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Afeto, amor, carinho, presença e acolhimento, por parte dos pais e familiares, no dia a dia da criança autista

Luzinete da Silva Mussi

 

DOI: 10.5281/zenodo.17193943

 

 

RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que impacta a comunicação, a interação social e o comportamento. Nesse contexto, a presença, o afeto, o amor e o carinho e o acolhimento oferecidos pelos pais e familiares assumem um papel fundamental no desenvolvimento da criança, contribuindo para a formação de vínculos emocionais seguros e para a promoção da inclusão social. O suporte afetivo no ambiente familiar favorece a autoestima, a autonomia e o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas, além de atuar como elemento protetor diante das dificuldades cotidianas. Este artigo tem como objetivo discutir a importância do afeto e da presença familiar no cotidiano de crianças com TEA, destacando a relevância da dimensão emocional no processo de desenvolvimento humano e apresentando contribuições teóricas e práticas para a valorização desse cuidado.

 

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Afeto. Família. Desenvolvimento infantil. Inclusão.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação, na interação social e pela presença de comportamentos repetitivos e interesses restritos (APA, 2014). Embora cada indivíduo com TEA apresente singularidades em seu desenvolvimento, a literatura científica tem evidenciado a relevância do ambiente familiar no processo de evolução emocional, social e cognitiva dessas crianças. Nesse contexto, o afeto, o amor, o carinho e a presença constante dos pais e familiares assumem papel essencial no fortalecimento das habilidades socioemocionais e no bem-estar infantil.

Segundo Vygotsky (1991), o desenvolvimento humano se dá nas interações sociais, sendo a mediação afetiva e cultural um fator determinante para a aprendizagem. Dessa forma, o ambiente familiar torna-se a primeira e mais importante esfera de trocas, onde a criança autista encontra suporte para construir significados e ampliar suas potencialidades. Em consonância, Wallon (1995) ressalta que o afeto é indissociável do processo de desenvolvimento infantil, já que o vínculo emocional é um alicerce para a formação da identidade e da autonomia.

Estudos recentes também apontam que a presença afetiva dos familiares pode reduzir os níveis de estresse da criança com TEA, proporcionando maior segurança emocional para lidar com os desafios do cotidiano (SCHMIDT; BOSA, 2017). Além disso, a literatura destaca que o envolvimento ativo dos pais favorece a inserção da criança em práticas sociais inclusivas, ampliando suas oportunidades de interação e aprendizagem (OLIVEIRA; PAULA, 2019).

Dessa forma, este artigo tem como objetivo analisar a relevância do afeto, do amor, do carinho e da presença familiar no cotidiano de crianças autistas, buscando compreender de que maneira esses elementos influenciam o desenvolvimento global da criança, promovendo não apenas avanços cognitivos, mas também a valorização de sua dignidade e qualidade de vida.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

  1. O papel do afeto no desenvolvimento infantil

 

Henri Wallon (1995) enfatiza que o afeto é indissociável do desenvolvimento humano, pois constitui a base das relações sociais e da formação da personalidade. Para ele, a emoção é o primeiro vínculo que a criança estabelece com o mundo, e o cuidado amoroso recebido influencia diretamente na forma como ela percebe a si mesma e aos outros.

No caso de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), essa dimensão afetiva assume importância ainda maior. Como apontam Schmidt e Bosa (2017), o afeto atua como mediador entre as dificuldades inerentes ao transtorno e a possibilidade de desenvolvimento de habilidades sociais. Pais que demonstram carinho e aceitação oferecem segurança emocional, permitindo que a criança explore novas interações e vivencie experiências de aprendizagem mais significativas.

Além disso, a presença afetiva contribui para a redução da ansiedade, um sintoma frequentemente associado ao TEA, favorecendo um ambiente de acolhimento em que a criança se sente compreendida e valorizada.

 

 

  1. A importância do amor incondicional no cotidiano da criança autista

 

O amor parental incondicional é descrito por Winnicott (1975) como a base para a constituição de um ambiente suficientemente bom, no qual a criança encontra apoio para desenvolver sua individualidade. O autor ressalta que a aceitação plena, sem exigir que a criança corresponda a expectativas irreais, é um fator decisivo para a formação da autoestima e da confiança.

No contexto do autismo, o amor dos pais se revela como elemento protetor contra preconceitos sociais e possíveis frustrações do cotidiano. De acordo com Oliveira e Paula (2019), o suporte familiar fortalece a resiliência da criança e favorece sua inclusão em espaços educativos e sociais. Assim, o amor funciona não apenas como emoção, mas como um recurso terapêutico que impulsiona o progresso da criança em diferentes áreas de sua vida.

 

 

  1. O carinho como expressão de vínculo e segurança

 

O carinho, expresso em gestos simples de cuidado e atenção, é capaz de construir vínculos sólidos entre pais e filhos. Para Bowlby (1990), a teoria do apego demonstra que a criança precisa de relações seguras e consistentes para desenvolver confiança básica no mundo. O contato físico, o olhar atento e a escuta sensível são exemplos de manifestações de carinho que transmitem à criança autista a certeza de que está protegida e amada.

Estudos de Amaral (2018) evidenciam que o carinho diário contribui para a diminuição de comportamentos agressivos e para o aumento da cooperação em crianças com TEA. Isso porque os gestos de afeto reduzem tensões emocionais e criam um ambiente mais estável, que favorece a aprendizagem e a socialização.

 

 

  1. A presença dos familiares com o acolhimento e como suporte essencial

 

O acolhimento, nesse contexto, representa uma extensão essencial do afeto e do cuidado familiar. Mais do que oferecer apoio prático, acolher a criança autista significa reconhecer suas singularidades, respeitar seus limites e celebrar suas conquistas, por menores que possam parecer. Esse gesto fortalece os vínculos familiares, reduz os impactos emocionais do diagnóstico e promove um ambiente seguro para o desenvolvimento das habilidades sociais e cognitivas da criança. Quando pais e familiares assumem uma postura acolhedora, favorecem não apenas o bem-estar da criança, mas também constroem uma rede de confiança e pertencimento que contribui para sua inclusão plena na sociedade.

A presença constante da família no cotidiano da criança autista não se restringe ao acompanhamento em consultas médicas ou sessões terapêuticas, mas se manifesta principalmente na rotina diária. Bronfenbrenner (1996), em sua teoria ecológica do desenvolvimento humano, afirma que o ambiente familiar é o primeiro e mais influente sistema de interação, no qual a criança estabelece suas primeiras conexões sociais.

Quando os familiares se mostram presentes nas atividades diárias — como brincadeiras, apoio escolar e momentos de lazer —, eles não apenas fortalecem os vínculos afetivos, mas também se tornam parceiros ativos no processo de intervenção. Segundo Costa e Pereira (2020), essa participação amplia as oportunidades de generalização de habilidades adquiridas em contextos terapêuticos, tornando-as mais aplicáveis à vida real.

 

 

  1. O impacto do suporte emocional na inclusão escolar

 

A escola é um espaço de socialização fundamental, mas pode se tornar um ambiente de desafios para crianças com TEA. O suporte emocional dos familiares desempenha papel decisivo para o sucesso desse processo de inclusão. Como destacam Vygotsky (1997) e seus seguidores, a aprendizagem acontece mediada pelas interações sociais. Assim, quando a criança recebe apoio afetivo em casa, ela chega ao ambiente escolar mais preparada para interagir e aprender.

De acordo com Gomes e Souza (2019), pais que incentivam a participação escolar e mantêm diálogo constante com professores ajudam a reduzir as barreiras atitudinais e estruturais que muitas vezes limitam a criança autista. O suporte emocional transmitido em casa torna-se combustível para que a criança enfrente novos desafios acadêmicos e sociais, favorecendo não apenas a inclusão, mas também a permanência escolar.

 

 

  1. Família como rede de apoio e resiliência

 

A família é reconhecida como a primeira rede de apoio da criança, sendo essencial para a formação de sua identidade e segurança emocional. Segundo Walsh (2002), famílias resilientes são aquelas que, mesmo diante de adversidades, conseguem reorganizar-se e oferecer suporte contínuo aos seus membros.

No caso das crianças com TEA, essa resiliência familiar é fortalecida por atitudes de afeto, carinho e amor incondicional. Pesquisas de Fávero e Santos (2021) demonstram que famílias que desenvolvem práticas de apoio mútuo e mantêm uma rede social fortalecida contribuem significativamente para a melhora da qualidade de vida da criança e também para o bem-estar dos próprios cuidadores.

 

 

  1. Desafios enfrentados pelos familiares de crianças autistas

 

Apesar da importância do afeto e da presença, é necessário reconhecer os desafios enfrentados pelas famílias. Entre eles, destacam-se o desgaste emocional, as dificuldades financeiras e a sobrecarga de cuidados, conforme apontam Bosa (2006) e Silva & Nogueira (2020). Muitas vezes, a dedicação intensa à criança autista leva os pais a negligenciar a própria saúde física e emocional.

Contudo, é justamente nesses momentos de fragilidade que o afeto e o amor podem atuar como fatores protetores, promovendo união familiar e fortalecendo os vínculos. A busca por apoio psicológico e por grupos de pais também é uma estratégia que auxilia na superação de dificuldades, como ressaltam Schmidt e Dell’Aglio (2019), ao destacar que a troca de experiências entre famílias favorece a construção de novas formas de enfrentamento.

 

 

  1. O suporte emocional como fator de desenvolvimento social e comunicativo da criança autista

 

O desenvolvimento social e comunicativo é um dos maiores desafios enfrentados pelas crianças com TEA. O suporte emocional ofertado por pais e familiares constitui um elemento-chave nesse processo, pois promove um ambiente de segurança que favorece a interação.

Segundo Amaral e Cunha (2018), crianças que vivenciam relações permeadas por afeto e acolhimento apresentam maior disposição para desenvolver habilidades comunicativas, mesmo diante de dificuldades na linguagem verbal. Além disso, a paciência e o carinho no convívio diário contribuem para que a criança aprenda a reconhecer emoções e a lidar com frustrações.

Vygotsky (1997) já apontava que o desenvolvimento ocorre pela mediação de outros, e no caso da criança autista, essa mediação precisa ser fortemente marcada pela afetividade. Assim, o suporte emocional da família não apenas fortalece vínculos, mas também amplia as possibilidades de interação social e de construção de autonomia.

 

 

  1. Perspectivas futuras e a importância da formação de políticas públicas voltadas ao suporte familiar

 

Embora o papel da família seja central, é fundamental reconhecer que ela não pode atuar de forma isolada. O suporte emocional e prático oferecido às crianças autistas precisa ser fortalecido por políticas públicas que garantam acompanhamento multiprofissional, programas de acolhimento e redes de apoio às famílias.

De acordo com Oliveira e Mendes (2022), a ausência de políticas estruturadas gera sobrecarga aos cuidadores, que acabam assumindo sozinhos responsabilidades que deveriam ser compartilhadas entre família, escola, comunidade e Estado. A valorização do afeto e da presença cotidiana deve ser vista como parte de uma política social mais ampla, que reconheça a criança com TEA como sujeito de direitos.

Nesse sentido, programas que incentivem grupos de apoio a pais, acesso a serviços de saúde mental e capacitação profissional para familiares podem transformar o cuidado em uma experiência mais leve e inclusiva. O futuro das crianças com TEA depende não apenas do amor da família, mas também da construção de uma sociedade mais empática e acolhedora.

 

 

CONCLUSÃO

 

O afeto, o amor, o carinho e a presença de pais e familiares no cotidiano de crianças com Transtorno do Espectro Autista revelam-se como elementos indispensáveis para o desenvolvimento integral, tanto no campo emocional quanto no social e cognitivo. Mais do que gestos simbólicos, essas atitudes representam uma base sólida de segurança e acolhimento, favorecendo a construção da autoestima, a capacidade de socialização e o enfrentamento das adversidades próprias da condição.

Ao longo deste artigo, observou-se que a afetividade é um elo fundamental entre a criança e seu ambiente, permitindo que ela explore o mundo de forma mais confiante e participativa. O suporte emocional dado pela família atua não apenas como fonte de estabilidade, mas também como motor para o desenvolvimento das habilidades comunicativas, cognitivas e adaptativas, reforçando a importância da convivência diária permeada por carinho e respeito.

No entanto, é preciso destacar que, embora o amor familiar seja essencial, ele precisa estar amparado por políticas públicas e redes de apoio que reconheçam a complexidade do TEA e que possibilitem melhores condições de vida às famílias. Assim, a união entre afeto e suporte institucional pode garantir uma trajetória mais inclusiva e digna para as crianças autistas e seus cuidadores.

Conclui-se, portanto, que o afeto não é apenas um gesto de cuidado, mas um instrumento transformador na vida da criança com TEA. Pais e familiares, ao oferecerem amor e presença constante, tornam-se protagonistas no processo de desenvolvimento e inclusão, reafirmando que a valorização da afetividade é um dos caminhos mais eficazes para promover qualidade de vida e dignidade.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Amaral, V. C.; Cunha, F. R. (2018). Afetividade e desenvolvimento na infância: o papel das relações familiares. Revista Psicopedagogia, 35(107), 62-70.

 

Bosa, C. A. (2006). Autismo: intervenções psicoeducacionais. Porto Alegre: Artmed.

 

Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Brasília: Ministério da Saúde.

 

Cunha, M. R.; Amaral, A. P. (2020). Afetividade e aprendizagem: a relevância da família na educação da criança com TEA. Educação em Foco, 25(3), 101-115.

 

Fernandes, L. J. (2019). Família e inclusão: desafios e perspectivas no cuidado à criança autista. Revista Brasileira de Educação Especial, 25(1), 13-27.

 

Oliveira, P. R.; Mendes, G. S. (2022). Políticas públicas e autismo: desafios para a inclusão social. Cadernos de Educação, 29(60), 188-205.

 

Vygotsky, L. S. (1997). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.

 

Winnicott, D. W. (1990). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed.

 

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