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Desafios socioeconômicos e a aceitação familiar do autismo: o luto silencioso e sua luta diária

Alciane Melo dos Santos de Brito[1]

 

Orientador: Mílvio da Silva Ribeiro[2]

 

DOI: 10.5281/zenodo.16755387

 

 

RESUMO

Este artigo investiga os impactos socioeconômicos na recepção e aceitação do diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) por famílias em contextos de vulnerabilidade. A pesquisa bibliográfica, fundamentada no materialismo histórico-dialético, explora como as condições econômicas, a escassez de recursos especializados e fatores socioculturais influenciam a dinâmica familiar e o acesso ao suporte. Analisando obras de autores como Bardin (2011), Gil (2011), Goyos (2018), Marques e Dixe (2010), e Silva (2023), o estudo detalha os estágios emocionais vivenciados pelos cuidadores – especialmente as mães –, a sobrecarga resultante e as barreiras socioeconômicas que dificultam o processo de adaptação e a busca por intervenções adequadas. Os resultados indicam que, embora o luto inicial seja comum, a vulnerabilidade socioeconômica intensifica a sobrecarga materna e restringe o acesso a diagnósticos e terapias precoces, impactando a saúde mental dos cuidadores e a inclusão escolar das crianças. O artigo busca compreender o "luto silencioso" experienciado por essas famílias e as estratégias de resiliência adotadas na "luta diária" pela inclusão e desenvolvimento de seus filhos, oferecendo subsídios para políticas públicas mais equitativas e uma vida escolar saudável.

 

Palavras-chave: Autismo; Família; Socioeconomia; Vulnerabilidade; Aceitação.

 

 

ABSTRACT

This article investigates the socioeconomic impacts on the reception and acceptance of an Autism Spectrum Disorder (ASD) diagnosis by families in vulnerable contexts. The bibliographic research, grounded in historical-dialectical materialism, explores how economic conditions, the scarcity of specialized resources, and sociocultural factors influence family dynamics and access to support. Analyzing works by authors such as Bardin (2011), Gil (2011), Goyos (2018), Marques and Dixe (2010), and Silva (2023), the study details the emotional stages experienced by caregivers – especially mothers –, the resulting burden, and the socioeconomic barriers that hinder the adaptation process and the search for appropriate interventions. The findings indicate that, while initial grief is common, socioeconomic vulnerability intensifies maternal burden and restricts access to early diagnoses and therapies, impacting caregivers' mental health and children's school inclusion. This article seeks to understand the "silent grief" experienced by these families and the resilience strategies adopted in their "daily struggle" for their children's inclusion and development, offering subsidies for more equitable public policies and a healthy school life.

 

Keywords: Autism; Family; Socioeconomics; Vulnerability; Acceptance.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) representa um momento de profunda reestruturação na vida familiar, exigindo adaptações contínuas e o enfrentamento de novos desafios. Em diversas realidades sociais, o status socioeconômico das famílias impacta significativamente o acesso a um diagnóstico precoce e ao suporte adequado para o desenvolvimento da pessoa com TEA. A observação de perto das dificuldades diárias e da sobrecarga vivenciada por pais e cuidadores, particularmente pelas mães, em variados contextos sociais, impulsiona a necessidade de uma compreensão mais aprofundada sobre a complexa relação entre o autismo e as condições de vida das famílias.

Em cenários de vulnerabilidade social, as famílias de crianças com suspeita ou diagnóstico de TEA frequentemente lidam com obstáculos que vão desde a escassez de profissionais especializados e a dificuldade de acesso a serviços de saúde até a desinformação sobre o transtorno. Nesse sentido, este estudo tem a intenção de analisar as interconexões entre as condições socioeconômicas e o itinerário diagnóstico do autismo no ambiente familiar, buscando compreender como esses fatores moldam a recepção do diagnóstico e o percurso de aceitação.

Atualmente, identifica-se um padrão de dificuldade na aceitação familiar do diagnóstico de autismo. Muitas famílias manifestam resistência e negação, o que acarreta impactos negativos no processo de adaptação da criança e no acesso aos recursos essenciais para seu desenvolvimento. Além disso, as condições socioeconômicas influenciam de forma significativa a maneira como essas famílias lidam com o diagnóstico, gerando barreiras adicionais para a aceitação e o suporte adequado.

A relevância deste trabalho abrange dimensões social, científica, profissional e pessoal. Socialmente, ao investigar a reação familiar ao diagnóstico, como forma de identificar preconceitos, estigmas e barreiras persistentes, contribuindo para uma discussão mais ampla sobre inclusão e aceitação. Compreender o manejo familiar do diagnóstico pode subsidiar o desenvolvimento de programas de apoio psicológico e emocional, promovendo uma dinâmica familiar mais saudável.

Cientificamente, a pesquisa oferece novos insights ao propor uma abordagem interdisciplinar que considera tanto os aspectos individuais do TEA quanto o contexto socioeconômico e cultural. Profissionalmente, para educadores e profissionais de saúde, entender a realidade familiar é o primeiro passo para buscar soluções mais eficazes e inclusivas. Pessoalmente, para os pesquisadores engajados na área, este estudo representa a oportunidade de aprofundar o conhecimento sobre um público que exige atenção e estratégias de apoio eficazes.

O problema de pesquisa central é responder, como os fatores socioeconômicos influenciam a recepção do diagnóstico de autismo pelas famílias de crianças em diferentes contextos? As questões norteadoras são: qual o contexto socioeconômico das famílias de crianças com autismo? Quais as percepções e atitudes dos membros familiares em relação ao diagnóstico de autismo? Qual o impacto do contexto socioeconômico na recepção da família ao diagnóstico de crianças com TEA? As hipóteses sugerem que a aceitação e o desenvolvimento dessas crianças estão intrinsecamente ligados a fatores econômicos, sociais e de nível de escolaridade. A busca por tratamento e terapias frequentemente é comprometida pela falta de informação e conhecimento, bem como pelos impactos negativos do estigma social e do preconceito, reforçando a necessidade de estratégias que promovam maior compreensão e apoio a essas famílias.

 

 

2 METODOLOGIA: A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA FUNDAMENTADA NO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO

 

A presente pesquisa adota a pesquisa bibliográfica como seu principal delineamento metodológico, alicerçada nos pressupostos do materialismo histórico-dialético. Essa escolha metodológica é necessária para alcançar uma compreensão aprofundada e contextualizada dos desafios socioeconômicos e do processo de aceitação familiar do diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A pesquisa bibliográfica, conforme Gil (2011), consiste no desenvolvimento de uma investigação com base em material já elaborado, como livros, artigos científicos, teses e dissertações. Para o autor, esse tipo de pesquisa permite ao investigador ter acesso a uma gama de informações que já foram analisadas, debatidas e sistematizadas, proporcionando um panorama abrangente e crítico sobre o tema em questão.

No contexto deste estudo, a pesquisa bibliográfica será utilizada para levantar e analisar a literatura existente sobre o TEA, seus impactos na família, a questão da sobrecarga do cuidador, a saúde mental dos pais, os desafios socioeconômicos, o acesso a serviços de saúde e educação, e as dinâmicas de aceitação do diagnóstico. Essa abordagem permite identificar lacunas no conhecimento, validar conceitos e construir uma base teórica robusta para as análises.

Aprofundando a escolha metodológica, a pesquisa transcende a mera coleta de informações, buscando uma análise crítica e transformadora da realidade social. Para tanto, a base filosófica que permeia todo o processo de investigação é o materialismo histórico-dialético. Este método, proposto por Marx e Engels (1999), oferece uma abordagem inovadora para compreender a história e a sociedade, enfatizando as condições materiais e econômicas que moldam a consciência humana e as relações sociais. Ao invés de analisar os fenômenos isoladamente, o materialismo histórico-dialético busca entender as interações entre as diversas partes do objeto de estudo, considerando sua totalidade e suas contradições internas, como discutidas por Silva Lopes e Carvalhaes (2024).

Saes (2020) ressalta que esse enfoque prioriza a totalidade concreta, articulando economia, política e cultura para desvendar as contradições inerentes aos modos de produção e às relações sociais. No âmbito desta pesquisa, a lente do materialismo histórico-dialético permitirá investigar como as estruturas socioeconômicas e as condições materiais de vida das famílias, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade, influenciam não apenas o acesso ao diagnóstico e aos tratamentos para o TEA, mas também a própria capacidade de aceitação e resiliência diante dessa nova realidade. A negação, o luto e a sobrecarga não são apenas fenômenos psicológicos individuais, mas são socialmente e economicamente condicionados, refletindo as desigualdades no acesso a recursos e informações.

A aplicação do materialismo histórico-dialético na pesquisa bibliográfica implicará uma análise que vai além da descrição dos dados. Buscar-se-á desvendar as causas e os efeitos das desigualdades, compreendendo como as dinâmicas de poder e as estruturas econômicas impactam a vida das famílias com TEA. Por exemplo, a dificuldade de acesso a profissionais especializados (Souza e Souza, 2021; Silva et al., 2018) ou a priorização de gastos com educação em detrimento de outras terapias (Camargos Junior, 2010) não serão vistos como escolhas isoladas, mas como reflexos de uma realidade material que limita as opções e expõe as vulnerabilidades dessas famílias.

A análise dialética permitirá identificar as tensões e contradições entre a necessidade de suporte integral para a pessoa com TEA e a limitada oferta de serviços em contextos de vulnerabilidade, revelando as "lutas diárias" que se tornam parte intrínseca da vida familiar. Além disso, a metodologia dialética favorece a compreensão da historicidade dos fenômenos. Isso significa que as percepções sobre o autismo, as políticas públicas (ou a ausência delas) e as reações familiares são produtos de um desenvolvimento histórico-social.

As informações bibliográficas serão contextualizadas dentro de um arcabouço que reconhece as transformações nas abordagens sobre o TEA, as conquistas em termos de direitos e as persistências de barreiras. A pesquisa bibliográfica, fundamentada no materialismo histórico-dialético, não se limita a um levantamento passivo de informações. Ela constitui um processo ativo de interpretação crítica, buscando desvelar as conexões entre as condições materiais de existência e as experiências subjetivas das famílias de crianças com TEA. Essa abordagem visa não apenas descrever a realidade, mas também contribuir para a proposição de soluções que enderecem as causas estruturais das desigualdades e promovam uma inclusão mais justa e equitativa.

 

 

3 O AUTISMO NO CONTEXTO DA VULNERABILIDADE SOCIAL: IMPACTOS E BARREIRAS NO ACESSO A RECURSOS

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conforme a Associação Americana de Psiquiatria (2014) em seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), é um Transtorno do Neurodesenvolvimento caracterizado por desafios persistentes na comunicação social e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Goyos (2018, p. 14) enfatiza que "O autismo é identificado pela manifestação de uma ampla gama de comportamentos em quantidade, diversidade e intensidade, capazes de impactar adversamente o indivíduo nas esferas do relacionamento social, profissional, acadêmico e emocional."

Os sinais do TEA podem ser identificados precocemente (Marques e Dixe, 2010), manifestando-se como dificuldades em lidar com mudanças, problemas para compreender regras sociais, hipersensibilidade, e, em alguns casos, comportamentos agressivos ou auto lesivos. Tais sintomas podem ser uma fonte significativa de estresse e sobrecarga física e emocional para os pais e cuidadores (Schmidt e Bosa, 2007; Santos et al., 2018).

A sobrecarga no cuidado de uma pessoa com TEA recai desproporcionalmente sobre as mães, que, independentemente do nível de comprometimento dos filhos, frequentemente se sentem exaustas e sobrecarregadas (Matsukura e Menecheli, 2011). Fávero e Santos (2005) apontam para uma correlação direta entre a gravidade dos sintomas do autismo e o nível de estresse parental. O Ministério da Saúde (2013) detalha que essa sobrecarga se manifesta pela percepção de falta de tempo para si, angústia por responsabilidades que ultrapassam o cuidado com o familiar, exaustão e a sensação de perda de controle sobre a própria vida.

A literatura tem evidenciado o impacto na saúde mental dos cuidadores, com Da Silva et al. (2023) indicando que muitos pais de crianças com TEA apresentam níveis patológicos de ansiedade e depressão, dada a centralidade da família no desenvolvimento do indivíduo. Nesse cenário, a escuta profissional à família emerge como uma estratégia vital para melhorar a qualidade de vida do indivíduo com TEA, de sua família e da equipe multidisciplinar (De Jesus Vidal et al., 2021).

O entendimento do perfil socioeconômico das famílias com crianças autistas é essencial para uma compreensão integral do ambiente em que a criança está inserida, suas carências e seus potenciais. Moldau (1998, p. 70) ressalta que "os indicadores socioeconômicos têm a finalidade principal de permitir a avaliação da situação e evolução de uma comunidade em seus vários aspectos".

Complementarmente, Rattner (2003) argumenta que a mensuração desses aspectos sociais permite avaliar a eficácia de políticas públicas, identificar desigualdades e constatar demandas básicas não atendidas, além de estabelecer relações entre os diversos fatores que propiciam o desenvolvimento. Compreender o cenário socioeconômico é, portanto, essencial para analisar como o diagnóstico impacta as dinâmicas sociais e, consequentemente, o acesso ao tratamento e à evolução das crianças, dado que o suporte e a rede de apoio são frequentemente mais reduzidos para famílias com menor poder aquisitivo.

Em muitos contextos de vulnerabilidade social, as famílias enfrentam múltiplos desafios que se somam aos inerentes ao TEA. A informalidade no mercado de trabalho, a baixa renda, a infraestrutura limitada (saneamento básico, transporte) e a dependência de serviços públicos são características comuns que exacerbam as dificuldades. A desigualdade social, que estrutura a sociedade a partir de disparidades no acesso a recursos materiais e simbólicos (Engels, 1884; Telles, 2010), perpetua ciclos de pobreza e impacta diretamente a capacidade dessas famílias de garantir educação e saúde de qualidade (Almeida, 2018).

Um dos maiores desafios é a escassez de profissionais qualificados para o diagnóstico (Souza e Souza, 2021; Silva et al., 2018), o que acarreta atrasos e dificuldades no acesso à intervenção precoce. Mesmo quando os serviços existem, a oferta é insuficiente e mal distribuída pelo país (Portolese et al., 2017), tornando o acesso precário para muitas famílias e contribuindo para o estresse dos cuidadores (Gomes et al., 2014).

Embora não haja cura para o TEA, terapias baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) têm se mostrado eficazes no desenvolvimento de habilidades (Vismara e Rogers, 2010). No entanto, o custo e a disponibilidade dessas terapias são grandes barreiras. Camargos Junior (2010) aponta que famílias com menos recursos financeiros podem ser levadas a priorizar investimentos em educação em detrimento de outras terapias, o que pode comprometer o atendimento integral às necessidades da pessoa com TEA. Tratar o TEA precocemente não apenas garante às crianças o acesso a um tratamento no tempo adequado para o maior ganho de habilidades sociais no desenvolvimento e comunicação, mas também implica uma redução de custos aos cofres públicos a longo prazo (Silva, 2023).

 

 

4 A TRAJETÓRIA EMOCIONAL DA FAMÍLIA: DO LUTO DO DIAGNÓSTICO À BUSCA POR ADAPTAÇÃO

 

O diagnóstico de autismo impõe um impacto profundo e complexo no ambiente familiar, marcado por um misto de incertezas, inseguranças e a necessidade de redefinir expectativas sobre o futuro. Como enfatizado por Roiz e Figueiredo (2023), "ser mãe de uma criança com TEA requer um movimento interno de superação, aceitação e adaptação para promover uma parentalidade saudável". A percepção de que algo é diferente no desenvolvimento do filho, muitas vezes a partir do segundo ano de vida (Silva, 2023), pode desencadear uma fase inicial de resistência e negação ao diagnóstico por parte dos pais, que tendem a não considerar a verdade do transtorno (De Jesus Vidal et al., 2021).

Essa fase inicial é frequentemente descrita na literatura como um processo de luto. Franco (2015) destaca um profundo sentimento de tristeza vivenciado pelos pais, similar ao luto pela perda de um filho, decorrente da necessidade de se despedir das idealizações e expectativas que tinham para a vida de seu filho sem necessidades especiais. De Jesus Vidal et al. (2021) contribuem com essa perspectiva, afirmando que, quando a verdade do diagnóstico se revela, ela causa um "potente impacto que desestruturará suas bases emocionais, causando-lhes irreparáveis estendidos à família". Este é o "luto silencioso": um processo de desidealização e reconfiguração das esperanças, que muitas vezes não é validado socialmente ou não encontra o suporte necessário para ser elaborado.

A família, enquanto primeira instituição social, é um fenômeno dinâmico, constantemente moldado por valores culturais, econômicos e históricos (Durkheim, 1895). No entanto, a desigualdade social permeia essa estrutura, influenciando o acesso a recursos materiais e simbólicos (Engels, 1884). A concentração de renda e a precarização do trabalho, características de muitas sociedades contemporâneas (Telles, 2010), impactam diretamente as condições de vida e perpetuam ciclos de pobreza. Nesse cenário, as famílias em situação de vulnerabilidade enfrentam obstáculos adicionais na sua trajetória emocional e prática de aceitação do autismo (Almeida, 2018).

As barreiras socioeconômicas intensificam a "luta diária" dessas famílias. Além dos custos diretos com terapias, medicações e cuidados especializados, que são frequentemente inacessíveis ou sobrecarregam o orçamento familiar, há os custos indiretos. A necessidade de um dos pais (predominantemente a mãe) de se afastar do mercado de trabalho para se dedicar integralmente ao cuidado do filho com TEA resulta em uma diminuição significativa da renda familiar. Bonfim et al. (2020) afirmam que muitas famílias enfrentam dificuldades em múltiplos âmbitos – emocionais, sociais e econômicos –, o que agrava o sofrimento e dificulta a adesão a tratamentos.

Apesar dos desafios, os estudos analisados também indicam que o diagnóstico de TEA pode catalisar processos de resiliência, fortalecimento de vínculos e redefinição de prioridades. A maneira como as famílias respondem a esses desafios varia conforme fatores como o acesso a redes de apoio (formais e informais), as condições socioeconômicas, os contextos culturais e a disponibilidade de informações qualificadas (Klinger et al., 2020).

Essa capacidade de buscar apoio, seja de indivíduos, grupos ou instituições, contribui para a melhoria da qualidade de vida familiar. Szimanski (2011) destaca a centralidade da família como o principal modelo referencial para a criança, influenciando sua compreensão do mundo e a construção de sua identidade. A adaptação à nova realidade, com suas especificidades e exigências, passa a ser uma parte fundamental da experiência familiar (De Jesus Vidal et al., 2021; Caparroz et al., 2022). O enfrentamento desses desafios cotidianos oferece às famílias a oportunidade de desenvolver maior confiança e competência na tomada de decisões e na busca por soluções.

 

 

5 ESCOLA E COMUNIDADE: REDES DE APOIO E A INCLUSÃO EM CENÁRIOS DESAFIADORES

 

A preocupação com a vida escolar é uma das maiores fontes de ansiedade para pais de crianças com TEA, especialmente em contextos de vulnerabilidade. A busca por opções educativas e intervenções adequadas às necessidades de seus filhos gera constantes desafios e preocupações (Da Silva et al., 2023). Questionamentos sobre a acessibilidade da escola, a efetividade do processo de inclusão e a disponibilidade de Atendimento Educacional Especializado (AEE) são constantes para essas famílias. As práticas educacionais dos pais são intrinsecamente ligadas à cultura na qual a família está inserida (Papalia e Feldman, 2013), o que torna a escola um espaço vital para a mediação entre o ambiente familiar e o sistema educacional mais amplo.

Em muitas comunidades, a escola, especialmente em regiões periféricas, assume um papel central. Ela não é apenas um local de ensino-aprendizagem, mas um polo de articulação comunitária. A proximidade e o engajamento da comunidade com a instituição de ensino podem ser um recurso valioso, com pais e responsáveis demonstrando forte presença e apoio no dia a dia escolar e em seus eventos.

Essa colaboração entre escola e comunidade é percebida como um fator necessário para o crescimento e o sucesso acadêmico dos estudantes. O envolvimento dos pais em reuniões, eventos e atividades extracurriculares, bem como as parcerias da escola com organizações locais (empresas, ONGs, entidades governamentais), contribuem para o enriquecimento do currículo e a oferta de recursos e oportunidades para os estudantes.

Apesar da importância do engajamento comunitário e do esforço das escolas, a realidade socioeconômica impõe barreiras significativas. Famílias com menos recursos financeiros frequentemente precisam priorizar investimentos em educação, em detrimento de outras terapias e intervenções complementares que seriam igualmente necessárias para o desenvolvimento da criança com TEA (Camargos Junior, 2010).

Isso se agrava pela insuficiência e má distribuição dos serviços de apoio a pessoas com TEA, que é uma realidade no sistema de saúde brasileiro (Portolese et al., 2017). O acesso precário a serviços de saúde, tanto públicos quanto do terceiro setor, contribui para o estresse e o sofrimento psíquico dos cuidadores e familiares (Gomes et al., 2014).

A necessidade de políticas públicas mais eficazes e abrangentes é um imperativo. A falta de acesso a um diagnóstico precoce e a terapias adequadas compromete significativamente o desenvolvimento das crianças com TEA, o que, a longo prazo, acarreta custos sociais e econômicos maiores para a sociedade. Silva (2023) argumenta que "tratar precocemente o TEA implica redução de custos aos cofres públicos, além de garantir às crianças o acesso a um tratamento no tempo adequado para o maior ganho de habilidades sociais na esfera do desenvolvimento e comunicação".

Nesse sentido, a "luta diária" das famílias com filhos autistas em contextos desafiadores é também uma busca por direitos e por um sistema que garanta a equidade no acesso à saúde, educação e assistência social. A escola, embora fundamental, muitas vezes se vê na posição de assumir responsabilidades que extrapolam sua função pedagógica, tornando-se um ponto de acolhimento e articulação de recursos para famílias que encontram poucas outras portas abertas. O fortalecimento dessas redes de apoio, que envolvam a escola, a comunidade, os serviços de saúde e a assistência social, é essencial para promover um ambiente educacional mais enriquecedor e inclusivo.

 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este artigo buscou aprofundar a compreensão sobre os desafios enfrentados por famílias de crianças com Transtorno do Espectro Autista, com um olhar particular para os impactos socioeconômicos na aceitação do diagnóstico e na busca por suporte. A pesquisa revelou que o diagnóstico de TEA, embora intrinsecamente desafiador, adquire dimensões ainda mais complexas em contextos de vulnerabilidade social. O "luto silencioso", caracterizado pela negação inicial e pela profunda tristeza diante da desidealização do futuro do filho, é intensificado pela escassez de recursos financeiros, pela informalidade do trabalho e pela limitação de acesso a profissionais especializados e a terapias eficazes.

A sobrecarga do cuidador, predominantemente da mãe, emerge como uma realidade alarmante, com sérias implicações para a saúde mental dessas mulheres. Isso reforça a necessidade urgente de uma rede de apoio psicossocial robusta e acessível que possa oferecer suporte emocional e prático. A "luta diária" dessas famílias é uma jornada contínua de adaptação e resiliência, marcada pela busca incansável por informações, por intervenções terapêuticas e pela garantia da inclusão educacional.

O papel da escola, enquanto espaço de inclusão e de forte conexão com a comunidade, é de vital importância nesse percurso. Ela atua como um ponto de identificação precoce, de acolhimento e, em muitos casos, como o principal elo entre as famílias e os serviços essenciais, mesmo com suas próprias limitações estruturais e de recursos humanos. Contudo, é fundamental que essa função seja complementada por uma rede intersetorial bem articulada.

Os resultados obtidos reforçam a necessidade de políticas públicas mais equitativas e integradas, que considerem as particularidades socioeconômicas e culturais das diferentes regiões e fortaleçam a rede de proteção. É necessário investir na capacitação de profissionais de saúde e educação, expandir a oferta de serviços diagnósticos e terapêuticos acessíveis e de qualidade, e promover a conscientização social sobre o TEA para desconstruir o estigma.

Além disso, a implementação de programas de apoio financeiro e psicossocial para as famílias pode mitigar parte da sobrecarga e facilitar o acesso a intervenções precoces, que são essenciais para o desenvolvimento das crianças e, a longo prazo, para a redução de custos sociais e públicos. O diagnóstico de autismo transcende o indivíduo, reconfigurando profundamente todo o ambiente familiar. Compreender as dinâmicas de aceitação e as barreiras socioeconômicas não é apenas um imperativo acadêmico, mas um chamado urgente à ação para construir uma sociedade mais inclusiva e oferecer o suporte necessário para que essas famílias possam transformar o "luto silencioso" em uma jornada de superação e esperança, garantindo o direito à dignidade e ao desenvolvimento pleno de seus filhos.

 

 

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[1] Discente do Curso de Mestrado em Ciências da Educação, pela Facultad Interamericana de Ciências Sociales interamericana/FICS, Especialista em Gestão Supervisão e Orientação (FADESA 2015/2016), Educação Infantil com Ênfase nas Serie Iniciais (FACIMAB 2018), Educação Especial (FACIMAB 2018/2019), Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica (FAEL 2021), Fundamentos para Alfabetização e Letramento e a Psicopedagogia Institucional (FAEL2021/2022), Educação Especial e Inclusiva (FAEL 2022), Especialização em Didática e Metodologia do Ensino de Geografia (FAEL 2022/2024) E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo..

[2] Doutor em Geografia pelo Programa Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará (PPGEO-UFPA). Pedagogo, Geógrafo. Instituição: Faculdade de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas Gamaliel (FATEFIG). E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1118-7152

 

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