalhado de seus resumos. Inicialmente, priorizou-se a leitura criteriosa dessas seções, permitindo a extração sistemática das principais informações, que foram organizadas em uma tabela enunciativa. Essa estrutura contemplou dados essenciais, tais como os primeiros estudos sobre a temática, local de realização, enfoques temáticos, metodologias adotadas, base epistêmica, principais achados e lacunas identificadas na literatura. A organização desses elementos possibilitou uma visão panorâmica das pesquisas, favorecendo uma análise comparativa e a identificação de padrões e tendências nos estudos selecionados.
Na etapa subsequente, procedeu-se à categorização dos trabalhos, conforme critérios previamente definidos pelos pesquisadores. A classificação foi realizada com base em características comuns, agrupando os estudos de acordo com abordagens metodológicas, perspectivas teóricas e objetos de investigação. Esse processo analítico permitiu aprofundar a compreensão das políticas de alfabetização no Brasil, destacando suas implicações teóricas e práticas. Nesse sentido, Bardin (2016) enfatiza que a categorização transcende a mera organização dos elementos, promovendo uma análise que contempla suas inter-relações e significados subjacentes.
A operacionalização da categorização[3] fundamentou-se na técnica proposta por Bardin (2016, p. 145), a qual consiste em “uma operação de classificação de elementos em um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos”. No âmbito desta pesquisa, essa técnica permitiu a distinção e a reorganização dos dados coletados, considerando diferentes dimensões, tais como diretrizes governamentais, implementação de programas de alfabetização, impactos no desempenho discente e desafios enfrentados na materialização das políticas públicas educacionais.
A partir das categorias estabelecidas, estruturou-se a análise dos resultados, possibilitando um exame integrado das contribuições de cada estudo. Essa abordagem favorece um diálogo entre diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, promovendo uma compreensão ampliada sobre os desafios e avanços das políticas de alfabetização no Brasil. Dessa maneira, este artigo não apenas sistematiza as evidências empíricas e teóricas levantadas, mas também propõe uma reflexão crítica sobre os rumos da alfabetização no país, identificando aspectos que demandam maior aprofundamento nas pesquisas futuras.
HISTÓRICO DAS PESQUISAS SOBRE O TEMA
O conceito de letramento surge nos anos 1980, inserido no contexto das políticas curriculares de alfabetização no Brasil, e embora tenha se expandido para diversas áreas das ciências humanas, sua repercussão é mais significativa nos estudos da linguagem e da educação. A importância do histórico das pesquisas sobre o letramento reside na compreensão de sua evolução, o que permite compreender as diferentes interpretações e abordagens adotadas ao longo do tempo. Inicialmente, o letramento foi visto como um fenômeno de aquisição individual, mais restrito ao domínio da leitura e escrita, mas com o tempo, passou a ser entendido de forma mais ampla, como algo ligado às práticas sociais da escrita, com implicações para as políticas educacionais e curriculares.
As primeiras discussões significativas sobre o tema no Brasil ocorreram nas décadas de 1980 e 1990, quando as pesquisas começaram a se expandir e se consolidar. Durante este período, o campo do letramento foi sendo delimitado a partir da comparação com a alfabetização. Magda Soares (2020), uma das principais autoras a abordar o conceito de letramento, define a alfabetização como a capacidade de ler e escrever, enquanto o letramento seria a apropriação das práticas sociais da leitura e da escrita, destacando a necessidade de se pensar a alfabetização em termos das práticas sociais e culturais envolvidas. A autora propôs a indissociabilidade entre alfabetização e letramento, defendendo a ideia de "alfabetizar letrando", isto é, o processo de alfabetização deveria envolver práticas de leitura e escrita como parte do contexto social e cultural do indivíduo.
Ao longo da década de 1980, surgiram também os New Literacy Studies, que apresentaram uma nova abordagem teórica sobre o letramento. Essa perspectiva sociocultural, defendida por Brian Street (1984), contrastava com as abordagens anteriores, que viam o letramento de forma hierarquizada, separando claramente os letrados dos iletrados. A nova abordagem ressaltava a multiplicidade das práticas de letramento, considerando-as não como habilidades universais, mas como práticas sociais situadas, interacionais e profundamente influenciadas pelas relações de poder nas sociedades. No Brasil, os estudos de Street e Heath foram retomados por autores como Angela Kleiman (1995), que destacou as condições de uso da escrita em grupos minoritários, reafirmando a visão de que o letramento deve ser visto como um conjunto de práticas sociais, vinculadas aos contextos específicos em que são realizadas.
A partir dos anos 2000, o conceito de letramento se consolidou nas políticas curriculares, com destaque para o Programa Pró-Letramento, lançado em 2005, que introduziu cursos de formação continuada para alfabetizadores. No material desse programa, o letramento foi tratado como um fenômeno absoluto, passível de ser descrito e organizado. Em 2015, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) também colocou em evidência a importância do letramento nas Diretrizes Curriculares Nacionais, ressaltando a necessidade de ampliação e aprofundamento das práticas de letramento no Ciclo de Alfabetização, especialmente no que se refere à inclusão e à diversidade, refletindo uma crescente ênfase no ensino das práticas de leitura e escrita como elementos centrais da formação educacional.
As pesquisas sobre o letramento no Brasil têm sido influenciadas por uma série de abordagens e teorias, com destaque para os estudos socioculturais e os New Literacy Studies, que desafiavam visões mais tradicionais sobre a alfabetização. Essas abordagens enfatizam a ideia de que o letramento é um fenômeno dinâmico, situado e condicionado pelas relações sociais e de poder. A contribuição de estudiosos como Magda Soares, Brian Street, e Angela Kleiman, entre outros, foi fundamental para a evolução das práticas educacionais, que passaram a reconhecer o letramento como um processo social e cultural, e não apenas como uma habilidade técnica a ser adquirida por meio da escolarização.
Entretanto, as pesquisas sobre letramento ainda enfrentam lacunas e desafios, especialmente no que se refere à implementação efetiva de práticas de letramento que atendam às diversidades culturais e sociais dos estudantes, particularmente em contextos de desigualdade. Apesar dos avanços, ainda existem desafios significativos no desenvolvimento de políticas educacionais que realmente integrem e valorizem o letramento como uma prática social, considerando as condições locais e as diferentes realidades dos alunos. Além disso, há uma necessidade contínua de investigação sobre as práticas de letramento em contextos específicos, como as escolas de áreas rurais, periféricas e comunidades minoritárias.
Assim, nota-se que a história das pesquisas sobre o letramento no Brasil revela a evolução do conceito, desde uma abordagem centrada nas habilidades individuais de leitura e escrita até uma compreensão mais ampla e integrada das práticas sociais envolvidas no processo de letramento. A continuidade das pesquisas é essencial para resolver as lacunas ainda existentes, aprimorar as políticas públicas e garantir uma educação que reconheça e valorize a diversidade das práticas de letramento. A reflexão contínua sobre o tema será fundamental para o avanço da educação e para a criação de práticas pedagógicas cada vez mais inclusivas e eficazes.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS PESQUISAS: INSTITUIÇÕES E REGIÕES DE MAIOR PRODUÇÃO ACADÊMICA
Na análise dos trabalhos foi possível observar que a distribuição geográfica das pesquisas sobre o tema revela uma concentração significativa em várias regiões do Brasil, com predominância no Sudeste, e uma presença relevante de outras áreas do país. Conforme verifica-se no gráfico 01, a seguir:
Fonte: elaborado pelas autoras.
Observa-se que a maior concentração de publicações sobre o tema está na região Sudeste, com destaque para o Rio de Janeiro e São Paulo, que juntas somam 27% da produção acadêmica. Essas regiões apresentam uma infraestrutura de pesquisa consolidada e um apoio significativo tanto do setor público quanto privado, o que contribui diretamente para o volume de produção. Campinas, no interior de São Paulo, também se destaca, refletindo o forte investimento em educação e pesquisa que a cidade e a universidade recebem.
Outras regiões, como o Sul (Cascavel) e o Centro-Oeste (Dourados), apresentam uma contribuição menor, porém significativa, com 6% cada. O Espírito Santo e Maceió, no Nordeste, também têm presença importante, somando 14% da produção, com a UFES e a UFAL respectivamente.
Contudo, embora a produção acadêmica no Brasil sobre o tema seja considerável, algumas regiões do país apresentam uma menor concentração de estudos, especialmente no Norte e no Nordeste, onde não foram encontradas publicações relevantes de regiões como a Amazônia, com exceção do trabalho desenvolvido em Maceió, e em estados do Norte, como Acre, Rondônia e Roraima. Além disso, algumas áreas do Centro-Oeste, fora de Dourados, ainda carecem de maior incentivo para pesquisa na área de transtornos de aprendizagem.
A baixa visibilidade de pesquisas nestas regiões, podem ser explicadas pela falta de infraestrutura e investimentos direcionados para as universidades e centros de pesquisa localizados nessas regiões. Assim, é fundamental que políticas públicas de fomento à pesquisa acadêmica, bem como incentivos para o desenvolvimento de estudos na área de educação e transtornos de aprendizagem, sejam ampliadas e distribuídas de forma mais equitativa por todo o território nacional.
SUBTEMAS CORRELATOS E ABORDAGENS COMPLEMENTARES
No que se refere aos subtemas correlatos, observou-se um aprofundamento nas temáticas que ampliam a compreensão das políticas e práticas de alfabetização e que de modo especial possuem uma visão mais ampla e multidimensional das políticas educacionais, evidenciando como as políticas públicas, a formação de professores e as estratégias pedagógicas, interagem e se influenciam mutuamente. Os principais subtemas tratados são:
Quadro 02 – Subtemas tratados nos estudos
Fonte: elaborado pelas autoras.
No que se refere ao subtema “Políticas públicas de alfabetização” Hora (2023) discute os direitos das crianças e o acesso à educação, enfatizando o financiamento educacional como um fator decisivo para a implementação dessas políticas. A análise mostra como as políticas de financiamento afetam a equidade no acesso à educação de qualidade, sendo essencial para a universalização do ensino e a melhoria dos índices de alfabetização no país. Gontijo (2024) por sua vez, aborda as políticas internacionais de alfabetização, especialmente no contexto da Unesco, e as mudanças no conceito de alfabetização ao longo do tempo. A comparação entre as políticas globais e nacionais de alfabetização evidencia como as diretrizes internacionais influenciam e moldam as práticas no Brasil.
Santos e Santos (2024) investigam a Política Nacional de Alfabetização (PNA), destacando o papel da formação continuada de professores e a adoção de métodos específicos de alfabetização. O estudo aponta a relevância de políticas públicas que integrem a formação docente com práticas pedagógicas baseadas em evidências. Costa (2021) analisa as Políticas Públicas de Alfabetização no Brasil, com foco no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e na Política Nacional de Alfabetização (PNA). A pesquisa discute as semelhanças e diferenças entre essas duas iniciativas, além de seus impactos no cenário educacional brasileiro.
Ao tratarem do subtema “Concepções e métodos de alfabetização”, Santos e Santos (2024) investigam os métodos adotados pela Política Nacional de Alfabetização, criticando a uniformização do ensino e destacando a importância de práticas que considerem a diversidade das realidades escolares. Já Teixeira (2021) foca na análise dos discursos de alfabetização presentes na PNA, destacando como os discursos oficiais moldam as práticas de ensino e a formação dos profissionais da educação. Os trabalhos evidenciam o papel das estratégias pedagógicas que buscam estabelecer uma abordagem uniforme para a alfabetização, centrada principalmente no método fônico.
Sobre o subtema “Impactos das políticas na formação de professores”, Bolina (2020) e Cock & Ramos (2024) exploram como as políticas públicas de alfabetização e letramento impactam a formação dos educadores. Ambos os estudos discutem os desafios enfrentados pelos professores no processo de implementação dessas políticas, destacando a influência das políticas de alfabetização na prática pedagógica e na formação contínua de educadores. Queiroz (2023) investiga o Programa Mais Alfabetização e os desafios, adaptações e problemas enfrentados pelos profissionais da linha de frente, como professores e gestores. A análise revela como a implementação do programa interfere diretamente nas práticas pedagógicas e nas concepções de alfabetização dos profissionais envolvidos.
No que tange ao subtema “Letramento e currículo”, Rangel (2024) aborda os sentidos do letramento nas políticas curriculares de alfabetização, com ênfase na representação do conceito de letramento na Política Nacional de Alfabetização (PNA). Este estudo propõe uma reflexão crítica sobre a centralização do letramento como um objetivo central das políticas curriculares, questionando suas implicações para a diversidade das práticas educacionais. Garcia (2021) investiga as concepções dos programas de alfabetização do governo federal e seus impactos nas políticas públicas de alfabetização, destacando como a definição de letramento e alfabetização influencia diretamente as práticas pedagógicas e a estrutura curricular.
Por fim, em relação ao subtema “Relação universidade-escola e formação docente”, Cock & Ramos (2024) discutem a interação entre universidades e escolas na execução dos programas PIBID e PNAIC. Eles enfocam como a formação inicial e continuada de professores se conecta com as políticas educacionais, analisando como essa relação pode fortalecer ou enfraquecer a implementação das políticas de alfabetização nas escolas públicas.
REFERENCIAIS TEÓRICOS FUNDAMENTAIS E PRINCIPAIS AUTORES
Alinhados ao campo da educação, os referenciais teóricos utilizados nas investigações sobre a alfabetização, letramento e políticas educacionais, nas diversas perspectivas abordadas neste estudo, estão fortemente ancorados em importantes contribuições da literatura acadêmica e das ciências sociais.
Um dos principais teóricos que permeiam os estudos aqui discutidos é Mikhail Bakhtin, cujas ideias acerca da linguagem e do discurso foram amplamente adotadas para analisar os processos de comunicação e as interações entre sujeitos em contextos educativos. A contribuição de Bakhtin sobre o conceito de "enunciado", em que se destaca a ideia de que o discurso nunca é um ato isolado, mas sempre parte de uma rede dialógica e responsiva de enunciados anteriores e posteriores, tem sido central para a análise das práticas educacionais (Bakhtin, 2011; 2017).
No campo da alfabetização e do letramento, Bakhtin oferece um referencial poderoso para compreender como os discursos educacionais se constroem, como são ressignificados e como eles influenciam as práticas de ensino e aprendizagem, ao considerar a polifonia presente nos textos e nas interações sociais. A abordagem bakhtiniana, portanto, interage de forma fluida com os discursos presentes nas políticas educacionais, permitindo uma análise que vai além do conteúdo, focando também nas relações sociais e nos contextos de poder que envolvem o processo educativo.
Santos e Santos (2024), ao aplicarem a Análise Dialógica Discursiva (ADD), utilizam o conceito de polifonia de Bakhtin para analisar como os enunciados presentes nos livros didáticos e outros materiais pedagógicos refletem os discursos oficiais e as práticas de alfabetização. A ADD permite perceber como as diferentes vozes presentes no texto pedagógico interagem e são ressignificadas pelos sujeitos que o utilizam, ampliando a compreensão sobre como os discursos sobre educação são construídos e como se refletem nas práticas de ensino.
Além disso, a dialética do discurso de Bakhtin, que considera a linguagem como uma prática socialmente construída e permeada por relações de poder, dialoga diretamente com as propostas pedagógicas de transformação social de autores como Paulo Freire, que também reconhecem a importância do contexto social e histórico na formação do indivíduo. Ambos os teóricos ressaltam a centralidade do discurso na construção de saberes e nas relações de ensino-aprendizagem, sendo Bakhtin um referencial valioso para compreender as dinâmicas interativas nas salas de aula.
A pedagogia freiriana, com ênfase na "atitude responsiva" e no processo de "ser mais", é um dos pilares do desenvolvimento das práticas educativas no Brasil e fora dele. Freire (1987, 1996) propõe uma educação que transcende a simples aquisição de conhecimentos, buscando a solidariedade, a comunhão e a transformação social por meio da educação. O conceito do "ser mais", que Freire enfatiza, se alinha com a proposta de uma educação libertadora, que desafia os indivíduos a questionarem as estruturas de opressão e a tomarem um papel ativo na sua formação e no seu processo de aprendizagem. Esse conceito é relevante para a compreensão das práticas pedagógicas que buscam promover um espaço educativo mais inclusivo e transformador, alinhado com os direitos e as necessidades das crianças e dos jovens.
A concepção de "ser mais", que se refere ao desenvolvimento da consciência crítica e da autonomia do aluno, foi adotada por Rangel (2024), reconhecendo a importância de se ir além da simples aprendizagem da leitura e da escrita, visando o empoderamento dos alunos para que possam utilizar esses conhecimentos de maneira crítica e consciente em seu contexto social.
No campo das concepções de infância e de crianças, estudos como os de Ariés (1986), Sarmento (2005), Corsaro (2011), e Lopes (2006, 2008, 2018) são essenciais para entender as transformações históricas nas representações sociais da infância e como essas mudanças impactam as práticas pedagógicas. Ariés, por exemplo, destaca a ideia de que a infância, como um conceito socialmente construído, tem uma história que se configura e se reconfigura ao longo do tempo. Esses estudos fornecem uma base teórica sólida para se compreender as diversas formas de interação entre crianças e educadores, considerando as dinâmicas sociais, culturais e históricas que moldam a infância, em sua diversidade e pluralidade. Esse entendimento sobre a criança como um ser social ativo e plural se relaciona com a proposta de educação inclusiva e de respeito às diferenças, que permeia os textos de Rangel (2024), ao abordar o letramento de forma inclusiva e atenta às especificidades dos alunos.
Autores como Santos e Santos (2024) e Brait (2006) fornecem as bases para a aplicação da Análise Dialógica Discursiva (ADD) na análise das práticas de alfabetização. A ADD, fundamentada nas ideias de Bakhtin, trata da análise de enunciados concretos e das materialidades discursivas presentes em documentos educacionais, como os livros didáticos e os materiais de orientação pedagógica, e busca entender as relações entre as práticas de alfabetização e os discursos que circulam no espaço educacional. Santos e Santos (2024), ao se basearem nos documentos "Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador" e "Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades", utilizam a ADD para investigar como os enunciados nesses materiais refletem as políticas educacionais e como elas dialogam com as abordagens pedagógicas contemporâneas. Este tipo de análise é essencial para perceber as tensões e contradições que permeiam a implementação de políticas públicas, além de possibilitar a reflexão crítica sobre a materialidade do discurso oficial e suas implicações para a prática pedagógica.
O campo das políticas públicas também se faz presente de maneira significativa, especialmente no que tange à implementação das políticas educacionais. A contribuição de autores como Cock e Ramos (2024) e Gomide e Pires (2014, 2016, 2018) sobre os arranjos institucionais de implementação é fundamental para compreender as condições sob as quais as políticas públicas de alfabetização e de ensino são efetivamente executadas. O conceito de arranjo institucional de implementação, que envolve as regras, processos e mecanismos pelos quais se coordena a atuação dos diversos atores envolvidos em uma política pública, permite uma análise detalhada de como as políticas educacionais se concretizam no cotidiano das escolas e como os diferentes níveis de governo e os agentes educacionais interagem entre si para efetivar essas políticas. Essa abordagem é crucial para compreender as barreiras e os desafios enfrentados na implementação de programas educacionais no Brasil.
A abordagem sociocultural do letramento, trazida pelos New Literacy Studies, tem sido amplamente utilizada por teóricos como Brian Street (1984), Angela Kleiman (1995) e, no contexto brasileiro, Soares (2004, 2020) e Rangel (2024). Os estudos de Street e Kleiman destacam que o letramento não deve ser visto apenas como a habilidade de ler e escrever, mas como um conjunto de práticas sociais que envolvem a utilização da escrita em diferentes contextos e com diferentes objetivos. Essa concepção sociocultural do letramento rompe com a visão hierárquica tradicional, que dividia a sociedade entre letrados e iletrados, e propõe uma abordagem plural e inclusiva, que considera as diversas formas de uso da escrita nas práticas cotidianas das pessoas. No Brasil, as discussões sobre letramento, especialmente no campo da alfabetização, têm ganhado cada vez mais relevância, buscando integrar o letramento às práticas culturais e sociais das populações, e considerando as relações de poder que envolvem a distribuição e o acesso ao saber.
Os autores e os referenciais teóricos apresentados são fundamentais para compreender as práticas pedagógicas e as políticas educacionais relacionadas à alfabetização e ao letramento no Brasil. As abordagens dialógicas de Bakhtin, a pedagogia crítica de Freire, os estudos da infância e os referenciais sobre políticas públicas e arranjos institucionais ajudam a construir um entendimento mais profundo das práticas de ensino e dos desafios enfrentados pelas escolas e pelos educadores. Além disso, os estudos sobre letramento sociocultural ampliam o horizonte teórico, permitindo uma visão mais inclusiva e plural das práticas de leitura e escrita, que são fundamentais para a formação integral dos indivíduos em um contexto educacional diversificado e desafiador.
ABORDAGENS METODOLÓGICAS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
Dentre as primeiras análises realizadas na revisão de literatura, demos atenção às abordagens metodológicas predominantes na investigação sobre o tema, enfatizando a natureza das pesquisas, os métodos de coleta e análise de dados empregados, bem como suas implicações epistemológicas e limitações. E concomitantemente, buscando compreender as justificativas para a escolha dessas metodologias e suas contribuições para o avanço do conhecimento na área.
O quadro 02, sintetiza as abordagens metodológicas adotadas nos estudos abordados revisados:
Quadro 02 - Abordagens metodológicas
Fonte: elaborado pelas autoras.
Isto posto, de modo geral, evidencia-se a prevalência de abordagens qualitativas, refletindo uma orientação analítica voltada para a compreensão aprofundada dos fenômenos investigados. Dentre as técnicas mais utilizadas na/para a coleta de dados, destacam-se entrevistas, análises documentais, estudos comparativos e procedimentos discursivos. Além disso, os trabalhos analisam tanto políticas educacionais quanto processos formativos, sendo que alguns adotam métodos híbridos, articulando múltiplas estratégias investigativas.
O uso da abordagem qualitativa é predominante devido à sua capacidade de capturar nuances e subjetividades presentes nos discursos e práticas educacionais. Trabalhos como os de Santos & Santos (2024) e Queiroz (2023) exemplificam essa tendência ao recorrerem a metodologias que exploram narrativas discursivas e entrevistas. A análise documental também se destaca, sendo amplamente empregada em pesquisas como as de Gontijo (2024) e Teixeira (2021), que examinam normativas institucionais e políticas educacionais.
Por outro lado, a predominância de abordagens qualitativas, embora pertinente para a análise de fenômenos complexos, restringe a generalização dos achados para contextos mais amplos. Isto é, a escassez de estudos quantitativos reduz a possibilidade de inferências estatísticas, comprometendo a extrapolação dos resultados para amostras populacionais mais abrangentes. Além disso, estudos predominantemente teóricos, como o de Bolina (2020), limitam-se à reconstituição histórica, sem fornecer dados empíricos concretos para a formulação de novas políticas educacionais.
Outra limitação notada trata-se da ausência de triangulação metodológica em grande parte das pesquisas analisadas, pois o emprego combinado de diferentes técnicas poderia ampliar a confiabilidade e a validade dos achados. Pesquisas que utilizam apenas uma fonte de dados, como documentos institucionais ou entrevistas individuais, podem estar sujeitas a vieses interpretativos e a uma compreensão parcial do fenômeno investigado. A combinação de métodos qualitativos e quantitativos permitiria uma abordagem mais abrangente e aprofundada, conciliando análise discursiva com evidências estatísticas.
Ademais, a omissão da descrição metodológica em determinados estudos, como no caso de Rangel (2024), compromete a replicabilidade e a transparência das investigações. Sem a explicitação dos procedimentos adotados, torna-se difícil avaliar a robustez da pesquisa e sua aplicabilidade em outros contextos. Outro aspecto relevante a ser considerado é a influência do financiamento em pesquisas da área. Estudos qualitativos frequentemente demandam menor investimento financeiro, enquanto pesquisas quantitativas, especialmente aquelas que envolvem amostras amplas e análise estatística, exigem recursos mais substanciais. Assim, é possível supor que a carência de investimentos pode, portanto, justificar a menor incidência de pesquisas quantitativas, uma vez que a obtenção de grandes bases de dados e a aplicação de questionários estruturados demandam tempo e recursos financeiros que nem sempre estão disponíveis.
Além disso, é necessário discutir a relevância dos métodos escolhidos para responder às perguntas de pesquisa. Pesquisas qualitativas são fundamentais para compreender os discursos e as práticas educacionais, mas a ausência de dados numéricos pode limitar a formulação de políticas baseadas em evidências concretas. Nesse sentido, futuras investigações poderiam se beneficiar de abordagens mistas, que combinem análises qualitativas e quantitativas para fortalecer a base empírica do campo, proporcionando maior embasamento para formulações teóricas e políticas públicas no âmbito educacional. A ampliação do escopo metodológico permitiria uma compreensão mais abrangente do fenômeno estudado, assim como uma maior aplicabilidade dos resultados na formulação de estratégias educacionais mais eficazes e fundamentadas em evidências sólidas.
OS RESULTADOS APONTADOS E AS LACUNAS NA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA
Os resultados apontados pelos autores revisados indicam que, embora haja um reconhecimento de avanços nas políticas educacionais brasileiras, principalmente no campo da alfabetização, ainda existem lacunas significativas que comprometem a efetividade dessas ações, especialmente quando se observa as diferenças regionais e a diversidade de contextos sociais e culturais no país. Acerca disto, Hora (2023) observa que, apesar de toda a legislação vidente e das iniciativas governamentais direcionadas à educação, persistem desafios significativos para garantir não apenas o acesso, mas também a permanência dos estudantes no sistema educacional brasileiro. A falta de uma implementação uniforme e de recursos adequados, além de um monitoramento mais rigoroso, contribui para que esses avanços sejam, muitas vezes, superficiais ou fragmentados, não alcançando de forma equânime os diversos segmentos da população.
Gontijo (2024) enfatiza que a incorporação das campanhas de alfabetização ao projeto educacional da Unesco, ao redefinir o conceito de alfabetização, desloca o entendimento tradicional de um processo apenas instrumental, centrado na decodificação de símbolos linguísticos, para uma visão mais abrangente que implica a promoção de uma alfabetização que seja capaz de envolver as dimensões críticas, sociais e reflexivas dos sujeitos. Isso sugere que o papel da alfabetização não se limita a uma mera habilidade de leitura e escrita, mas envolve também o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o mundo e a participação ativa no processo de transformação social. A crítica de Gontijo (2024), portanto, aponta para a necessidade de os educadores e as políticas públicas lutarem contra a alfabetização mecanicista e funcional, enfatizando uma abordagem mais humanizadora e transformadora do ensino.
Santos e Santos (2024) contribuem para essa discussão ao observar que, com a implantação da PNA, o currículo oficial de alfabetização continua a refletir um viés orientado para uma concepção reduzida de alfabetização. Segundo os autores, a PNA se posiciona como uma voz de autoridade que atravessa as práticas pedagógicas dos professores alfabetizadores, impondo uma abordagem metodológica que privilegia a instrução fônica, o que limita a pluralidade de métodos que poderiam ser utilizados no ensino da leitura e da escrita. Esse enfoque, muitas vezes, ignora as várias dimensões da linguagem e da comunicação, como os aspectos socioculturais, afetivos e criativos, que poderiam enriquecer a prática pedagógica e favorecer a aprendizagem mais significativa para os alunos. Santos e Santos (2024) alertam para o fato de que a centralidade da relação grafema-fonema impede outras possibilidades de significação, o que compromete a compreensão plena da escrita e da leitura enquanto processos mais amplos de letramento.
Por outro lado, a pesquisa de Cock e Ramos (2024) destaca a importância de uma abordagem mais colaborativa e integrada entre universidades e escolas, especialmente em programas como o Pibid e o Pnaic. Embora esses programas tenham passado por transformações devido a mudanças no cenário político e econômico, seus resultados indicam que a estreita colaboração entre as universidades e as escolas é fundamental para o sucesso da implementação de políticas de alfabetização. Os autores destacam que, quando as universidades têm um papel mais ativo e estabelecem vínculos sólidos com as escolas, a transferência de conhecimento e as práticas pedagógicas inovadoras podem gerar resultados mais positivos. No entanto, o impacto dessas políticas também depende de fatores externos, como o financiamento e a estabilidade política, que podem afetar diretamente a continuidade e a expansão dessas iniciativas.
Rangel (2024), por sua vez, propõe uma reflexão mais filosófica e crítica sobre a concepção de currículo e as políticas curriculares. Ele se afasta da visão tradicional de currículo como um guia fixo e orientado por especialistas e sugere que as políticas curriculares devem ser vistas como um processo dinâmico e de significação, no qual as práticas pedagógicas podem ser constantemente reconfiguradas. Ao se basear na espectrologia derridiana, Rangel (2024) argumenta que, ao assumir a impossibilidade de uma compreensão total e definitiva da realidade, os educadores são convidados a adotar uma postura ética-política que considere as diferentes formas de letramento e expressão, tais como leitura, escrita, oralidade, imagens, sons e gestos. Essa abordagem amplia as possibilidades pedagógicas, mas também exige uma maior flexibilidade na implementação das políticas educacionais, respeitando a diversidade dos sujeitos e suas múltiplas formas de se expressar.
Em consonância com a importância da formação docente, Bolina (2020) e Garcia (2021) destacam que, embora o fortalecimento da formação dos professores alfabetizadores tenha sido um aspecto positivo, ainda há deficiências no aprofundamento teórico e metodológico nos programas de alfabetização. Garcia (2021) observa que, apesar de haver uma tentativa de repensar as práticas pedagógicas por meio de programas como o PNAIC, a falta de uma base teórica robusta impede que essas práticas evoluam de maneira mais substancial. Por sua vez, Bolina (2020) aponta a necessidade de políticas públicas de formação que enfrentem os desafios educacionais da alfabetização de maneira mais abrangente, integrando novas perspectivas e abordagens pedagógicas que vão além dos métodos tradicionais.
A pesquisa de Queiroz (2023) também traz uma importante contribuição ao demonstrar que a implementação das políticas de alfabetização não é uniforme e está sujeita a variações dependendo do contexto e dos atores envolvidos. Queiroz destaca que, mesmo dentro de uma mesma rede de ensino, a adaptação das políticas públicas é influenciada por níveis de poder e decisões locais, o que pode impactar sua efetividade. Além disso, Costa (2021) alerta para o fato de que, apesar das críticas à PNAIC, este programa teve relevância na formação dos professores e contribuiu para a melhoria da qualidade da alfabetização, embora tenha falhado em superar as limitações de sua metodologia única e de sua visão restrita sobre o ensino da leitura e escrita.
Por fim, Teixeira (2021) argumenta que a nova PNA propõe uma desconstrução das concepções anteriores de alfabetização e busca introduzir um modelo homogêneo baseado em princípios da ciência cognitiva, o que, na visão do autor, pode representar um retrocesso. Isso ocorre porque o modelo vigente desconsidera as conquistas das abordagens pedagógicas mais inclusivas e pluralistas que vinham sendo discutidas e implementadas no Brasil ao longo das últimas décadas.
A partir das lacunas identificadas na produção acadêmica sobre as políticas de alfabetização, é possível sugerir que futuras investigações abordem questões como a diversificação dos métodos de ensino, a inclusão de múltiplos letramentos e a adaptação das políticas a diferentes contextos educacionais. Além disso, é fundamental que as pesquisas considerem os impactos de contextos sociais e culturais diversos, de modo a analisar como diferentes realidades influenciam a implementação e o sucesso das políticas de alfabetização.
Outro ponto importante seria investigar como a personalização do ensino, a utilização de novas tecnologias e a formação docente mais crítica e reflexiva podem contribuir para a melhoria da alfabetização, principalmente no que diz respeito à promoção de uma educação mais inclusiva e democrática. Uma possível direção para futuras pesquisas seria analisar a implementação de políticas de alfabetização em contextos mais periféricos, como áreas rurais ou regiões de maior vulnerabilidade, para entender como a adaptabilidade dessas políticas pode ser melhorada e como elas podem ser mais efetivas na superação das desigualdades educacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das políticas públicas educacionais de alfabetização no Brasil, a partir de uma revisão de literatura de estudos publicados entre 2017 e 2024, permitiu identificar importantes tendências de pesquisa, subtemas associados, teorias predominantes e lacunas no campo. Os objetivos específicos desta pesquisa foram atendidos, proporcionando uma visão aprofundada sobre como as políticas educacionais de alfabetização têm sido abordadas, o impacto de programas específicos, e os desafios que ainda persistem no processo de implementação dessas políticas.
Primeiramente, foi possível mapear as tendências de pesquisa sobre políticas públicas de alfabetização, evidenciando as áreas do conhecimento que mais investigam o tema, como as ciências da educação, a pedagogia e a psicologia educacional. Os principais programas de pesquisa identificados, como o PNAIC, a ANA e o PMAlfa, demonstram um esforço governamental significativo para garantir a alfabetização plena das crianças nos anos iniciais, com destaque para a continuidade das produções acadêmicas nos estados e municípios mais afetados pela desigualdade educacional.
Em segundo lugar, a pesquisa revelou os subtemas que permeiam o debate sobre alfabetização no Brasil, como as abordagens metodológicas, os desafios enfrentados pelas escolas em contextos socioeconômicos diversos e a formação docente. A análise dos textos mostrou que a alfabetização, muitas vezes, é tratada de forma isolada das questões sociais e culturais, o que, por vezes, limita a visão integral do processo de aprendizagem. As problemáticas associadas à inclusão de alunos com deficiências e as diferentes realidades dos contextos escolares também se destacam como questões críticas para o desenvolvimento de políticas mais exitosas.
Em terceiro, a pesquisa identificou as principais teorias e epistemologias que fundamentam os estudos sobre políticas públicas de alfabetização. A abordagem teórica predominante é a que considera a alfabetização como um processo integral, não apenas técnico, mas também cultural e social. Os estudos apontam a necessidade de uma educação que promova o letramento crítico e a formação cidadã. No entanto, ficou evidente que existem lacunas na aplicação das teorias pedagógicas nas práticas de alfabetização, especialmente no que tange à formação continuada dos professores e ao desenvolvimento de metodologias adaptadas às realidades locais.
Por fim, as políticas públicas educacionais de alfabetização no Brasil têm representado um avanço significativo no enfrentamento dos desafios históricos e estruturais do sistema educacional, mas ainda há um longo caminho a percorrer. A boa implementação dessas políticas exige uma abordagem mais holística, que considere as especificidades dos contextos regionais, a diversidade das populações escolares e a formação contínua dos docentes. A inter-relação entre políticas públicas e alfabetização, quando bem aplicada, pode se tornar uma ferramenta poderosa para a transformação social, contribuindo para a inclusão social, a democratização do conhecimento e a redução das desigualdades educacionais no Brasil. Portanto, é fundamental que as políticas de alfabetização sejam revisadas e ajustadas de acordo com as realidades locais, para garantir que todos os estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade.
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[2] Doutora em Educação. Pedagoga. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..
[3] Assumimos enquanto categorias de análise os primeiros estudos, os temas mais pesquisados, os subtemas associados, as principais teorias, as abordagens metodológicas adotadas, os resultados e as lacunas.