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A literatura infantil como fonte de pesquisa em educação: um olhar sobre o livro “A casa da madrinha”, da escritora Lygia Bojunga

Valquiria Mariano Taveres[1]

 

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.

 

DOI: 10.5281/zenodo.16945296

 

 

RESUMO

No presente artigo abordaremos o seguinte tema: A literatura infantil como fonte de pesquisa em educação: Um olhar sobre o livro a casa da madrinha da escritora Ligya Bojunga. A fundamentação teórica do mesmo partiu dos temas: literatura como fonte pesquisa em geral e especificamente como fonte de pesquisa em educação. Ficando o trabalho distribuído com os seguintes tópicos: A Literatura como fonte de Pesquisa, A Literatura como fonte de pesquisa em Educação, A Casa da Madrinha: Resumo e comentários e Considerações finais. A pesquisa deteve-se na obra A casa da madrinha, conhecida nacional e internacionalmente, publicada em 1978, a partir da história dos personagens Alexandre e Pavão apresentados no enredo da obra. Verificou- se subjetivamente que apesar de sua ludicidade a mesma traz em suas entrelinhas críticas a educação.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Literatura. A casa da madrinha.

 

 

1          CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

A escolha de pesquisar sobre Educação em uma obra de literatura infantil e não como de costume, em fontes oficiais transmissoras da história, deu-se pelo fato de perceber que nesse tipo de texto contém informações preciosas que muitas vezes as fontes oficiais podem deixar passar despercebidas. Refletiu-se que na literatura infantil, além de belas histórias fictícias voltadas para seu público alvo (crianças e adolescentes), existem também, em suas entrelinhas, de alguma maneira, aspectos do cotidiano, registros de comportamentos sociais e políticos de uma determinada época.

Neste trabalho buscou-se discorrer sobre o tema: A literatura infantil como fonte de pesquisa em educação: um olhar sobre o livro a casa da madrinha da escritora Ligya Bojunga.

Partindo da ideia de que “Lygia Bojunga situa-se no grupo de escritores que tematizam os problemas da sociedade contemporânea, seja nos aspectos das relações humanas seja nas implicações de que a criança é vítima” (SANDRONI, 2011, p. 64) este trabalho objetiva-se a investigar como a autora trabalha com as questões relacionadas à educação, a partir da história dos personagens Alexandre e Pavão apresentados no enredo da obra A Casa da Madrinha. Desta forma buscamos investigar uma possível crítica à educação que uma leitura atenta deste livro possa nos revelar. E levando em conta o fato de que o Brasil se encontrava em um período conturbado dentro de sua conjuntura política na época da publicação da obra (ditadura militar), torna-se importante verificar a relação da obra com seu contexto histórico.

Porém, vale a pena lembrar que no intuito de observarmos esses elementos na obra faz-se imprescindível que se faça uma leitura mais atenta, pois tais pistas encontram-se na narrativa representadas por símbolos. O que podemos inferir deve-se ao fato de na época de sua publicação (década de 70) o país estar passando pela ditadura militar, momento marcado pelo medo e pela repressão de ideias que pudessem de alguma forma contrariar os governantes.

O presente artigo torna-se relevante pois poderá servir de fonte de pesquisa para pesquisadores interessados na área de educação e literatura.

O método de pesquisa utilizado para a realização deste trabalho foi o bibliográfico, sendo o nosso principal referencial a obra A casa da madrinha de autoria de Lygia Bojunga e o resultado ora apresentado, trata-se de um trabalho distribuído em tópicos: A Literatura como fonte de Pesquisa, A Literatura como fonte de pesquisa em Educação, A Casa da Madrinha: Resumo e comentários e Considerações finais.

 

 

  1. A Literatura como fonte de Pesquisa

 

No presente tópico procura-se abordar a importância da literatura infantil como fonte de pesquisa, demonstrando como neste processo estudiosos a fim de obterem um alargamento em seu campo de pesquisa utiliza-se da literatura para dispor de fatos e dados que possam ter passado despercebidos às fontes oficiais históricas.

 

Todos os textos literários ou não, contém as marcas da existência social e histórica, os seus conflitos e contradições. O exercício hermenêutico tem o dever de revelar, isto é, de decifrar criticamente esse multidimensional ‘inconsciente político’, abrir o texto para a história de modo a fazê-lo falar de seu passado e procurar compreender sob quais condições o texto tem ou ganha sentido (MORAIS apud MELLO, 2006, p.6).

 

É crescente o interesse de estudiosos em utilizar a literatura como fonte ou suporte para suas pesquisas. Os textos literários podem auxiliar os pesquisadores na compreensão de ideias ou imagens representadas e divulgadas em suas entrelinhas, cabendo ao pesquisador fazer as mediações entre ficção e realidade, realizando a interpretação dos dados contidos na obra literária que foram construídos a partir da criatividade do autor. Considerando sempre que:

 

As fronteiras entre ficção e verdade são consideradas cada vez mais tênues no âmbito das ciências humanas, e tende-se a concordar que a obra literária não reflete a realidade: a fração do real que revela é resultado de uma reinterpretação e de uma reelaboração. Ainda que condicionada socialmente, o seu domínio é sobretudo estético. No entanto, a verdade que a ficção pode trazer importa mais do que uma suposta ‘realidade’. Uma verdade que escapa, às vezes, à pesquisa histórica ou a pesquisa considerada científica. Os autores não são somente testemunhas da escola de sua infância ou da idade adulta, mas são intérpretes sensíveis e apaixonados dos processos familiares, escolares e sociais. As relações entre literatura e história são caracterizadas pela tensão e não pelo reflexo ou correspondência direta. (LOPES; GALVÃO, 2001. p.85).

 

No intuito de respaldar a escrita literária como fonte de pesquisa pode-se recorrer ao fato de ela ser compreendida como uma criação da sociedade, e que, pode nos servir como material de pesquisa na tentativa de identificar práticas de uma época, de uma sociedade. Em outras palavras, a literatura infantil pode assumir o papel de revelar a sociedade através de um viés que talvez tenha passado despercebido pelas fontes oficiais transmissoras da história. Segundo Maura Maria Morais de Oliveira Bolfer em sua tese de mestrado que traz por título: Imagens/representações de professora na literatura infantil: um confronto entre a tradição e a inovação:

 

Na verdade, a literatura infantil registra, de alguma maneira, aspectos do cotidiano e, como todo registro, carrega consigo traços da realidade. Assim, à medida que nomeia e descreve, constrói um fenômeno, uma representação, uma imagem. (BOLFER,2003, p. 113).

 

Porém, apesar de todos esses pontos a favor de se considerar a literatura como fonte de pesquisa, não podemos deixar de falar sobre algumas características específicas da história e da literatura: enquanto a primeira preocupa-se em se manter fiel à realidade, exigindo para si o caráter de verdade, a segunda trabalha com a imaginação, a criatividade, a ficção. A realidade, para a literatura, pode ser simplesmente o ponto de partida na criação artística. Por outro lado, tanto o historiador quanto o literato, estão inseridos em um contexto do qual não saem indiferentes e utilizam alguns procedimentos de pesquisa semelhantes, além de desempenharem a função de narrador, mesmo que em graus diferentes. De acordo com Maria Arisnete Morais (1996) em sua tese de doutorado denominada: Leituras femininas no século XIX (1850-1900), “Ainda que se considere o estatuto próprio do texto literário, ele é uma produção social válida porque revela, de outra forma, o que a análise social revela através de outro processo de investigação” (p. 15).

Alguns estudiosos se dispuseram em suas pesquisas em verificar esse fato de que a Literatura pode nos servir de objeto de estudo e assim revelar ideais de uma época, críticas à sociedade ou simplesmente nos revelar um retrato da sociedade de um determinado período. Em Lajolo e Zilberman (1991), as autoras tecem um comentário sobre o Livro de Graciliano Ramos denominado: Pequena história da República, escrito na década de 40, durante o estado novo e que, por não conter os mesmos os mesmos elogios ao governo da época (Getúlio Vargas) comum às obras daquele período, teve sua publicação sustada.

 

As causas saltam as vistas: Graciliano enfrenta a atualidade com desembaraço e desmistifica os poucos episódios que circulavam como lenda. Reduz a proclamação de Deodoro a uma confusão de ordens e contraordens, as quais, por pouco, não fazem vítimas inocentes. Não tem a menor paciência com as revoluções, que apresenta como produto de ambições pessoais. E adota um modo de narrar original, fortemente sintético, misturando ironia e alusões ao presente. (LAJOLO E ZILBERMAN, 1991, p.79).

 

Mostra-se nesta obra um exemplo de obra literária que nos mostra pistas de como estava organizada a sociedade da época de sua publicação, onde o autor, segundo Lajolo e Zilberman (1991), destoa do quadro geral das obras que continham fundo didático e escreve como Monteiro Lobato, uma produção embasada criticamente seguindo um estilo direto e maduro ao apresentar os fatos. “Graciliano não protege os acontecimentos, atenuando-os com panos quentes, nem protege o leitor, que considera em pé de igualdade e com o qual discute ideias consagradas”. (LAJOLO E ZILBERMAN, 1991, p.80).

 

 

2.2 Literatura como fonte de pesquisa em Educação.

 

A literatura assim como pode servir de objeto de estudo para pesquisas em história através da qual pode se traçar o perfil de sociedades, costumes e épocas, também torna-se importante aliada na função de trazer novas informações no campo da educação. Uma vez que esses autores literatos tiveram vida escolar e/ou mesmo foram influenciados positiva ou negativamente por acontecimentos ocorridos no âmbito educacional de suas épocas.

 

O fato é que a literatura infantil, de algum modo, pretende ensinar os valores vigentes na sociedade, considerados apropriados para aquele momento, ligados à própria estrutura escolar e histórica e, em alguns casos, aos conteúdos escolares propriamente ditos. (BOLFER, 2003, p. 34).

 

As escritoras Lajolo e Zilberman (1991) em seu livro denominado: Literatura infantil Brasileira. Histórias e Histórias. Nos fala sobre a obra de Monteiro Lobato e sua relação com a Educação. Segundo as escritoras, o sitio local onde Monteiro Lobato fixou por espaço onde suas personagens iam viver desde seu primeiro livro para crianças denominado de Narizinho Arrebitado no qual decorre as histórias compara-se a uma escola paralela o que demonstraria a aversão do escritor pelo modelo de escolas tradicionais.

 

Com efeito, as terras de Dona Benta, sob certas circunstâncias, desempenham a função de uma escola, sendo a proprietária, a professora ideal, e os alunos, os moradores do sítio, ouvintes atentos e interessados que, como sempre, polemizam os temas, quando não decidem vive-los em loco, abandonando temporariamente o lugar improvisado das aulas. (p.76).

 

Diante desta suposta aversão ao modelo tradicional procura reorganizá-la de uma forma diferente, baseada na escola grega, usando um sistema de ensino que se desenvolve através do diálogo, sem soluções pré-fabricadas. Sobre o espaço: “O espaço dessa escola lobatiana muda segundo as conveniências, podendo ser tanto a sala principal da sede do sítio, como o Terror-dos-Mares, o barco com que visitam inúmeras regiões, em Geografia da Dona Benta (1935) ou a cidade ateniense, em O Minotauro (1939)”. (LAJOLO E ZILBERMAN 1991, p.76).

As autoras Maria Helena Câmara Bastos e Maria Stephanou, em seu artigo Infância, higiene e Educação procuram investigar através da literatura de caráter didático voltadas para o público infanto-juvenil as concepções, e práticas educativas que uma sociedade, no tempo e no espaço, formulou em relação aos jovens e crianças. Neste sentido, tomam por base de seus estudos o livro do autor Erico Verissimo denominado: Aventuras no mundo da higiene.

 

Aventuras no Mundo da Higiene é um livro dirigido às crianças e aos jovens, bem como a seus pais e professores. Seu objetivo é propor ao leitor a adoção de uma rotina disciplinar de higiene, indispensável à vida, em uma época de normatização de condutas no contexto de uma sociedade em processo crescente de urbanização. A obra não é um exemplo isolado, mas insere-se na extensa produção de manuais e guias de higiene e saúde, que circularam no período. (p.04).

 

Segundo as autoras nas primeiras décadas do século xx as crianças eram cuidadas e acompanhadas para que se tornassem cidadãos promissores que trouxessem bons resultados à sociedade. Deste modo era necessário iniciar sua educação desde a mais tenra idade com intuito de obter melhores resultados neste propósito. Desta maneira, segundo as estudiosas, o discurso da higiene, médico- sanitário promoveu várias práticas educativas voltadas ao público infantil, iniciando com orientação às mães no cuidado dispensado as crianças. E, para um melhor acompanhamento, volta-se para as escolas, que foram se tornando espaços por excelência de identificação, conhecimento e normalização da população infanto-juvenil em práticas de higiene, inspeção médico-escolar entre outros.

 

A obra Aventuras no Mundo da Higiene, do escritor gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975), publicada em 1939, constitui um exemplo paradigmático para examinar os dispositivos que visaram atingir as crianças e formá-las a fim de que se portassem de forma higiênica, condição indispensável à saúde individual e coletiva, requisito ao progresso da pátria. (BASTOS E STEPHANOU, 2005, p.2).

 

As autoras ainda observam que a obra em questão também nos revela o que ocorria na sociedade neste período. A esse respeito às pesquisadoras se referem:

 

Cabe salientar, ainda, que a literatura é também expressiva para a compreensão de um momento histórico. No caso específico da obra examinada, durante o Estado Novo (1937-1945) as autoridades governamentais assumem um discurso de saneamento da sociedade, especialmente no tocante às questões de higiene pessoal e social. Esse discurso, por sua força de verdade e legitimidade, proliferou em diferentes espaços e projetos. (BASTOS E STEPHANOU, 2005, p. 3).

 

Maria Helena C. Bastos e Maria Stephanou relatam em seu trabalho que a ambientação da obra se desenvolve em um ambiente que lembra o ambiente escolar. E dentro deste contexto podem-se perceber as práticas educativas que esta sociedade formulou em relação as suas crianças e aos seus jovens. Sendo possível através de a obra vislumbrar o pensamento que norteava o sistema escolar no período histórico em que a obra fora escrita.

 

É interessante observar a ambientação da história. Embora transcorrendo no interior de uma casa, a narrativa adota o modelo escolar. O médico, dr. Salus, assume o papel de professor e as crianças o papel de alunos. Os capítulos da história são sessões de aula, em que se destacam os recursos tipicamente escolares, especialmente o uso do quadro-negro, de cartazes, mapas, filme - “A triste história duma boca suja” -; e de exercícios escolares, como copiar, decorar e responder as perguntas do médico-professor, adulto responsável por conduzir a todos ao mundo da higiene. (BASTOS E STEPHANOU, 2005, p. 09).

 

Desta forma através do estudo realizado por Bastos e Stephanou que tiveram como objeto de estudo a obra literária de autoria de Veríssimo, podemos inferir como estava pautada a sociedade e o sistema de ensino do período, que estavam influenciados por um discurso de saneamento da sociedade sendo que esse discurso, por sua força de verdade e legitimidade, proliferou em diferentes espaços e projetos. Ou seja, a obra em questão se constitui em um objeto privilegiado de estudo na compreensão de projetos educacionais e políticos de uma época.

Por considerar válida a opinião de pesquisadores como Bolfer e outros estudiosos sobre literatura infantil ao afirmar que a que de alguma forma essa literatura pode trazer consigo elogios ou críticas a instituições, a épocas, a costumes dentro de uma determinada sociedade. E que alguns autores especialmente possuem esse viés em seus escritos: de trazer em suas entrelinhas em meio a narrativas cheias de fantasias, informações que são capazes de ampliar a visão de mundo de seus pequenos leitores. E, uma das escritoras que se destaca atualmente no cenário da literatura infantil escrevendo neste tom (crítico e engajado), mas sem deixar de lado as particularidades de uma construção literária caracterizada pela transgressão de fronteiras entre a fantasia e a realidade, abordando questões sociais contemporâneas é Lygia Bojunga, autora premiada nacional e internacionalmente escritora da obra que compõe o corpus deste trabalho.

 

 

3.1      A Casa da Madrinha: Resumo e comentários

 

A Casa da Madrinha é o quarto livro da autora. Publicado em 1978, é mais uma bela narrativa na qual, permeia-se o realismo cotidiano e a fantasia. Seu enfoque é a dura realidade dos problemas de sobrevivência na cidade grande, o que, porém, não encerra o leque de leituras possíveis existente nas entrelinhas da obra.

Trata-se de uma história que gira em torno de Alexandre, um menino pobre que reside na periferia do Rio de Janeiro. O protagonista da narrativa está em busca da casa que dá título ao livro. Ele fica sabendo dela por meio de uma das muitas histórias contadas por seu irmão Augusto antes de dormir, que lhe informa que a casa possui tudo aquilo de que a vida os priva, como a própria alimentação.

Segundo informações do site Casalygiabojunga, o livro A Casa da Madrinha ganhou os seguintes prêmios: “O melhor para o jovem” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1978), "Os melhores para a juventude", do Senado de Berlim (1985) e “Rattenfanger literatur preis”, prêmio criado na Alemanha para comemorar os 700 anos da célebre lenda “O Flautista de Hamelim” (1985). Sendo também traduzida para vários idiomas e encenada em teatros no Brasil e na Suécia.

A Casa da Madrinha apresenta-se estruturalmente sem a divisão em capítulos sendo que, quando ocorre mudança no fluxo da narrativa, a quebra da sequencialidade se dá através do uso de letras capitulares.

A narrativa não apresenta um enredo linear, inicia-se pela ação propriamente dita, dispensando as apresentações introdutórias de personagem, espaço ou outro elemento narrativo. Nos deteremos nas duas passagens alvo de nossa análise que são: A professora e a Maleta e a Escola Osarta.

Vemos de início Alexandre, o protagonista já com seu inseparável amigo Pavão, fazendo um show debaixo de uma mangueira em uma cidadezinha do interior já em viagem em busca da tão sonhada casa da madrinha. Após essa apresentação, que tinha por finalidade a obtenção de alimentos, o protagonista irá conhecer Vera, uma garota filha de cultivadores de flores. Os dois iniciam uma extensa conversa e comentam como são suas terras natais. Iniciando-se assim a amizade entre os dois.

Alexandre começa a lhe contar sobre sua vida: o irmão querido e distante, a mãe, a escola, a professora da maleta fascinante, como encontrou o pavão. Conta-lhe também o ingresso do pavão na Escola Osarta do Pensamento e de seu fascínio pela gata da capa

E é através dessa conversa que vemos a narrativa da história de como Alexandre conhecera Pavão e as dificuldades do amigo, cuja principal característica é o fato de que “pensa pingado”.

−Mas então o que é que ele tem?

−É que ele só pensa pingado.

−Ele o que?

−Ele só pensa umas gotinhas por dia. (BOJUNGA, 2013, p. 34)

Para explicar o problema da desarticulação mental de seu amigo Pavão, vemos Alexandre contar a vida e a passagem de seu amigo pela escola Osarta, passagem essa que é alvo de nosso interesse dentro do viés investigativo sobre educação em A casa da madrinha. Relata que devido sua beleza e esplendor acaba sendo constantemente explorado e desrespeitado. A começar pelos seus cinco donos iniciais, que surgem do nada e querem lucrar sobre sua beleza rara. Colocam-no na escola Osarta (“atraso”, ao contrário) de Pensamento, onde havia três cursos que iriam educar a ave para a sociedade. Em outras palavras, iriam castrar seu potencial.

O primeiro curso era o Papo. No entanto, o Pavão escapa dos malefícios desse curso usando um esquema para não ouvir as enfadonhas explanações. Como o primeiro esquema não funcionara, foi transferido para um segundo curso, a Linha. Nele os pensamentos iam ser costurados e só deixariam de fora os pensamentos que os donos quisessem. Ainda assim, o Pavão conseguiu uma maneira de exercitar o cérebro e assim impedir que seu cérebro fosse costurado. Sempre que tentavam pregar linha, seu esforço mental a arrebentava.

Devido ao insucesso do curso Linha foi transferido, para o curso Filtro, que realizou um estrago terrível. Em sua cabeça é enfiado um filtro, que controla a saída de pensamentos da ave. Mas a torneira veio com um defeito de fabricação, por isso havia momentos em que, fechada, segurava o pensamento do Pavão, fazendo-o repetir as frases de quem conversa com ele e obedecer piamente todo e qualquer tipo de ordem. No entanto, havia instantes em que ela abria. Então voltava a ser a ave de outrora, de olhar vivo, determinado. Mas estes últimos eram momentos raros.

Quando Alexandre vai contar a história de Pavão com o marinheiro João das Mil e Uma Namoradas, a mãe de Vera chama a menina para jantar, e interrompe o diálogo entre eles, episódio só contado à página noventa e quatro. Até lá, o enredo – seguindo a técnica de fragmentação da narrativa – apresenta novo encontro das duas personagens infantis, no dia subsequente, evidenciando-se a relação de Vera com os pais; a forma como Alexandre estrutura seu show com Pavão; a apresentação do menino e sua família; e narra um episódio interessante que assim como o episódio da passagem do Pavão pela escola OSARTA, também servirá de base para fundamentar nossa pesquisa sobre educação, trata se da relação de Alexandre com sua escola e especialmente com sua professora.

A narrativa nos informa que nosso protagonista, apesar de ter uma vida muito dura, adora frequentar a escola. E era nessa instituição que o menino entrava em contato com uma professora que possuía uma maleta cheia de surpresas, de onde tirava pacotes de todos os tipos e cores. E dependendo da cor desses pacotes era escolhido o tema das aulas.

 

A Professora gostava de ver a classe contente, mal entrava na aula e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacote pequenininho, médio, grande, tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor; não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito. (BOJUNGA, 2013. p 62).

 

Porém um belo dia descobre o método de ensino da professora e não gostam (não se sabe ao certo quem não gostou). E em um dia de muita chuva a professora afirma ter perdido a maleta tão querida por Alexandre e os demais alunos. E é neste dia chuvoso que Alexandre e a professora se veem pela última vez.

A narrativa prossegue contando as aventuras de Alexandre em busca da tão sonhada casa da madrinha.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O objetivo geral deste trabalho partiu da ideia de investigar A literatura infantil como fonte de pesquisa para educação especificamente na obra “A casa da madrinha”, da escritora Lygia Bojunga, a partir das histórias de vida dos personagens Alexandre e Pavão apresentado no enredo da obra. Optamos por desenvolver a atual pesquisa utilizando como base a literatura infantil, pois a encaramos como uma possibilidade válida dentre as demais apresentadas, por acreditar que se trate de um instrumento eficaz capaz de difundir ideologias, realizar críticas e denúncias ao sistema opressor.

Pôde-se constatar ao final desta investigação uma possível crítica ao sistema educacional vigente á época de sua publicação, onde historicamente o Brasil passava por um período conturbado dentro de sua esfera política a difusão de ideologias referentes a ditadura militar.

Como mencionado acima, as passagens do texto escolhidas para falar sobre educação na obra ora apresentada são: A professora e a Maleta e a Escola Osarta.

O episódio “A professora e a maleta” refere se a experiência do protagonista com a escola. Segundo a narrativa é Augusto quem influencia a família para que colocassem Alexandre na escola afim de que ele tivesse um futuro melhor que o deles. “− O Alexandre não vai vender sorvete que nem a gente. Ele vai estudar. Vai estudar até ficar homem feito.” (BOJUNGA, 2013, p.59).

Augusto então matrícula Alexandre na escola e o mesmo se sai muito bem, sendo inclusive elogiado na escola. Porém quando chega as férias volta a trabalhar vendendo biscoitos. “Vieram as férias e ele foi vender biscoito na praia pra ganhar um dinheirinho. E quando as aulas começaram de novo ele continuou vendendo. Mas só aos domingos” (BOJUNGA, 2013, p. 60). Vemos neste trecho da obra subjetivamente, uma crítica ao trabalho infantil que provoca a evasão escolar de crianças e jovens, problema esse latente na sociedade brasileira.

Mais adiante vemos entrar em cena a Professora com sua maleta fantástica. A narrativa nos fala que a professora gostava de ver a classe feliz e que tirava de sua maleta pacotes de todos os tipos e cores e que dependendo do pacote escolhido ocorria determinado tipo de aula.

 

A professora gostava de ver a classe contente, mal entrava na aula e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacote pequenininho, médio, grande, tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor; não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito. (BOJUNGA, 2013, p.62).

 

Através desta e de outras descrições dentro do texto de Bojunga vemos se tratar de uma professora especial, que apresentava um método de ensino dinâmico que fazia despertar o interesse de seus alunos, e esses por sua vez encaravam as aulas de forma positiva e aprendiam de forma feliz, sem a presença do medo e da repressão.

Porém algo de negativo ocorre: descobrem como a professora trabalha e não se agradam. No trecho a seguir podemos inferir que a maleta representava a metodologia diferenciada da professora: “No outro dia saiu à fofoca: contaram pra Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora.” (BOJUNGA, 2013, p.64)

Podemos supor também que Lygia retrate essa repressão à professora influenciada pelo contexto histórico da época em que escreveu esse texto. Trata-se da década de 70 onde no Brasil ocorria a ditadura militar onde muitos professores foram penalizados por serem considerados como perigo para sociedade.

Voltando novamente a nossa linha de pensamento anterior, vemos a narração do dia do sumiço da maleta. Trata-se de um dia chuvoso, como costuma ser descrito os dias tristes na literatura, vemos a descrição do momento em que a professora chega á sala de aula sem sua maleta tão amada por Alexandre. “Lá pelas tantas a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com um jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa gozada, não riu nem nada. Sentou e ficou olhando para o chão.” (BOJUNGA, 2013, p.65).

Essa maleta da Professora é tão amada por Alexandre que no final da história quando é narrada a passagem onde finalmente os personagens conseguem encontrar a tão sonhada casa da madrinha (lugar utópico onde todos os sonhos de Alexandre e Pavão são realizados) lá eles também encontram a maleta. E é imensa é a satisfação do menino ao encontrá-la. Daí podemos inferir que um professor que trabalhe com amor e inovação pode fazer a diferença na vida de uma criança. Vejamos o trecho que descreve quando no plano do imaginário do infante encontra a maleta. “Alexandre entrou devagarinho, espiou atrás da porta e riu. A maleta da Professora estava lá mesmo. Gorducha. Com desenho do garoto e da garota de mãos dadas. Só que tinha uma poeirinha nela toda.” (BOJUNGA, 2013, p.147).

Para finalizar a discussão sobre esta passagem da narrativa podemos dizer subjetivamente que Bojunga traz em seu texto às críticas as metodologias de ensino onde os professores são condicionados a seguir um padrão determinado pelo sistema educacional tradicional e onde os desejos dos discentes ficam relegados a um plano inferior. Tal foi o efeito negativo na vida do menino Alexandre que o dia do sumiço da maleta fora o ultimo que o mesmo fora á escola, voltou a sua vida de trabalho.

 

Alexandre saiu da escola. Foi vender sorvete em vez de amendoim. [...] De noite ficava pensando nos colegas, na Professora (será que ela tinha encontrado a maleta? Puxa vida será que ninguém tinha lido o anúncio no jornal?), acabava perdendo o sono. (BOJUNGA, 2013, p.69).

 

A outra passagem que faz menção ao sistema educacional situa-se dentro da narrativa no trecho em que descreve a experiência do personagem Pavão com a escola Osarta para onde é levado por seus donos depois de tanto teimar em se soltar e querer ser livre. “A escola pra onde levaram o Pavão se chamava Escola Osarta do Pensamento. Bolaram o nome da escola para não dar muito na vista. Mas quem estava interessado no assunto percebia logo: era só ler Osarta de trás pra frente.” (BOJUNGA, 2013, p. 37).

No decorrer da história tomamos conhecimento que a escola que oferece três cursos: o Curso Papo, o Curso Linha, e o Curso Filtro. No Curso Papo, o objetivo maior é atingir a meta de os alunos temerem até pensar; na Linha, costura-se o pensamento, permitindo apenas as ideias desejáveis aos donos, o último, o Curso Filtro, insere um objeto na cabeça do aluno a fim de filtrar as ideias que entram e as que saem, reduzidas a dimensão de “pingos”. Sendo que o objetivo pedagógico da escola estava em atrasar o pensamento de seus alunos. Por trás da ideia repetitiva de atrasar o pensamento da ave estaria implicitamente a crítica ao sistema educacional que se presta ao serviço da manutenção de uma determinada situação. Sendo que o que se espera através do mesmo é o desenvolvimento de um cidadão crítico e autônomo, sendo capaz de alçar voos cada vez mais altos em direção de sua conquista de liberdade.

Á guisa de conclusão podemos inferir que a leitura da obra A casa da madrinha nos serve de fonte de pesquisa sobre os modelos educacionais da época, dá-nos a possibilidade de refletir ainda sobre temas sociais. Estamos certos, porém que este trabalho representa apenas uma leitura referente a obra, sendo que a mesma pode obter outras leituras e outros olhares.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BASTOS, Maria Helena Câmara; STEPHANOU, Maria. Infância, higiene e educação. 28ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Caxambu, Minas Gerais, v. 40, 2005. Disponível em: <www.anped.org.br/reunioes/28/textos/GT02/GT02-97--Int.doc-> Acesso em: 10 mar. 2015.

BOJUNGA, Lygia. A casa da madrinha. 20 ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2013.

BOLFER, Maura Maria Morais de Oliveira. Imagens/representações de professora na literatura infantil: um confronto entre a tradição e a inovação. Campinas: Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Tese de doutorado em Educação, 2003.

Casa Lygia Bojunga. Disponível em: http://www.casalygiabojunga.com.br. Acesso em: 15 fev. 2015.

 

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira. História e Histórias. 5ed. São Paulo: Ática, 1991.

 

LOPES, Eliane Marta Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Historia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. (Coleção: O que você precisa saber sobre...).

 

MELLO, Mônica. A representação da escola rural na literatura regionalista de José Lins do Rego e Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2006. Disponível: www.alasru.org/wp-content/.../12/17-GT-M%23U00f4nica- Mello.doc. Acesso: 15/12/2014.

 

MORAIS, Maria Arisnete Câmara. Leituras femininas no século XIX (1850-1900). Campinas: Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Tese Doutorado em Educação, 1996.

 

SANDRONI, Laura. De Lobato a Bojunga As reinações renovadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

 

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