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A Educação Infantil e o processo de Alfabetização: desafios, concepções e práticas pedagógicas

Erison Ricardo Marchi

Ivete Fernandes Gomes

Mayara Priscila Brauna Miatelo

Juceli Senn

Andreia Cândido de Oliveira

 

DOI: 10.5281/zenodo.17409373

 

 

RESUMO

O presente artigo discute o papel da Educação Infantil no processo de alfabetização, analisando suas concepções teóricas, desafios e práticas pedagógicas à luz de autores clássicos e contemporâneos, como Vygotsky, Piaget, Emilia Ferreiro, Magda Soares, Paulo Freire, Saviani, Mortatti e Kramer. O estudo fundamenta-se em uma revisão bibliográfica e busca compreender de que maneira o processo de alfabetização deve ser entendido como um fenômeno social, histórico e cultural, que se inicia antes mesmo do ingresso formal no ensino fundamental. A alfabetização, mais do que o simples domínio do código linguístico, representa um processo de construção de significados e de desenvolvimento da consciência crítica. Nesse sentido, a Educação Infantil, enquanto primeira etapa da educação básica, desempenha papel fundamental na formação do sujeito leitor e escritor. O artigo aponta que, embora haja avanços nas políticas públicas e nas práticas pedagógicas, ainda persistem desafios relacionados à formação docente, às condições estruturais das instituições e às concepções reducionistas sobre alfabetização. Conclui-se que uma prática alfabetizadora humanizadora e contextualizada é essencial para garantir uma educação de qualidade, equitativa e socialmente referenciada.

 

Palavras-chave: Educação Infantil. Alfabetização. Letramento. Desenvolvimento Infantil. Práticas Pedagógicas.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A Educação Infantil é o alicerce do processo educacional, sendo responsável não apenas pela introdução da criança no ambiente escolar, mas também pela formação de bases cognitivas, afetivas e sociais que sustentam o desenvolvimento integral. Nessa fase, o brincar, a linguagem, as interações e as experiências de mundo assumem papel central na construção de conhecimentos. Dentro desse contexto, a alfabetização surge como um tema fundamental e, ao mesmo tempo, polêmico, permeado por diferentes concepções teóricas e práticas pedagógicas.

Ao longo da história da educação brasileira, a alfabetização foi muitas vezes compreendida de forma restrita, como simples decodificação de símbolos gráficos. Entretanto, autores como Paulo Freire (1996), Magda Soares (2003) e Emilia Ferreiro (1989) contribuíram para ampliar essa compreensão, destacando que aprender a ler e escrever envolve a apropriação da linguagem escrita como prática social e como instrumento de participação na cultura letrada.

De acordo com Vigotski (1997), o desenvolvimento humano é um processo social mediado pela linguagem e pelas interações. Na Educação Infantil, portanto, a alfabetização não deve ser entendida como um treinamento precoce, mas como a vivência de práticas significativas de leitura e escrita, que respeitem o nível de desenvolvimento da criança e promovam o seu avanço por meio da mediação pedagógica.

Dessa forma, este artigo tem como objetivo discutir o processo de alfabetização na Educação Infantil, analisando suas concepções teóricas, os desafios enfrentados pelos educadores e as possibilidades pedagógicas para uma prática alfabetizadora mais humanizada e inclusiva. Para tanto, realiza-se uma revisão bibliográfica de autores clássicos e contemporâneos que abordam a temática, buscando refletir sobre o papel da escola e do professor na formação de sujeitos leitores e escritores críticos.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

  1. Fundamentos teóricos da Educação Infantil e do processo de alfabetização

 

A Educação Infantil, reconhecida como a primeira etapa da educação básica pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96), tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Nessa etapa, a alfabetização deve ser concebida de forma ampla, como processo de inserção da criança na cultura escrita.

Vigotski (1997) afirma que a aprendizagem é um processo social e que o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio da interação com o outro e da mediação simbólica. A linguagem, nesse sentido, é instrumento essencial para a formação do pensamento e da consciência. O autor introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal, destacando que o aprendizado potencial da criança é ampliado quando ela interage com sujeitos mais experientes. Assim, o professor atua como mediador que possibilita o avanço do aluno.

Piaget (1978), por sua vez, contribui ao enfatizar o papel da ação e da experiência no desenvolvimento infantil. Para ele, o conhecimento não é transmitido, mas construído pela criança em sua interação com o meio. Essa perspectiva construtivista influenciou fortemente as práticas pedagógicas voltadas à alfabetização, especialmente a partir dos estudos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985), que demonstraram que as crianças constroem hipóteses sobre o sistema de escrita muito antes de serem formalmente alfabetizadas.

Ferreiro (1989) destaca que o processo de alfabetização deve respeitar as fases de desenvolvimento da escrita infantil, compreendendo que o erro faz parte da construção do conhecimento. Assim, alfabetizar não é apenas ensinar letras, mas propiciar condições para que a criança compreenda o funcionamento da linguagem escrita e atribua sentido ao que lê e escreve.

Para Magda Soares (2003), a alfabetização está intrinsecamente relacionada ao letramento, que se refere ao uso social da leitura e da escrita. Segundo a autora, não basta que a criança aprenda a decodificar; é necessário que compreenda as funções e significados da língua escrita em diferentes contextos sociais. Alfabetizar letrando, portanto, é o grande desafio da escola contemporânea.

Freire (1996) complementa essa visão ao afirmar que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Para o educador, a alfabetização é um ato político e libertador, que deve partir da realidade do educando e possibilitar a construção da consciência crítica. Alfabetizar é um ato de amor, de coragem e de compromisso com a transformação social.

 

 

  1. A importância da Educação Infantil no processo de alfabetização

 

A Educação Infantil é o espaço privilegiado para o desenvolvimento de competências cognitivas, linguísticas e sociais que fundamentam o processo de alfabetização. É nesse ambiente que a criança amplia seu vocabulário, experimenta diferentes formas de comunicação e começa a compreender a função social da escrita.

Segundo Kramer (2006), a Educação Infantil deve garantir experiências significativas que favoreçam a expressão, a imaginação, a criatividade e o contato com a cultura. O brincar é uma atividade essencial nesse processo, pois possibilita à criança explorar o mundo, desenvolver a linguagem e construir conhecimentos de forma prazerosa. Vigotski (1997) destaca que o brincar é uma atividade social e simbólica que contribui para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) reforça essa concepção ao afirmar que as práticas de alfabetização na Educação Infantil devem ocorrer de forma lúdica, contextualizada e integrada às experiências cotidianas das crianças. O documento orienta que a alfabetização não deve ser antecipada artificialmente, mas construída por meio da convivência com práticas sociais de leitura e escrita.

Ferreiro (1989) e Soares (2003) alertam para o perigo de transformar a Educação Infantil em uma etapa preparatória mecanicista para o ensino fundamental. A alfabetização precoce, baseada em métodos repetitivos e descontextualizados, pode desmotivar as crianças e desconsiderar suas potencialidades criativas. A aprendizagem deve ser significativa, mediada pelo diálogo e pela exploração do mundo.

Saviani (2008) reforça que a educação é um ato político que visa à emancipação humana. Assim, a Educação Infantil deve ser entendida como espaço de formação integral e crítica, onde o conhecimento é instrumento de transformação social e não apenas de adaptação ao sistema escolar.

 

 

  1. Desafios contemporâneos da alfabetização na Educação Infantil

 

Apesar dos avanços teóricos e legais, a alfabetização na Educação Infantil ainda enfrenta inúmeros desafios. Entre eles, destaca-se a formação insuficiente dos professores, que muitas vezes não possuem uma base teórica sólida sobre as concepções de linguagem e de aprendizagem. Magda Soares (2003) argumenta que o ensino da leitura e da escrita exige uma compreensão profunda dos processos linguísticos e cognitivos envolvidos, o que requer formação continuada e reflexão crítica sobre a prática.

Outro desafio importante é o das condições estruturais das escolas. Em muitas instituições, faltam materiais adequados, espaços de leitura, bibliotecas e recursos pedagógicos que favoreçam o contato com a linguagem escrita. De acordo com Mortatti (2004), a história da alfabetização no Brasil é marcada por desigualdades sociais e educacionais que ainda persistem e afetam diretamente o processo de aprendizagem das crianças.

Há também o desafio das concepções pedagógicas reducionistas. Em algumas práticas, a alfabetização ainda é tratada como mera memorização de letras e sílabas, desconsiderando o contexto social da linguagem. Para Freire (1996), essa postura é opressora, pois impede o aluno de compreender criticamente o mundo que o cerca. Alfabetizar é formar sujeitos capazes de ler e transformar a realidade.

Vigotski (1997) acrescenta que a aprendizagem deve estar sempre um passo à frente do desenvolvimento, atuando na zona de desenvolvimento proximal. Isso implica que o professor precisa planejar atividades que desafiem a criança, mas que também sejam possíveis de serem realizadas com apoio e mediação. Essa abordagem garante avanços reais e significativos no processo de alfabetização.

Por fim, há o desafio da valorização do lúdico. Muitas vezes, as atividades de leitura e escrita na Educação Infantil perdem seu caráter de prazer e descoberta, tornando-se exercícios mecânicos. Lorenzato (2006) defende que o brincar e a experimentação devem ser os pilares do processo de construção do conhecimento. A alfabetização, portanto, deve ser significativa, contextual e emocionalmente envolvente.

 

 

  1. Perspectivas e práticas pedagógicas para uma alfabetização significativa

 

Uma alfabetização significativa e humanizadora na Educação Infantil requer práticas pedagógicas baseadas no diálogo, na ludicidade e na contextualização. O professor precisa assumir o papel de mediador, criando situações de aprendizagem que estimulem a curiosidade, o pensamento crítico e a autonomia das crianças.

Magda Soares (2016) propõe que o professor integre alfabetização e letramento em todas as experiências escolares, permitindo que a criança vivencie a leitura e a escrita em contextos reais — como a confecção de listas, bilhetes, jogos de palavras, reconto de histórias, rodas de leitura e dramatizações. Esses momentos ajudam a criança a compreender a função comunicativa da escrita e a desenvolver a consciência fonológica e textual.

Freire (1996) lembra que a educação precisa partir da realidade concreta dos alunos e de suas vivências. Alfabetizar, segundo ele, é um ato de criação e libertação. A pedagogia freireana inspira o educador a enxergar o processo de alfabetização como diálogo entre o aluno e o mundo, e não como mera transmissão de conteúdos.

Para Vigotski (1997), a mediação é o elemento central da aprendizagem. O professor deve observar o nível de desenvolvimento da criança e propor atividades que a desafiem a avançar. Assim, o trabalho pedagógico precisa ser flexível e adaptado às necessidades individuais, garantindo a inclusão e o respeito à diversidade.

Kramer (2006) e Mortatti (2004) destacam ainda que a literatura infantil é uma ferramenta poderosa no processo de alfabetização. O contato com histórias, poemas e narrativas desperta a imaginação, enriquece o vocabulário e cria uma relação afetiva com a leitura. A leitura literária deve estar presente no cotidiano da Educação Infantil, não como obrigação, mas como experiência estética e prazerosa.

 

 

CONCLUSÃO

 

A alfabetização na Educação Infantil é um processo complexo, multifacetado e profundamente humano. Não se trata apenas de ensinar letras e sons, mas de inserir a criança na cultura escrita e possibilitar que ela se reconheça como sujeito de linguagem. Essa perspectiva exige uma educação dialógica, crítica e inclusiva, que valorize as experiências e os saberes das crianças.

Os estudos de Vigotski, Freire, Piaget, Ferreiro e Soares mostram que a alfabetização começa muito antes do ensino formal, nas interações sociais, nas brincadeiras e nas experiências cotidianas. Por isso, a Educação Infantil deve oferecer ambientes ricos em linguagem, imaginação e descobertas, nos quais a criança possa desenvolver sua autonomia e expressividade.

Apesar dos avanços legais e teóricos, ainda há desafios a enfrentar: formação docente, condições de trabalho, concepções pedagógicas limitadas e desigualdades sociais. Contudo, a alfabetização é também um espaço de esperança e transformação. Como afirma Freire (1996), “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Assim, alfabetizar é um ato de compromisso com a vida, com o outro e com a humanização.

A Educação Infantil, quando concebida como espaço de acolhimento, diálogo e aprendizagem significativa, torna-se o berço da cidadania e o ponto de partida para uma sociedade mais justa, crítica e solidária.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: MEC, 1996.

 

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2017.

 

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed, 1985.

 

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

KRAMER, Sonia. Alfabetização, leitura e escrita: formação de professores em tempos de exclusão. São Paulo: Ática, 2006.

 

LDB. Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

 

LORENZATO, Sérgio. O ensino e o aprendizado na infância. Campinas: Autores Associados, 2006.

 

MAGDA, Soares. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

 

MAGDA, Soares. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2016.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004.

 

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

 

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.

 

VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

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