Estratégias de inclusão no contexto escolar: enfrentando os desafios entre família, escola e criança autista
Luciléia Sales Damasceno[1]
Deusilene Ferreira Alves[2]
Fábio Coelho Pinto[3]
RESUMO
O presente estudo analisa as estratégias utilizadas para minimizar os desafios enfrentados entre os elos educacionais — família, escola e criança autista — no contexto da inclusão escolar. Reconhecendo que esses elos devem atuar de forma integrada e colaborativa para garantir o desenvolvimento das habilidades e o pleno exercício dos direitos da criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a pesquisa busca compreender a cultura escolar, os desafios da inclusão e o contexto geral dessas relações. Com abordagem qualitativa e pesquisa de campo, a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com três professoras de uma escola pública municipal (uma da turma regular e duas do Atendimento Educacional Especializado), além da participação de um aluno diagnosticado com TEA e sua família. Os resultados indicam que os elos educacionais enfrentam múltiplas dificuldades, tais como barreiras na comunicação, adaptações pedagógicas e suporte familiar insuficiente. No entanto, o estudo evidencia a existência de estratégias essenciais que contribuem para minimizar esses desafios e promover uma educação inclusiva de qualidade, pautada no respeito às especificidades e na cooperação entre os agentes envolvidos.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Estratégias. Inclusão escolar. Família. Escola.
ABSTRACT
This study analyzes the strategies used to minimize the challenges faced among the educational links — family, school, and autistic child — in the context of school inclusion. Recognizing that these links must work in an integrated and collaborative manner to ensure the development of skills and the full exercise of the rights of children with Autism Spectrum Disorder (ASD), the research aims to understand the school culture, the challenges of inclusion, and the overall context of these relationships. Using a qualitative approach and field research, data were collected through semi-structured interviews with three teachers from a public municipal school (one from a regular classroom and two from Specialized Educational Assistance), in addition to the participation of a student diagnosed with ASD and their family. The results indicate that the educational links face multiple difficulties, such as communication barriers, pedagogical adaptations, and insufficient family support. However, the study reveals essential strategies that help minimize these challenges and promote quality inclusive education, based on respect for specificities and cooperation among the involved agents.
Keywords: Autism Spectrum Disorder. Strategies. School inclusion. Family. School.
1 INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por uma diversidade de manifestações que conferem singularidades a cada indivíduo. Conforme destacado por Correa et al. (2024), o TEA afeta diretamente a interação social, a comunicação e os comportamentos da criança, que podem apresentar padrões restritos e repetitivos em suas formas de agir e se relacionar em sociedade.
Diante dessas particularidades, ainda não há um fator único e definitivo que explique a origem do autismo. Estudos na área (Zanolla et al., 2015; Ribeiro et al., 2021; Souza Neta & Silva, 2023) apontam que o TEA é influenciado por fatores sociais, ambientais e genéticos, o que demanda o trabalho conjunto de equipes multidisciplinares para alcançar um diagnóstico mais preciso, capaz de contemplar as especificidades das crianças autistas.
Novas e Freitas (2024, p. 22) ressaltam em sua pesquisa que:
De um lado, familiares pautados em descrições diagnósticas parecem não saber como estabelecer relações que considerem a criança em sua singularidade, não o diagnóstico. De outro, educadores centrados nas práticas pedagógicas minimalistas baseadas no diagnóstico de autismo, que focalizam o treino e a repetição como caminho no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, é evidente que o diagnóstico do autismo pode gerar reações adversas em familiares, professores e na escola como um todo, especialmente diante das dificuldades em compreender e lidar com os comportamentos e modos de agir das crianças, que variam significativamente entre si. Portanto, faz-se necessária a implementação de um conjunto de estratégias que minimizem os desafios decorrentes do autismo.
Desse modo, a criança autista poderá se desenvolver respeitando seus direitos e especificidades. Este estudo tem a intenção de dar visibilidade aos elos educacionais — família, escola e criança — considerando os desafios impostos pelo TEA, e contribuir com saberes e experiências para o campo da inclusão escolar. Reconhece-se que esses saberes são influenciados pelo tempo e pelo contexto, sendo imprescindível considerar o mundo vivido e as ações de cada agente inserido nesses espaços.
Nesse sentido, o objetivo geral deste artigo é analisar as estratégias utilizadas para minimizar os desafios entre os elos educacionais. Os objetivos específicos são: investigar a cultura escolar e os desafios da inclusão; analisar as estratégias adotadas entre os elos educacionais; e compreender o contexto geral que envolve esses elos.
Por fim, este texto está organizado da seguinte forma: na introdução, são apresentados os objetivos e intencionalidades da pesquisa; em seguida, discute-se a metodologia empregada, com a descrição das técnicas de coleta e análise dos dados; posteriormente, aborda-se a cultura escolar e os desafios da inclusão, com ênfase nas problemáticas do ambiente escolar que envolvem os elos educacionais; em seguida, são apresentadas as estratégias usadas para potencializar a inclusão escolar e superar os desafios; finalmente, são expostas as considerações finais, com os principais achados da pesquisa, lacunas identificadas e sugestões para estudos futuros, além das referências bibliográficas.
2 METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem qualitativa de caráter exploratório, com o objetivo principal de compreender as estratégias utilizadas para minimizar os desafios enfrentados entre os elos educacionais — família, escola e criança autista. Conforme destaca Valentim (2005), a pesquisa qualitativa possibilita o aprofundamento em significados, valores, crenças e atitudes dos sujeitos, favorecendo uma análise detalhada e contextualizada, essencial para alcançar os objetivos da investigação.
Trata-se de um estudo de campo, no qual o pesquisador interage diretamente com o ambiente da pesquisa, buscando apreender as práticas, relações e percepções dos participantes inseridos no contexto escolar (Gil, 2011). O local selecionado para a pesquisa foi a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Professora Maria Nadir Filgueira Valente, situada na Travessa D. Pedro I, nº 800, bairro Matinha, Cametá, Pará.
A amostra foi intencional, composta por três professoras da escola — uma atuante em turma regular e duas vinculadas ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) —, além de um aluno diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e sua família. Essa composição buscou garantir uma compreensão multifacetada das interações e estratégias que permeiam os elos educacionais. Todas as professoras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assegurando a participação voluntária e o respeito à ética da pesquisa. Para preservar a confidencialidade, os participantes foram identificados por códigos (P1, P2 e P3).
A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, que permitiram a flexibilidade e profundidade na obtenção das narrativas, considerando perguntas abertas e adaptáveis conforme o fluxo da conversa. Tal técnica, conforme Valentim (2005), confere aos participantes a oportunidade de expressar suas experiências e opiniões de forma autêntica, enriquecendo a compreensão do fenômeno estudado. As entrevistas foram gravadas com autorização dos envolvidos e, posteriormente, transcritas para análise.
A análise dos dados seguiu rigorosamente os procedimentos da análise de conteúdo de Bardin (2011), organizada em três etapas fundamentais:
Pré-análise: Nesta fase inicial, realizou-se a leitura flutuante das transcrições das entrevistas para familiarização com o conteúdo, identificação das ideias principais e delimitação do corpus de análise. Foram organizados os textos, garantindo a ordem e a sistematização das informações para a etapa seguinte. O objetivo foi construir hipóteses iniciais e definir as categorias de análise que orientariam a exploração dos dados.
Exploração do material (categorização e codificação): Com o corpus delimitado, procedeu-se à segmentação dos dados em unidades significativas, que foram agrupadas em categorias temáticas relacionadas às estratégias e desafios entre os elos educacionais. Essa categorização permitiu a sistematização das informações, facilitando a identificação de padrões recorrentes, divergências e particularidades nas narrativas. As codificações foram feitas manualmente, respeitando a fidelidade ao conteúdo e o contexto das falas.
Tratamento dos resultados, inferências e interpretações: Na etapa final, os dados categorizados foram interpretados à luz do referencial teórico, com inferências sobre o significado das estratégias utilizadas para minimizar os desafios da inclusão escolar do aluno autista. Foram realizadas análises comparativas entre as perspectivas das professoras, da família e do aluno, buscando compreender as relações e influências mútuas entre esses elos educacionais. Esse processo possibilitou a construção de conclusões fundamentadas e a proposição de recomendações para a prática pedagógica e para futuras pesquisas.
Esse procedimento metodológico assegura a validade e a confiabilidade dos resultados, proporcionando um entendimento aprofundado das dinâmicas de inclusão escolar para crianças com TEA, considerando as especificidades de cada agente envolvido.
3 CULTURA ESCOLAR E DESAFIOS DA INCLUSÃO
A cultura escolar é uma construção histórica e socialmente situada, que se consolida a partir de práticas, valores, rituais, relações de poder e saberes partilhados no cotidiano das instituições de ensino.
Segundo Silva (2010), trata-se de um conjunto de tradições, comportamentos, representações e normas que regulam as ações dos sujeitos no espaço escolar, muitas vezes de forma tácita e nem sempre conscientemente reconhecida pelos atores educacionais.
Essa cultura, ao mesmo tempo que organiza o funcionamento da escola, também impõe limites e define expectativas sobre alunos e professores, influenciando diretamente os processos de inclusão, sobretudo ao ditar o que é considerado normal ou esperado dentro do ambiente educacional.
Autores como Arriès (1998) e Forquin (1993) contribuem para aprofundar essa compreensão ao destacar que a cultura escolar foi moldada por padrões disciplinares e hierárquicos rígidos, que tinham como finalidade a homogeneização dos comportamentos e o controle dos corpos.
Esses elementos ainda reverberam nas práticas escolares atuais, muitas vezes de forma sutil, dificultando o acolhimento da diversidade e a construção de práticas verdadeiramente inclusivas. Isso se traduz, por exemplo, na padronização de currículos, na organização de tempos e espaços e na expectativa de comportamentos “adequados”, que nem sempre contemplam as formas distintas de ser e aprender, como é o caso das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Nesse sentido, como aponta Foucault (1987), instituições como a escola historicamente operaram como espaços de normatização, nos quais a disciplina e a vigilância produziram subjetividades dóceis. Esse processo molda uma escola que tende a funcionar com base em normas implícitas e rígidas de comportamento, afetando diretamente alunos que não se encaixam nesse padrão.
No contexto atual, isso ainda se reflete na dificuldade de lidar com sujeitos que escapam das normas tradicionais de aprendizagem e comportamento, exigindo uma mudança de paradigma que vá além da simples tolerância à diferença e caminhe em direção à sua valorização.
Diante disso, a inclusão escolar demanda um olhar ampliado sobre as culturas presentes na escola — não apenas aquelas explícitas no currículo ou nas políticas institucionais, mas também aquelas construídas nos corredores, nos intervalos, nas interações informais e, sobretudo, nas relações estabelecidas entre os diferentes elos educacionais: professores, alunos, famílias e equipe pedagógica.
Para que uma criança autista se sinta pertencente ao espaço escolar, é fundamental que sua singularidade seja reconhecida e respeitada, considerando suas formas próprias de ser, comunicar-se e aprender.
A ausência desse reconhecimento, como demonstram os dados coletados na pesquisa de campo, pode gerar barreiras significativas à aprendizagem e à socialização, além de reforçar práticas excludentes mascaradas de neutralidade institucional.
A pesquisa de campo, por meio das entrevistas realizadas com professoras, familiares e observação do aluno com TEA, evidenciou desafios concretos e significativos relacionados à adaptação curricular, comunicação interpessoal e gestão do ambiente escolar.
Esses desafios foram organizados e sintetizados no Quadro 1, que aponta como principais dificuldades: ausência de estratégias adequadas de comunicação, dificuldades sensoriais do aluno frente ao ambiente escolar, ausência de suporte e orientação à família e carência de adaptações pedagógicas eficazes por parte das docentes.
Cada uma dessas dificuldades revela camadas de um problema estrutural mais profundo, ancorado na permanência de práticas escolares que ainda não foram suficientemente atravessadas pela lógica da inclusão.
Quadro 1, desafios enfrentados
Dificuldades |
Agentes |
Dificuldades de comunicação do aluno |
aluno |
Preferências e conforto do aluno |
aluno |
Adaptação das atividades escolares |
professoras |
Ambiente escolar e fatores sensoriais |
professoras |
Ausência de orientação e suporte |
família |
Fonte: autores
A partir dos dados, é possível observar que a comunicação não verbal do aluno e suas reações a estímulos sensoriais (tais como ruídos intensos, aglomerações, iluminação ou uso de determinadas cores) impactam diretamente sua permanência e sua participação nas atividades escolares.
A dificuldade de comunicação relatada pelas docentes não diz respeito apenas à ausência de fala, mas à escassez de estratégias alternativas — como o uso de imagens, gestos ou tecnologias assistivas — que favoreçam a expressão e a compreensão mútua.
Conforme apontado por Silva (2006), a cultura escolar frequentemente desconsidera ou marginaliza modos de comunicação que não estejam alinhados à oralidade ou à escrita, o que reforça barreiras para estudantes neurodivergentes.
No tocante às práticas pedagógicas, as professoras relataram dificuldades na elaboração de propostas adaptadas às necessidades do estudante, evidenciando lacunas na formação inicial e continuada, além da carência de apoio técnico especializado. A organização do ambiente escolar, em muitos casos, também não se mostra sensível às necessidades sensoriais do aluno autista, sendo percebido como excessivamente estimulante ou inóspito.
Como indicam Arriès (1998) e Forquin (1993), a própria configuração espacial da escola é historicamente desenhada para a uniformidade e controle, o que compromete a flexibilidade necessária à inclusão.
Outro aspecto crucial apontado no quadro é a ausência de suporte e orientação adequada à família. A escassez de diálogo entre escola e família, muitas vezes limitada à entrega de boletins ou convocações pontuais, dificulta a criação de vínculos e a construção de uma rede colaborativa.
A família, nesse contexto, expressa sentimento de isolamento, insegurança e não pertencimento, comprometendo o elo que deveria ser base para o desenvolvimento integral da criança. Foucault (1987) nos alerta para a necessidade de romper com modelos de autoridade unidirecional e fomentar relações horizontais de poder, nas quais a escuta e a participação ativa sejam princípios fundamentais.
Barbosa (2007) reforça a necessidade de repensar a cultura escolar à luz da inclusão, superando a lógica da homogeneização e reconhecendo os sujeitos em sua diversidade. Isso implica não apenas ajustes técnicos, mas transformações profundas nos valores que regem o cotidiano escolar.
O cotidiano vivido pela criança autista deve ser compreendido em sua totalidade — levando em conta suas formas de expressão, seus tempos de aprendizagem, seus interesses e os contextos culturais que a constituem. Tal compreensão exige uma abordagem pedagógica dialógica, sensível, intercultural e situada, que vá além dos limites físicos da sala de aula e se estenda às relações com a comunidade e com a família.
Júlia (2012), ao sugerir a necessidade de “abrir a caixa preta” da escola, propõe justamente lançar luz sobre os mecanismos implícitos que ainda dificultam a efetivação de uma educação verdadeiramente inclusiva. Isso não significa negar as dificuldades enfrentadas por educadores e familiares, mas reconhecer que a superação dessas dificuldades passa pela implementação de estratégias colaborativas, baseadas no diálogo, na escuta e na corresponsabilidade entre todos os agentes envolvidos na educação da criança autista. Somente assim será possível construir uma escola mais justa, democrática e inclusiva, capaz de acolher cada sujeito em sua integralidade.
4 ESTRATÉGIAS USADAS PARA MINIMIZAR OS DESAFIOS ENTRE OS ELOS EDUCACIONAIS
Diante dos desafios apontados no processo de inclusão escolar da criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a pesquisa identificou um conjunto significativo de estratégias adotadas pelos diferentes elos educacionais — família, escola e aluno — com o intuito de minimizar as dificuldades e favorecer a participação efetiva no ambiente escolar.
Esses achados revelam que a construção de uma escola inclusiva não pode prescindir da articulação entre os agentes envolvidos, exigindo uma postura ativa, colaborativa e sensível às especificidades da criança autista.
A análise das entrevistas realizadas com as professoras, a família e a observação do aluno com TEA permitiu identificar um conjunto de práticas que apontam para um movimento de aproximação entre os elos, buscando reduzir as barreiras ao aprendizado e à convivência.
O Quadro 2 sintetiza essas estratégias, agrupando-as por categoria e agente envolvido, destacando a multiplicidade de ações que vêm sendo desenvolvidas no cotidiano escolar.
Quadro 2 – estratégias usadas
Categorias |
Estratégias |
Canais de comunicação contínua |
Telefone, WhatsApp, reuniões presenciais |
Envolvimento da família |
Palestras, reuniões, participação ativa na escola |
Organização das reuniões de alinhamento |
Bimestrais, no mesmo dia, individualizadas, com professores (regular, AEE, apoio), coordenação e família |
Função das reuniões |
Compartilhamento de informações sobre o aluno, ajustes pedagógicos, planejamento individualizado |
Papel da família |
Informações sobre novos laudos, comportamentos e diagnósticos |
Abordagem colaborativa e multidisciplinar |
Professores de sala, AEE, apoio, coordenação pedagógica e família trabalhando juntos |
Fonte: autoras
A primeira dimensão evidenciada nas entrevistas refere-se à criação de canais de comunicação contínua, por meio de ferramentas como WhatsApp, telefonemas e encontros presenciais.
Essa estratégia aparece como elemento central para o fortalecimento dos laços entre escola e família, conforme já defendem autores como Paro (2017), ao enfatizar que a comunicação entre os atores escolares e familiares é condição indispensável para a construção de uma educação verdadeiramente democrática e inclusiva. Essa comunicação, mais do que informativa, precisa ser dialógica, ou seja, aberta à escuta, à negociação e à construção conjunta de soluções.
Outro aspecto relevante identificado diz respeito ao envolvimento da família no cotidiano escolar, seja por meio da participação em reuniões e palestras, seja pela presença em atividades escolares, o que permite o compartilhamento de informações e a criação de vínculos mais sólidos com os profissionais.
De acordo com Carvalho (2005), a corresponsabilidade entre família e escola é um dos pilares da educação inclusiva, e não se trata de transferir responsabilidades, mas de promover alianças capazes de sustentar o desenvolvimento global da criança.
As estratégias voltadas para o fortalecimento desse elo demonstram o reconhecimento da família como detentora de saberes sobre a criança, especialmente no que tange às suas rotinas, comportamentos e necessidades específicas.
A organização das reuniões de alinhamento, realizadas de forma bimestral e com a presença de diferentes agentes — professoras regulares, do AEE, de apoio, coordenação e familiares — representa uma prática que valoriza a escuta coletiva e o planejamento conjunto.
Nessas reuniões, como apontam os dados, são discutidos os avanços e desafios da criança, os ajustes pedagógicos necessários e a redefinição de metas. Essa prática está em consonância com o que defendem Oliveira e Prieto (2021), ao afirmarem que o trabalho colaborativo entre os profissionais da educação especial e do ensino comum é condição necessária para a efetivação da inclusão, especialmente quando articulado com a participação ativa da família.
A função pedagógica dessas reuniões também é ressaltada, especialmente pelo seu caráter de planejamento individualizado, baseado em informações compartilhadas de forma interprofissional. Essa abordagem vai ao encontro da lógica do Plano Educacional Individualizado (PEI), recomendado por políticas públicas como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que reforça a importância de estratégias pedagógicas construídas de forma coletiva, respeitando o perfil de aprendizagem de cada estudante.
No que diz respeito ao papel da família, as entrevistas demonstram que sua contribuição vai além do acompanhamento das atividades escolares, sendo também fonte de informações sobre diagnósticos atualizados, comportamentos e reações do aluno fora da escola.
Essa dimensão permite à escola ajustar suas práticas em função de novas demandas que podem surgir ao longo do tempo, o que reforça a necessidade de vínculos sustentáveis e de confiança entre os elos. Tal como afirma Mantoan (2003), a inclusão é um processo dinâmico, que exige flexibilidade e abertura às mudanças, sendo fundamental o envolvimento familiar como fonte legítima de saber.
A abordagem colaborativa e multidisciplinar entre os profissionais da escola (professoras da sala comum, do AEE, de apoio e coordenação pedagógica), em conjunto com a família, também se destaca como estratégia central. Essa colaboração ultrapassa a lógica da divisão de tarefas e promove uma atuação articulada, onde cada agente contribui com sua experiência e conhecimento para a construção de um percurso educativo significativo para a criança com TEA.
Como afirmam Nóvoa (2009) e Stainback e Stainback (1999), o trabalho em equipe é uma das marcas de uma escola inclusiva, pois permite a superação do isolamento docente e a construção de práticas pedagógicas compartilhadas.
Outra estratégia mencionada nas entrevistas refere-se à gestão do ambiente escolar, com adaptações que visam reduzir estímulos sensoriais adversos, como ruídos intensos, movimentações excessivas e luminosidade inadequada. As professoras relataram que pequenas alterações na organização do espaço físico e no controle de estímulos sensoriais contribuíram para a melhora da permanência do aluno nas atividades escolares.
Esses dados vão ao encontro de estudos como o de Grandin e Panek (2024), que enfatiza a importância de ambientes sensorialmente adequados para o desenvolvimento de crianças autistas, já que a sobrecarga sensorial é um dos fatores que mais impactam seu comportamento e capacidade de aprendizagem.
Essas estratégias, em sua totalidade, apontam para a necessidade de uma abordagem integrada, interdisciplinar e dialógica, que reconheça a criança autista como sujeito ativo em seu processo educativo.
A responsabilização compartilhada entre os elos educacionais, associada a políticas públicas que incentivem a formação continuada dos docentes, o fortalecimento do Atendimento Educacional Especializado e a valorização da escuta familiar, compõem o alicerce de uma cultura escolar inclusiva.
Como destaca Barbosa (2007), a escola inclusiva não se constrói apenas com recursos técnicos ou estruturas físicas adaptadas, mas sobretudo com práticas sociais, pedagógicas e relacionais que reconheçam e valorizem a diferença como constitutiva do processo educativo.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo analisar as estratégias utilizadas para minimizar os desafios entre os elos educacionais — família, escola e criança autista — evidenciando a necessidade de uma rede colaborativa pautada na comunicação contínua e no diálogo aberto entre todos os envolvidos. Essa conexão se mostra fundamental para superar as dificuldades inerentes ao diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma vez que cada elo desempenha papel crucial nesse processo.
Foi possível constatar que diversos desafios afetam esses elos, tais como as dificuldades de comunicação do aluno, suas preferências e necessidades de conforto, a adaptação das atividades escolares, o ambiente escolar e seus fatores sensoriais, bem como a ausência de orientação e suporte adequados. Isso reforça que a inclusão não se dá apenas pelo estabelecimento de normas ou diretrizes legislativas, mas sobretudo pela implementação efetiva de estratégias concretas e ajustadas às especificidades de cada agente envolvido.
Não se pretende desvalorizar a importância das legislações e políticas públicas voltadas à inclusão, mas sim destacar que, sem a inserção dessas estratégias no cotidiano escolar e familiar, os elos educacionais podem encontrar dificuldades para promover uma inclusão genuína e uma educação de qualidade para a criança autista.
Nesse sentido, o estudo identificou diversas estratégias adotadas pelas professoras para minimizar os desafios enfrentados, as quais variam conforme os objetivos e as necessidades expressas nas narrativas. Categorias como canais de comunicação contínua, envolvimento da família, organização e função das reuniões de alinhamento, o papel da família e a abordagem colaborativa e multidisciplinar foram destacadas e sistematizadas no Quadro 2.
Por fim, ressalta-se que a minimização plena dos desafios dependerá da união e da articulação dinâmica dessas estratégias entre todos os agentes envolvidos. Fortalecendo esses aspectos, a inclusão escolar poderá avançar, promovendo uma educação democrática, humanizadora e respeitosa à diversidade, reconhecendo e valorizando as diferenças de cada sujeito.
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[1] Professora da rede municipal de Cametá; Mestranda da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais – FICS.
[2] Professora efetiva da rede municipal de Cametá; Mestranda da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais – FICS.
[3] Doutor em Ciências da Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais - FICS; Mestre em Educação e Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura pela Universidade Federal do Pará – UFPA; Mestre em Ciências da Educação – FICS; Especialista em Gestão e Planejamento da Educação – UFPA; Especialista em Gestão Financeira e de Projetos Sociais – Faculdade de Patrocinio -FAP; Graduado em pedagogia – UFPA; Graduado em Letras Habilitação em Língua Inglesa – UFPA; Graduado em Sociologia – UNIASSELVI; Acadêmico de Direito pela Faculdade Estratego. Professor efetivo vinculado à Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA); Professor efetivo vinculado à Secretaria Municipal de Educação do Município de Cametá (SEMED-Cametá-Pa). E-mail: <O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.>. Orcid: <https://orcid.org/0000-0002-7169-2716>. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5684033221420587